O primeiro dia - o prólogo, uma novidade - teve apenas 94 quilómetros, sempre no concelho de Vila Pouca de Aguiar. Mas a última centena de metros é que obrigou realmente os mais de 1600 inscritos no 19.º Portugal decLés-a-lés, um dos maiores eventos de mototurismo da Europa, a puxarem pelo físico.
Numa edição que já era de recordes, em termos de participantes, de distância (mais de mil quilómetros, ente Vila Pouca de Aguiar e Faro) e duração (agora quatro dias), a organização do 19.º Lés-a-lés, a Federação de Motociclismo de Portugal (FMP), quis inscrever outro máximo: um bloco de granito com mais de 12 toneladas, a mais pesada das pedras alguma vez utilizada num “arrastão” de Vila Pouca de Aguiar. Quem queria chegar ao fim do 19.º Portugal de Lés-a-lés com um certificado de ter cumprido todas as etapas teve que ajudar a cumprir esta tradição de Vila Pouca de Aguiar – uma tradição dita milenar, mas que só há cinco anos ganhou regularidade, como ponto alto da Feira do Granito, a grande festa do concelho que se intitula a Capital do Granito. E ao ver as pedreiras na estrada, a indústria a laborar e os camiões em movimento, além das encostas cheias de blocos graníticos depositados numa espécie de avalanche petrificada, toda a gente acredita.
Já sobre o recorde do bloco de granito, ontem ouviam-se alguns habitantes locais a comentar que em todos os arrastões se diz que é a pedra mais pesada de sempre… E que o número de gente a puxar nunca pode variar muito: “As cordas usadas para puxar a pedra são sempre as mesmas, não cabem lá mais mãos”, dizia um idoso, a piscar o olho. E logo outro relativizava também: “Com tanta gente, é claro que é fácil arrastar a pedra. Só o início é que custa!”
Referia-se à inércia. Algo que não se sentiu neste primeiro dia do evento, com a maior maratona de Mototurismo da Europa, como lhe chama a FMP, a revelar uma vivacidade surpreendente atendendo ao calor, às vezes muito acima dos 30º, que a caravana enfrentou.
É uma caravana com uma dezena de nacionalidades – algumas tão surpreendentes quanto as neozelandesa ou australiana, dos antípodas – e suficientemente heterogénea para incluir motards com mais de 70 anos. As mulheres é que são francamente minoritárias e na maior parte das vezes vão como pendura.
O primeiro dia do prólogo passou-se a subir ao castelo de Vila Pouca de Aguiar, a descer ao enorme espelho de água da lagoa do Alvão, com as motos a cruzarem margens por passadiços de madeira, algo que não acontece todos os dias, e a visitarem o Alvão Village & Camping, com as suas torres à entrada a fazer lembrar os campos romanos que cercavam a aldeia de Astérix, e as suas casas castrejas, cobertas de colmo – num dia em que, valha a verdade, apetecia ar condicionado ou pelo menos um banho na lagoa do Alvão.
Umas das vantagens de andar de mota, que os automobilistas não compreenderão, é perceber tão bem a variedade de cheiros que às vezes se sucedem em curtas distâncias. Quarta-feira foi um bom dia para nos lembrarmos que Portugal ainda não é só pinho e eucalipto e tem uma floresta autóctone que já quase parece estranha a este lugar. Foi um bom dia para matar saudade de diferentes tipos de carvalho, para ver talhões de pequenos muretes de pedra com cheiro a feno e a hortelã.
A propósito de carvalhos, o 19.º Lés-a-lés estacionou à volta do (centenário, milenar?) castanheiro de Vales, que continua a dar castanhas e em cujo enorme tronco (14,4 metros de diâmetro) parcialmente oco, cabe um homem – que no caso estava a vender cocktails aos participantes.
Mas o Lés-a-lés não é só bucolismo e o primeiro dia já deu para passar por estradas diferentes, com alguns desníveis e ganchos que não cabem nas cidades.
Como não cabem as eco houses e tree houses que já disputam o protagonismo ao casino e à fonte de águas termais no Parque das Pedras Salgadas, pelo espaço que ocupam, pela forma como nele se expressam, pelos materiais que utilizam, numa simbiose tão perfeita com a natureza do parque que às vezes só damos por elas quando estamos a poucos metros.
Um longe que verdadeiramente se faz perto, numa descida quase a pique pela calçada, é o caminho do Santuário da Senhora da Conceição para o centro de Vila Pouca de Aguiar. Que, vista daqui, já parece uma cascata de São João.