Fugas - Viagens

Shanghai Pacific Institute for International Strategy/Reuters

Xangai, uma mutação urbana

Por Luís Villalobos

Passada a Expo, redescobre-se a vida de Xangai. Perfil de uma cidade com perto de 20 milhões de habitantes e que tem ainda espaço para crescer. Aqui, o céu é mesmo o limite

A Expo de Xangai, em 2010, trouxe à cidade mais notoriedade e prestígio. Provavelmente, perderá parte do investimento que fez com o evento, mas ganhará algo muito mais valioso: espaço territorial.

Depois de terem sido demolidas, com alguma polémica, as diversas pequenas fábricas e habitações que marcavam presença nesta zona da cidade, Xangai pode continuar o seu ritmo acelerado de expansão. 

O compasso frenético de construção verifica-se tanto em extensão como em altura, com a cidade em constante transformação, seja através de novos edifícios, alguns dos quais estão entre os maiores do mundo, de novas estradas, pontes, túneis ou viadutos. Os 5,3 quilómetros quadrados da Expo de 2010, a maior de sempre em área, vão tornar-se, obviamente, na nova zona de crescimento desta metrópole que alberga já cerca de 20 milhões de habitantes. 

Marcada pelo rio Huangpu, cujas águas são frequentadas tanto por cargueiros como por barcos de turismo, Xangai é essencial para perceber a China. Apesar de ter um porto estrategicamente bem colocado, a sua história foi mais ou menos apagada durante muitos séculos, até que, em 1842, com o fim da primeira guerra do ópio, se tornou uma porta de entrada do Ocidente neste país. 

Foi por aqui que chegaram à China os primeiros automóveis, a electricidade ou o cinema. Foi também por essa altura que ganhou a alcunha de "prostituta do oriente", já que o ópio e oportunidades exóticas de negócio chamavam de tudo um pouco à cidade. Em 1934 era já a quinta cidade com mais habitantes no mundo. Depois, veio a ocupação japonesa e a implementação do regime comunista, e a cidade adormeceu. 

Não obstante ter sido palco da primeira reunião do partido comunista chinês, em 1921, Xangai teve de esperar até ao final da década de 90 do século passado para retomar o seu ímpeto de crescimento. Foi nessa altura que ganhou autonomia administrativa e a área de Pudong passou a usufruir das vantagens de ser considerada uma zona económica especial. E foi o palco por excelência para levar à prática a teoria de "um país, dois sistemas". O governo central quer fazer de Xangai um centro financeiro que rivalize não só com Hong-Kong, mas também com Nova Iorque e Londres. Os arrozais da área de Pudong deram origem a prédios e mais prédios, estradas e mais estradas, viadutos e mais viadutos. Negócios como o imobiliário têm dado milhões a alguns, que tratam de gastar parte do seu lucro em megalojas de marcas de luxo como a Cartier. 

A verdade é que todo este crescimento, pela sua rapidez e intensidade, tem também o seu lado negativo. Os preços do imobiliário teimam em subir, e apesar de um habitante local afirmar que aqui não se sente a crise, é sabido que há uma bolha imobiliária a crescer na China. E entre as vítimas não humanas desta tendência estão as construções mais antigas, como os edifícios de dois andares, correndo-se o risco de perder a ligação com o passado. 

Depois, há o excesso de população, com os néons dos edifícios, promessas de melhores ordenados e as histórias de criação de riqueza a atrair milhões das zonas rurais para o bulício da metrópole. O fenómeno é palpável nas multidões que se deslocam nas ruas mais comerciais, e onde o conceito de indivíduo se dilui. 

A prosperidade urbana de Xangai traz consigo questões para resolver, como a poluição, causada tanto pelas indústrias como pelo boom do parque automóvel (que os próprios condutores parecem ter dificuldades em controlar) e visível dos pontos mais elevados da cidade. E se Xangai se apresenta com um ritmo de crescimento que se pode tornar inebriante, a verdade é que se fica com a sensação de que parece estar a ser construída por decreto, não pelos seus próprios habitantes. Talvez porque não se sente, seja nas ruas, bares ou restaurantes desta nova Xangai, o ritmo de vivacidade, de inovação e criação artística (ou seja, uma "alma") presente em outras grandes metrópoles. 

Se calhar, esta foi a forma de a cidade conseguir retomar o tempo que considerou perdido, dando primazia às infra-estruturas para então deixar florescer o seu recheio. Mas também não podemos esquecer - embora isso tenha acontecido durante a visita a Xangai - que estamos na China, habituada a ser gerida de forma autoritária. 

O certo é que, com todas as suas virtudes e defeitos, Xangai, que já foi conhecida como o local para onde iam os que tinham algo a esconder, é hoje uma metrópole para onde viajam os que querem conhecer uma cidade que está em constante mutação, e a um ritmo que a torna única em todo o planeta. 

A chinatown de Xangai 

Pode-se dizer que há uma chinatown dentro desta cidade chinesa. Conhecida como "a cidade velha" (ou, para os locais "Nán Shì"), mostra uns edifícios resistentes ao crescimento urbano, a maioria dos quais datados de meados do século XIX. 

Neste bairro há um frenesim de pessoas e de comércio, vendendo-se de tudo um pouco, desde quinquilharia até produtos farmacêuticos (o exemplo mais caricato para um ocidental é o de lagartos secos em sal e espetados num pau, tal como um chupa-chupa). Aqui encontram-se, numa enorme concentração de lojas, músicas e filmes chineses, cadernos com o rosto de Mao (figura pouco divulgada hoje em dia), artesanato local e muitas imitações ou simplesmente produtos baratos, o que não impede que se tente regatear. 

Também há roupa feita e vendida por lojas locais, o que não deixa de ser interessante para quem tem a imagem de uma cidade que ou imita marcas estrangeiras ou vende produtos internacionais de luxo a preços exorbitantes. Uma particularidade desta zona é que é frequentada tanto por turistas como por locais, o que funciona como uma espécie de selo de veracidade. 

O local mais tranquilizador da cidade velha é o dos jardins Yuyuan, que conseguem funcionar como tampão ao ruído, não obstante a quantidade de visitantes. Fundados na segunda metade do século XVI pela família Pan, que trabalhava para a Dinastia Ming, os jardins demoraram 18 anos a serem construídos. Os pontos de repouso feitos com pedras e madeira, os lagos com peixes, a vegetação, composta por árvores como magnólias e pinheiros e diversas flores, as zonas típicas de habitação e trabalho, com degraus altos de modo a deixar os espíritos malignos no exterior, tudo parece ter sido feito de forma equilibrada. 

Sendo uma cidade onde a segurança não é um problema, daqui pode-se dar um passeio pelos arredores, espreitando ruas e becos que dão um vislumbre do que será a cidade real, ou seja, daquela Xangai onde nem tudo é luz e promete crescimento e riqueza. Da cidade com ruas transversais sem bulício onde duas crianças brincam no passeio, alheias aos homens que se concentram a jogar uma espécie de damas. 

Regresso ao passado 

A verdade é que, para se tentar perceber como era Xangai antes do século XIX, é necessário sair da cidade e fazer uma viagem, de metro ou de táxi, até Qibao, nos arredores. Os dois meios de transporte (os melhores para deslocações) demoram quase o mesmo tempo, mas o metro é substancialmente mais barato. Qibao está hoje assimilada à grande Xangai, mas surgiu por volta do século X, e ficou conhecida pelos seus artigos de vestuário, carpintaria e vinho. Edificada à beira de dois rios, tinha o transporte facilitado, e ainda hoje as pontes e a água são a sua imagem de marca.

Reabilitada em 2000, Qibao mantém os seus encantos, e a maior parte dos que por aqui circulam são chineses, que se movem em verdadeiras ondas humanas pelas ruas estreitas da parte mais antiga da localidade. No posto de turismo pode-se comprar um bilhete único que dá acesso aos pontos turísticos, como a torre do sino, o Museu do Teatro das Sombras ou a Casa dos Grilos. O ideal, no entanto, é mesmo andar às voltas pela parte antiga, entrando nas lojas (algumas das quais têm sinais a avisar que não é permitido regatear) ou pura e simplesmente vaguear por umas horas. 

De volta ao centro da cidade, um dos pontos obrigatórios de paragem é o Museu de Xangai, na praça do povo. A entrada é gratuita, mas é obrigatório deixar o isqueiro à porta e passar a mochila por um raio-x. Regras de segurança que, no caso da verificação electrónica, se estende ao metropolitano e a alguns hotéis.

Depois, demora-se no mínimo três horas para visitar o museu, isto se se estiver com pressa. Caso seja necessário, opta-se por uma selecção de salas, todas elas temáticas, sendo as mais interessantes a zona dos bronzes, a da cerâmica (imperdível pelo conhecimento do ponto de viragem para a arte nobre da porcelana), a da numismática (com alguns exemplares notáveis das primeiras moedas e de verdadeiras preciosidades da antiga rota da seda), a das obras de jade e a da pintura e caligrafia. São milhares de anos concentrados em poucos metros quadrados, permitindo um olhar sobre a história chinesa que dificilmente se encontrará noutro local. Daqui, aproveitando o sentimento de tranquilidade do parque que enquadra o museu, parte-se para uma zona mais periférica, em busca do templo do Buda de Jade. Datado do final do século XIX, este é um dos poucos templos budistas activos na cidade.

Com sorte, apanha-se uma altura do dia em que os monges e os devotos se concentram para o momento das orações, preenchendo o ar com um som algo hipnotizante que faz companhia ao odor do incenso. Aqui presta-se homenagem aos budas do passado, do presente e do futuro, sobre o olhar vigilante das estátuas, como uma do próprio buda, que, com os seus quase dois metros e feita de jade (embora esbranquiçado), dá o nome ao templo. 

No reino das imitações 


De regresso à zona central da cidade, é tempo de percorrer o Bund e a zona pedonal que acompanha o leito do rio. Diz-se, e acredita-se, que ao início das manhãs diversas pessoas se reúnem neste local para praticar a arte do taichi, de costas para as marcas arquitectónicas deixadas pelos países ocidentais no início do século passado. Edifícios como o do Hong-Kong & Shanghai Banking Corporation, construído em 1923, mostram que, há quase cem anos, era aqui que batia o coração financeiro da cidade, impressionando quem chegava pelo rio acima. Para quem goste de compras, o passeio prossegue pela rua de Nanjing, coberta de lojas e repleta de curiosos e clientes.

Se o interesse, sociológico ou económico, está focado nas falsificações, o ideal é mesmo ir a um centro comercial que se situa perto do cruzamento da Nanjing com a Guangxi. São quatro pisos cheios de lojas onde se vende, sem qualquer tipo de pejo além de não estarem em plena rua, imitações de produtos de marcas como a Apple (o iPad era apregoado mesmo antes de estar à venda nos canais oficiais), YSL, Rolex, Ferragamo, Channel, Versage ou Miu Miu (para dar apenas alguns exemplos).

A verdade é que há diversos casos onde é difícil perceber qual a diferença face ao original, embora o preço, muito inferior, sirva como certeza final para quem tivesse alguma dúvida de que se está perante uma imitação. Independentemente deste facto, há quem saia daqui com dezenas de artigos, incluindo uma mala nova para os transportar, e deve ser rara a pessoa que deixa este centro comercial de mãos a abanar. 

O topo da metrópole 

Quando os ocidentais foram admitidos na cidade, houve países que ficaram com zonas do território para se instalarem. Hoje o bairro francês (ou "concessão francesa") tornou-se numa das zonas predilectas, e mais caras, da cidade. As ruas (como a Huaihai) e os seus becos estão tal como eram no século XIX, embora hoje sejam ocupadas com lojas, bares e restaurantes. Esta é considerada a zona mais fashion da cidade, a par da área de Pudong junto ao rio, tida como o futuro de Xangai. É para aqui que convergem os olhares dos locais, dos turistas e dos próprios visitantes chineses, que, em excursões, combinam uma visita à Expo com o vislumbre de arranha-céus como a torre Jinmao e o Shanghai World Financial Center.

Este último, que no interior dos seus 492 metros de altura alberga escritórios, um centro comercial, um hotel e um observatório, esteve para ser o edifício mais alto do mundo. Não foi a tempo de ganhar o primeiro lugar, mas está certamente entre os lugares cimeiros. A maneira mais eficaz de contornar as multidões é evitar o observatório e ir directamente para o lobby do hotel, no 87.º andar, onde se pode comer uma refeição ou simplesmente tomar um chá ao lado de uma janela que parece estar logo abaixo das nuvens. À noite, é possível subir ainda um pouco mais, para o 91.º andar, onde se situa o 100 Century Avenue, o bar mais alto do mundo. Vista daqui, a cidade de Xangai parece imparável. 
 

Como ir
A Air China voa de Lisboa para Xangai com escala em Milão. Tarifas a partir dos 1150 euros com taxas já incluídas. A Air China parte também do Porto para Xangai, com preços a partir dos 1400 euros e escala em Madrid e Pequim.
 

Onde ficar

#Peace Hotel
O mais antigo de Xangai e um dos mais emblemáticos do mundo. Fica mesmo à beira-rio, na parte antiga da cidade, junto ao The Bund. Duplo a partir de 220 euros. www.peacehotel.com.cn

#Park Hyatt Shanghai
Com quartos a partir dos 250 euros, o hotel ocupa as áreas entre o 79.º e o 93.º andar da torre do Shanghai World Financial Center, o maior edifício da cidade. Está localizado na Lujiazui, zona de Pudong. http://shanghai.park.hyatt.com

Onde comer

#M on the Bund
Do conceituado chefe Michelle Garnaut, é considerado um dos melhores restaurantes da China. Mistura cozinha oriental com ocidental, tem um ambiente sofisticado e um terraço com uma vista magnífica sobre os arranhacéus de Pudong. Preço médio por refeição: 60 euros.

#Restaurante do Park Hyatt Shanghai
No 91.º andar do Shanghai World Financial Center, no Pudong.

#T8
Um restaurante e bar na rua Tai Cang, bem no coração de uma das zonas mais nobres e vibrantes da cidade, a “concessão francesa”. www.t8-shangai.com

#Jadeon36
Um restaurante e bar no Hotel Shangri-lá, com uma bela vista sobre o rio e a zona do Bund. Rua Fu Cheng Lu, 33, na área do Pudong. www.shangri-la.com

Expo Xangai 2010
Morada: Fica em Pudong, na margem do rio Huangpu entre a ponte Nanpu e a ponte Lupu
www.expo2010.cn
Como chegar: A melhor forma é de metro. Foi construída uma linha especial que tem apenas 3 estações e parte do centro da cidade, directamente para a Expo. É a linha cor-de-rosa que vai de Madang Road até Shibo Avenue, já dentro do parque de exposições.
 

Luís Villalobos viajou a convite da EDP

--%>