Fugas - Viagens

Luís Maio

Continuação: página 2 de 4

Nas Caraíbas há vida além da praia

Como no Sul de Espanha

Primeira cidade do Novo Mundo - fundada por Bartolomeu, irmão de Colombo, em 1496 -, Santo Domingo foi o eixo da colonização durante um século, ou até ao momento em que os espanhóis passaram a explorar as riquezas continentais, preferindo escoar as mercadorias através de Cartagena e de Cuba. 

Desde então, Santo Domingo foi invadida por várias potências, inclusive depois de ganhar a independência, em 1844, mas não voltou a conhecer o mesmo esplendor, passando a maior parte do século XX sob a opressiva ditadura de Trujillo. O reverso da medalha foi uma certa letargia que se enraizou na capital dominicana, permitindo a conservação de um bom número de edifícios datados dos inícios da colonização.

O Forte Ozama começou a ser construído em 1502 e tem por elemento mais proeminente uma Torre de Menagem de factura medieval, que oferece vistas a 360 graus sobre a cidade e a foz do rio que lhe dá nome. Duas centenas de metros para norte, na mesma margem ocidental do rio, encontra-se o Alcazar de Colón, elegante palácio a meio caminho entre o mudéjar e o veneziano, que serviu de residência a Diego, filho de Colombo e governador da colónia a partir de 1509. 

Foi também Diego quem colocou a primeira pedra na Catedral Primada da América, construída em estilo gótico-renascentista e completada em 1540. A meio caminho, um pouco recuada em relação ao alinhamento do forte e do palácio, a catedral surge como terceiro vértice do triângulo do poder da época. São o forte mais antigo, o palácio mais antigo, a catedral mais antiga - em resumo, os primeiros baluartes da colonização espanhola das Américas. 

Parte substancial da muralha original ainda se mantém de pé, delimitando a Cidade Colonial no seu perímetro cerca de trezentos edifícios estão classificados e inscritos no património da UNESCO. É um conjunto pitoresco, que comunga de uma certa poesia singela, mas mesmo os edifícios mais nobres estão longe de serem espectaculares. Não estão seguramente à altura das realizações monumentais que noutros lados assinalaram a expansão espanhola. Essa é a sua limitação, mas também a sua originalidade. 

Em Santo Domingo não há jóias barrocas, nem o tipo de obras sincréticas que fizeram o esplendor da arquitectura do Novo Mundo. Tudo, dos palácios às igrejas, passando pelo casario popular, é igual ao de uma cidade de província do Sul de Espanha, parada algures num passado glorioso. E isto, nas Américas, não acontece em mais parte alguma. Claro que não é património histórico para encher a vista. Mas é mesmo assim impressionante visitar a primeira cidade espanhola do Novo Mundo como se pouco ou nada se tivesse passado na paisagem urbana desde essa altura. 

Farol a Colón em destaque: Um mundo de coisas estranhas

A moderação será a faceta dominante, mas não é a única de Santo Domingo. Basta atravessar o rio Ozama e entrar no Parque Mirador Este - a grande mancha verde que domina a zona oriental do perímetro urbano -, para mergulhar num mundo de coisas estranhas. O destaque cabe naturalmente ao Farol a Colón, porventura o monumento mais insólito do outro lado do Atlântico, digno de qualquer top universal de arquitectura esquisita. 

Tudo nele é invulgar, a começar pelos acidentes de percurso: idealizado em 1852, só começou a ser construído em 1986, mas segundo o projecto aprovado em 1929, da autoria do inglês JL Gleave. Acabou por ser inaugurado a 6 de Outubro de 1992, para celebrar o Quinto Centenário do Encontro de Duas Cultura, numa cerimónia que contou com a presença do Papa João Paulo II e culminou na trasladação para esta nova morada dos restos mortais de Cristóvão Colombo. Acontece que, em 2006, um grupo de cientistas provou que (pelo menos) parte substancial dos restos do navegador repousam na Catedral de Sevilha, ao que o director do Farol respondeu que era católico e que, portanto, se recusava a submeter os "seus" ossos a testes de ADN. 

Se se provar que a última morada de Colombo é noutro lado, o memorial será uma formidável celebração da futilidade. Assim mesmo não deixa de ser impressionante: um colosso de betão cinzento em forma de cruz de 211 por 60 metros, que parece ter caído como uma bomba, arrasando tudo à sua volta num diâmetro de vários quilómetros. O símbolo da cruz também "decora" as paredes do mausoléu e, mais notável ainda, projecta-se no céu e é visível a 70 quilómetros, inclusive em Porto Rico. 

O mais estranho nem sequer é isso, mas a circunstância de o edifício ter a forma bastante óbvia de um caixão. O que remete para todo o sangue e sofrimento que os conquistadores católicos disseminaram à sua passagem, quando o memorial deveria invocar o sentido evangélico da colonização. Uma ironia suplementar encontra-se no interior, sob a forma de toscos painéis, estilo escola secundária, alusivos aos Descobrimentos portugueses, certificando a participação nacional como uma das mais pobres no museu do mundo que preenche todo o piso térreo do Farol. 

Também invulgar em cenário urbano, mas certamente mais consensual, é a enorme gruta que se encontra meia dúzia de quilómetros mais à frente, no mesmo Parque Mirador Este. A gruta em forma de arco foi produzida por uma derrocada há milhares de anos, deixando a céu aberto uma teia de grutas subterrâneas mais pequenas. Foram entretanto cobertas de água, sobretudo proveniente de cursos de água interiores, justificando a designação de Gruta dos Três Olhos. 

A longa escadaria esculpida na parede da rocha desemboca na Lagoa do Enxofre, que exibe águas de um azul transparente. Do lago oposto fica a Lagoa das Senhoras, onde supostamente elas iam a banhos noutros tempos. Mas a maior atracção do conjunto é o Frigorífico, lagoa de águas frias que exibe um formidável conjunto de estalactites e estalagmites e tem uma espécie de anexo coberto de exuberantes mangais, a que só se acede de jangada de madeira.

--%>