"Se se levantarem já conseguem ver a Aldeia da Pena lá em baixo, à vossa esquerda", indica Vítor Figueiredo, presidente da autarquia de São Pedro do Sul. Aninhado no ventre de um vale profundo da serra de São Macário, surge um minúsculo casario de xisto e telhados de ardósia por entre o verde. O assombro da paisagem dura segundos. A seguir o olhar recai sobre a estrada íngreme que serpenteia até lá em baixo e o autocarro de 50 lugares suspende a respiração entre gargalhadas nervosas. "Já ouviram a história do morto que matou o vivo?"
Conta a lenda que o incidente aconteceu nesta estrada estreita que descemos em curvas, muito antes de ser alcatroada (em 1976). Como não existia cemitério na aldeia, o caixão teve de ser carregado em braços caminho acima. Quando um dos homens escorregou, o caixão caiu-lhe em cima, matando-o. "Deve ter sido por isso que depois fizeram aqui um cemitério. Agora até temos dois", conta pouco depois António Arouca, 74 anos, um dos seis habitantes da aldeia.
A Aldeia da Pena, localizada no concelho de São Pedro do Sul, foi uma das mais de 300 aldeias do país candidatas ao concurso 7 Maravilhas de Portugal e a escolhida para receber o anúncio das 49 pré-finalistas, reveladas esta sexta-feira. Seria maldade receber a cerimónia e não ser uma das escolhidas, por isso foi sem surpresas que o nome da Aldeia da Pena se ouviu entre as sete mais votadas pelo painel de especialistas na categoria Aldeias Remotas, figurando entre as 49 localidades que avançam no concurso. São Pedro do Sul foi um dos seis concelhos no país com duas aldeias a passar à fase seguinte: Manhouce é uma das sete candidatas na categoria Aldeias Rurais.
As ruelas de chão empedrado da Aldeia da Pena parecem encolher-se ainda mais sobre a encosta ao ver chegar tanta gente. Jornalistas, membros da organização e do Governo (marcaram presença o ministro da Agricultura, Luís Capoulas Santos, e o secretário de Estado das Florestas e do Desenvolvimento Rural, Amândio Torres), representantes de entidades e empresas parceiras, membros do painel de especialistas da região e do comité científico.
A minúscula aldeia foi invadida por um mar de gente que se acotovela pelas três vielas que a compõem. Os seis residentes não têm mãos a medir. António Arouca guia-nos por lendas e ruas, e a mulher, Augusta, recebe quem entra na loja-museu do casal, enquanto termina um bordado. "Isto é o nosso entretém." Tudo o que aqui se vende foi produzido pelo casal: bordados, artesanato e velas feita a partir da cera das abelhas. "O mel acabou-se pelo Natal e agora só em Julho", conta António. Já Alfredo Brito, Ana e as duas filhas, Mariana (16 anos) e Margarida (nove anos), andam numa roda viva entre o café-restaurante e o pátio onde vão servir o almoço. Pelos campos pastam cabras, vacas, cavalos, um pónei.
A Aldeia da Pena foi escolhida para o anúncio por o número de habitantes coincidir com o conceito das sete maravilhas, mas Deolinda já cá não passa a maioria dos dias. Nos anos de 1960, conta António, moravam aqui "pelo menos umas 50 pessoas". As duas famílias que aqui residem partilham a mesma história de regresso. Augusta e Ana cresceram na aldeia em gerações diferentes, foram fazer vida para Lisboa e nos anos 1990 voltaram com as famílias. As restantes casas, a maioria recuperada recentemente com o apoio da autarquia, são segunda habitação de antigos habitantes ou descendentes. E há gente com planos para transformar dois dos edifícios em unidades de turismo rural, conta o autarca de São Pedro do Sul.