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Eles andam a conhecer o mundo através de hotéis de luxo

Por Carla B. Ribeiro

Um casal canadiano decidiu conhecer o mundo de uma perspectiva diferente: visitar todos os hotéis do grupo Fairmont, que incluía ainda os luxuosos Raffles e Swissôtel. Mas uma inesperada fusão com o grupo Accor mudou-lhes os planos. Esta semana, estão em Lisboa para conhecer o Sofitel Lisbon Liberdade.

Viajar sempre foi um sonho para ambos. Por isso, afirmam, trabalharam anos a fio, mais de 12 horas por dia, sete dias por semana, sem quaisquer férias, enquanto criavam os dois filhos, hoje de 24 e 29 anos, muitas vezes levados a reboque para o escritório.

Até que, num passeio pelo Canadá, ficaram deslumbrados ao avistarem o Fairmont Le Chateau Frontenac, no Quebeque. E foi aí que decidiram: tinham de conhecer aquele hotel. Acabariam por ficar alojados naquela unidade de luxo em 2008 e tomar uma decisão: chegara a altura de conhecer o mundo. Mas por onde começar? "Foi então que abri aquelas brochuras dos hotéis com um mapa e os diferentes Fairmont assinalados - porque não começar por aqui?, desafiei o Doug", recorda Traci Langford, divertida.

Oito anos depois do início da aventura, os Langford quase conseguiram a proeza de visitar todas as unidades do grupo Fairmont. Em Julho deste ano, já tinham no currículo mais de cem e faltavam-lhes apenas seis hotéis: o Fairmont Nanjing (China) e cinco unidades da cadeia Swissôtel. Tudo parecia encaminhado para que a missão ficasse concluída antes do fim de 2016 e para que pudessem avançar com um livro sobre as suas viagens e os emblemáticos hotéis. Foi então que a notícia chegou: o grupo Fairmont fundiu-se com o grupo Accor. E, de repente, passaram de seis por conhecer para algumas centenas. "Da mesma forma que isso nos estragou os planos, abriu-nos o mundo", declara Doug Langford, que se recusa a deixar-se levar pelos contratempos. "De outra forma não teríamos vindo a Lisboa."

Com apenas um dia de passeio na bagagem, Doug não compreende por que Lisboa nunca tinha estado nos planos do casal antes. "Em todas as nossas viagens, apenas uma pessoa — portuguesa — nos aconselhou esta cidade", acrescenta Traci, mostrando-se surpresa por aquilo que já viu. "Para qualquer lado que se olha encontra-se uma preciosidade. Um prédio com quatro estilos arquitectónicos diferentes?! Onde mais se pode encontrar tal coisa?" Já a Doug encantam-lhe "os cheiros maravilhosos e uma sensação única - a vontade de voltar, de ficar". Numa coisa os dois concordam: "Lisboa deveria estar numa daquelas listas de cidades a não perder."

Contra os juízos
Da Indonésia à África do Sul, das Bermudas à China, do Azerbaijão à Turquia, do Dubai ao México... Ao longo de oito anos, Doug e Traci viajaram pelos cinco continentes, conhecendo mais países que conseguem enumerar de cor. As viagens, contam à Fugas, também os obrigaram a trabalhar melhor e a tornar o seu negócio mais eficiente. No início, ao fim de duas semanas fora, voltavam para o caos. Hoje, conseguem ausentar-se seis semanas (e até resolver inúmeros problemas à distância) e o regresso, apesar de haver sempre alguma coisa para solucionar, já não os deixa de cabelos em pé.

Todas as viagens, porém, têm o mesmo ponto de partida - primeiro escolhem o hotel, sempre de luxo (e até Julho deste ano com o selo Fairmont, Raffles ou Swissôtel); só depois disso tratado pensam no resto e no que os espera no destino. Talvez por isso, ao contrário da máxima que os guia nestas viagens — "para viver experiências, para participar mas nunca para julgar" —, sentem-se julgados demasiadas vezes. "Há quem diga que viajar e ficar a dormir em hotéis de luxo não é viajar", diz Traci. Mas isso, de acordo com o casal, não poderia estar mais longe da verdade. "Assim que chegamos a qualquer hotel pedimos para que nos levem onde estão as pessoas reais, a acção do dia-a-dia. A diferença é que se qualquer coisa correr mal temos sempre um lugar seguro para onde voltar." Há ainda quem ache que deveriam sentir-se mal pelo facto de viverem viagens de sonho e de luxo em destinos pobres. "O que as pessoas nem sequer imaginam é a riqueza que é levada para estes locais pela existência de viajantes como nós; os postos de trabalho que são criados e tantas outras coisas. Se nos sentimos mal com isto? Só a ideia é estranha."

Também há os amigos que, depois de anos a fio a julgá-los por trabalharem demasiado, agora os acusam de passarem o tempo todo a viajar. "O mais engraçado é que nunca conseguiram estabelecer a relação simples entre os dois factos: trabalhámos para ganhar dinheiro para que hoje possamos viajar", ri-se Doug, ao mesmo tempo que esclarece que não são patrocinados pelos hotéis, embora nestes sejam tratados como verdadeira realeza.

Traci vai mais longe e descreve a sua vida no Canadá como extremamente severa: não compra nada que não precise nem gasta dinheiro em nada de supérfluo. As economias, explica, vão para aquilo que lhe dá mais prazer: viajar, mas em segurança. "Não ando a viajar de mochila às costas, a ficar doente nem a correr riscos, mas isso não significa que não aproveite a viagem ao máximo", desabafa.

"Isto pode parecer insignificante quando se está numa cidade entre as mais seguras do mundo, mas pode fazer toda a diferença quando se está em Siem Reap, no Camboja, ou em Jacarta, na Indonésia, onde pode não ser assim tão seguro", remata Doug. Na opinião deste viajante "o alojamento é muitas vezes menosprezado, mas acaba por ser o mais importante de uma viagem". "E o dinheiro extra que se gasta acaba por ser o dinheiro que se poupa evitando dissabores tais como ver coisas desaparecer do quarto, encontrar bichos entre os lençóis, comer comida estragada... Tanta coisa que pode correr mal quando não se valoriza o alojamento."

Tanto Doug como Traci estão convencidos que esta rede de segurança que se pode encontrar num hotel de luxo pode vir a "convencer mais pessoas a viajar e viver o mundo". "Foi a viajar que nos tornámos o que somos hoje", revela Traci, confessando serem hoje pessoas totalmente diferente do que eram em 2008. "Antes de viajar, acredita-se em tudo: nas notícias, no que nos contam. Somos tão, mas tão ingénuos..." E exemplifica: "Estivemos agora no Egipto e não se passa nada de especial: o país é maravilhoso, as pessoas espantosas, a comida óptima. Mas o país está assinalado a vermelho; estão a aconselhar as pessoas a não viajar para lá. E as notícias estão a assustar as pessoas." Com tanto alarido e avisos aos viajantes em relação ao Egipto, confessam que apenas arriscaram a viagem por saberem com o que contar no hotel onde iriam ficar. E apenas indo compreenderam que aqueles avisos e as notícias que vêem não fazem qualquer sentido. "Quando se viaja compreende-se!"

A dançar pelo mundo
Viajar para Doug e Traci é ainda estar disponível. "Muita gente viaja para ver sem estar disposta a mudar. Mas se se conseguir sair da caixa, e se se estiver disponível a experimentar, então a viagem é muito mais do que visitar monumentos e sítios de interesse." Foi isso que lhes aconteceu na Índia, uma das viagens que mais os marcou.

Quando anunciaram o destino que se seguia, os amigos e familiares não acharam grande piada. "Toda a gente fazia aquela cara do 'Mas porquê ir à Índia?!'. Ouvimos de tudo: 'Só vão ver pobreza, sujidade'". Mas assim que chegaram à Índia foi tudo tão apaixonante, que não têm dúvidas: "Nós nunca tínhamos viajado até irmos à Índia. E já tínhamos ido a toda a parte." Do país não esquecem as pessoas deslumbrantes que, perceberam, têm tanto para oferecer. Sobretudo em talento. "E depois há que pensar", lembra Doug: "Se não viajarmos para estes destinos, estas pessoas não vão fazer dinheiro. E essa é a suprema ignorância: não ir por haver pobreza."

Além do mais, acrescenta Traci, quando se ultrapassam essas barreiras e preconceitos, depressa se percebe que as pessoas em qualquer parte do mundo são apenas isso: "Pessoas, com exactamente os mesmos desejos e vontade de ensinar, de dar a conhecer aos outros as suas paixões, o que os move ­— seja através da comida, da música, da dança". Doug não resiste em interromper: "O que eu já dancei por esse mundo fora. Nem sempre muito bem, posso acrescentar..."

Há ainda outra viagem que dificilmente lhes sairá da memória, mas esta de sabor agridoce. Foi quando Doug convenceu os pais, dois septuagenários com uma mentalidade demasiada austera para sequer comprar chá feito quando o podem fazer em casa, a viajar com o casal. Não foi fácil e acabou por ter de usar argumentos fortes, como a idade de ambos e a possibilidade de o fim estar ao virar da esquina sem que consigam aproveitar a vida. No fim, vitória: viajaram os quatro para África do Sul, para fazer um safari, um dos sonhos da mãe de Doug, fascinada por girafas e por aves. "E foi lindo vê-los a aprender a aceitar. Porque antes de viajarem connosco os pais do Doug simplesmente não conseguiam aceitar nada de ninguém. E a verdade é que é necessária uma certa dose de generosidade para que consigamos aceitar os que os outros têm para nos oferecer: seja um chá, um café ou uma lição de vida." O regresso, porém, teve um sabor bem amargo: "Quando voltámos ao Canadá, foi diagnosticado cancro à mãe do Doug..."

Depois de já ter visto um pouco de tudo e feito um mundo de coisas, Doug e Traci Langford concluem que quanto mais conhecem mais compreendem que ainda não viram nada. Mas, para já, a próxima viagem é de volta a casa, onde os aguarda uma jovem chihuahua, a Precious, da qual não hesitam em mostrar fotografias. Para o ano, haverá mais destinos a conhecer e mais hotéis a explorar. Pela ordem inversa, naturalmente. Uma coisa é certa: Lisboa deverá ser um destino a regressar no futuro.

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