Fugas - notícias

  • DR/Parts Unknown
  • Nelson Garrido
  • Nelson Garrido
  • Nelson Garrido
  • Paulo Pimenta

Viva o porco, perdão, o Porto

Por Luísa Pinto

No próximo domingo vai para o ar na CNN o programa de Anthony Bourdain sobre o Porto. Online, já se antecipa muito do que se poderá ver: há todo um elogio à cidade, que está "ainda mais bonita do que há 12 anos", há saltos para o rio, há passeios, há vinho, há francesinhas. E, claro, as inevitáveis tripas.

Atenção senhoras e senhores, que aqui se vai falar de porco. Perdão, do Porto. É inevitável. Anthony Bourdain não consegue dissociar a geografia do Norte de Portugal daquela que foi uma das suas mais definitivas experiências na área da gastronomia – e que se tornou mais definitiva ainda por, na verdade, traduzir o momento em que deu os seus primeiros passos enquanto estrela de um programa televisivo. Por isso, na apresentação ao programa sobre o Porto que vai ser transmitido no próximo domingo, dia 2, na CNN, lá vem o aviso: “Os portugueses gostam de porco. Gostam muito."

Mas, na verdade, não se vai falar só de portugueses – embora também se fale de fado, e de bolo de laranja, e de croissants, e haja até uma tentativa de explicar o que é a saudade. Nem se vai falar só de porco – embora haja um guia sobre onde e como comê-lo em Portugal, e haja as inevitáveis receitas das tripas à moda do Porto e das francesinhas. O tema é o Porto, “a cidade à beira-mar”, que pareceu ao apresentador “ainda mais bonita do que da última vez”.

Nas vésperas de ser transmitido o episódio sobre o Porto do programa "Anthony Bourdain Parts Unknown", o website do programa do autor, que é feito em parceria com a editora Roads & Kingdoms, já tem publicado vários teasers sobre o que vai ser possível apreciar no próximo domingo e ainda mais textos com várias sugestões, e explicações, de tudo o que consideram ser importante conhecer na cidade.

É nas "Notas de Campo" assinadas pelo próprio Bourdain que este volta a evocar a “experiência verdadeiramente perturbadora” que teve há uma dúzia de anos, em Cabeceiras de Basto, na quinta de José de Meirelles, o seu antigo patrão no restaurante nova-iorquino les Halles. Foi quando assistiu a uma matança do porco pela primeira vez. Sabemos, agora, que participou muitas mais vezes depois dessa (no Bornéu malaio, por exemplo), mas, lá está, a primeira vez nunca se esquece, e Bourdain mantém-se firme nos seus propósitos televisivos, e no que gosta de fazer nos seus programas: “Mostrar como as pessoas vivem. Como as pessoas comem. E de onde lhes vem a comida”, escreve. “Às vezes não é uma imagem bonita”, admite, para logo a seguir mostrar a pouca paciência que tem com a guerra que lhes fazem os activistas que o acusam de promover a violência sobre os animais. “Só um monstro é que gosta de violência."

Feito o preâmbulo, está, então, chegada a hora de falar de Portugal, (“um país muito antigo e muito bonito”), do Porto (que, "parece-me, está ainda mais bonito do que da ultima vez”) e do porco: “Devemos conhecer o passado -  e o presente - antes de nos atrevermos a julgar. Se continuamos a escolher comer carne depois de sabermos de onde é que ela vem e o que é que ela envolve? Cabe a cada um de nós julgar”,  escreve Bourdain.

Ele próprio, bem o sabemos, já se decidiu há muito. Escolheu continuar a comê-la, mesmo depois de descobrir, naquele “lugar nos arredores do Porto”, que se podia olhar a comida nos olhos. Na cidade do Porto propriamente dita, e 12 anos depois, escolheu, também, não deixar nada de fora – nem mesmo rever os velhos amigos, como o mesmo José de Meirelles que o apresentou ao porco, e que agora está com Bourdain a partilhar um prato de tripas à moda do Porto no restaurante A Cozinha do Martinho. Bourdain fez um festim à carne (ainda provou as francesinhas no café O Afonso, e promete mostrar, literalmente, como é que as salsichas são feitas), avançou com um elogio ao peixe e ao marisco (andou por Matosinhos, e na Esplanada Marisqueira A Antiga admitiu que o caranguejo que lhe puseram à frente lhe pareceu tão misterioso como um cubo de Rubik, que nunca sabe como começar) e, desta vez, nem se desviou do vinho.

É ele quem diz que “normalmente” nunca faz nada nos seus programas sobre vinho, e revela não ter paciência para “os cromos do vinho”, que normalmente o chateiam:” “Não me falem do raio do vosso vinho, bebam-no”, argumenta. Mas depois lá admite que vale a pena falar de vinho, numa mesa colocada na  Adega da Real Companhia Velha, onde está sentado com o guia turístico André Apolinário, a comer queijo e a beber um cálice de Porto: “Adoro queijo servido com um copo de Porto" - sobretudo quando pela frente tem um queijo que “cheira a chulé, mas sabe ao céu”. Ou dito de outra maneira: "Ao contrário do vinho, a poronografia do queijo é fácil, tão fácil como a verdadeira pornografia."

Anthony Bourdain continua, pois, desbocado.  E a gostar de bons tascos, onde a comida é servida atrás de um balcão e se dispensam facas e garfos. Acompanhados das donas do restaurante a Taberna do Largo,  Sofia Príncipe e Joana Conde, Bourdain rendeu-se aos cachorros do Gazela, um espaço que está em vias de ser remodelado, junto ao Teatro Nacional de São João, onde o apresentador norte-americano mostrou não acreditar em tudo o que lhe dizem: os cachorros são deliciosos, sim. Saudáveis é que talvez nem por isso.

“Uma refeição aqui – genericamente falando -  de qualquer maneira nunca é muito leve. Os portugueses gosto de porco. Gostam muito de porco”, diz Bourdain no seu programa. E voltando ao porco, outra vez, será melhor agora dar a palavra aos autores que colaboraram com a Roads & Kingdoms para ajudar os internautas a viajar pelo Porto “à maneira de Bourdain”, e a dar explicações mais detalhadas (que dificilmente cabem num programa de televisão) sobre as coisas que por lá ele andou a fazer e a conhecer.

A jornalista Vanessa Rodrigues descreveu “o dia perfeito no Porto”, em que nenhuma atracção turística da Baixa do Porto ficou de fora (Bolhão, Santa Catarina, Majestic, Lello,  Palácio da Bolsa, Caves do Vinho do Porto, Muralha Fernandina, Estação de São Bento, etc., etc., etc.), desenhou um guia sobre como comer porco em Portugal (tendo como ponto de partida o Museu do Bísaro), avançou com uma receita de tripas à moda do Porto e deixou ainda uma série de sugestões onde comer um bom marisco e um bom peixe.

As fotografias de todos estes trabalhos têm o dedo do fotógrafo portuense António Pedrosa, que assina ainda mais dois portefólios: um sobre a pesca e o pescado, as conservas e os mercados, com uma viagem no barco de Abrãao Miguel, e ainda deambulações no mercado de Matosinhos e na fábrica de conservas Pinhais. O segundo portefólio, sugerido pelo próprio fotógrafo, retrata “os meninos do rio” e os saltos para o Douro das crianças da Ribeira. A jornalista Inês Matos Andrade escreveu uma carta de amor à francesinha e deixou a sua receita pessoal da mais famosa iguaria portuense, e o blogger Nelson Carvalheiro fez o exercício de explicar as várias formas do vinho do Porto.

É Jose de Meirelles, o homem que apresentou o porco a Bourdain, quem lhe explica como é que são conhecidos os nativos da cidade do porto: tripeiros. “Quinta-feira é o dia de comer tripas porque, num pais predominantemente católico, muitas pessoas não comem carne à sexta feira”, lê-se no website de Anthony Bourdain. Está explicado por que é que todo este conjunto de trabalhos foi publicado agora, quatro dias antes do episódio ir para o ar. Hoje é quinta-feira. É dia de ir às tripas. 

--%>