É junto à praia da Murtinheira, no final do extenso campo dunar que se estende por mais de cinco dezenas de quilómetros, desde a Barra de Aveiro até Quiaios, que tem início este passeio marcado pelas pegadas dos antigos sáurios e pelos restos fossilizados de muitos outros seres marinhos que aqui habitaram em épocas muito remotas.
Enquanto os pés se vão despedindo do areal, os olhos deixam o nível do mar e entretêmse a cavalgar a encosta da serra da Boa Viagem, que emerge da alvura espumosa das ondas e se soergue num anfiteatro de sensações até aos 257 metros de altitude.
Ao regressarem à beira-mar são atraídos pelos curiosos estratos inclinados, fazendo lembrar páginas petrificadas de gigantescos livros, que caracterizam os afloramentos rochosos do Cabo Mondego, classificados como Monumento Natural desde 2007.
As abruptas escarpas, onde a Serra da Boa Viagem se atira ao mar, bem como a inclinação dos estratos, projectados em direcção ao azul celeste, não deixam ninguém indiferente, conferindo ao promontório um misticismo inexplicável.
O desnível e a extensão do percurso, com cerca de doze quilómetros, aconselham um passo sereno para se poder aguentar toda a jornada e saborear com calma cada recanto. Há quem prefira começar a caminhada no cimo da serra, junto à capela de Santo Amaro, aproveitando um trilho marcado que dá pelo nome de “Rota da Boa Viagem”. É uma opção. No entanto, deixa de fora um passeio mais demorado pelas proximidades do mar e implica que a última parte do percurso, quando as pernas já estão feitas num oito, se fará a subir. Mas cada caminheiro descobrirá o Cabo Mondego a seu bel-prazer.
O importante é palmilhar a monumentalidade do único ponto alto escarpado de toda a costa centro do país seja de cima para baixo, de baixo para cima ou em qualquer outra direcção sugerida pela rosa-dos-ventos.
Janela para épocas remotas
À medida que se vai subindo em direcção ao Farol do Cabo Mondego, por entre as pedreiras que alimentam a fábrica de cal hidráulica da Cimpor, contemplase a grande muralha calcária com os seus afloramentos de camadas sedimentares a serem lavados pela continuada brancura das ondas.
Olhando para Norte, aprecia-se um vasto panorama que começa na Murtinheira, continua na Praia de Quiaios e estende-se, até onde a vista alcança, num mar de areia e dunas que parece não ter fim.
Como num herbário, em que as plantas são prensadas e secas entre folhas de cartolina, nas camadas rochosas do Cabo Mondego esconde-se um valioso património fossilífero que retrata a história da vida na Terra no período Jurássico.
Por isso, na vazante, vale a pena descer até lá baixo para sentir de perto a textura das rochas e para encetar uma inesquecível caçada fotográfica no parque jurássico, que muitos consideram ser o mais importante de Portugal e um dos maiores da Europa. Não logrará encontrar os famosos dinossáurios, que se extinguiram muito antes de o homem ter aparecido na Terra, mas poderá seguir-lhes as pegadas imortalizadas nos rochedos. Nas deambulações junto à água, tenha sempre muito cuidado, pois as ondas podem ser perigosas e as rochas húmidas ou cobertas de algas são geralmente muito escorregadias.
Num memorável roteiro geológico - que os leigos poderão não conseguir deslindar completamente - é possível fazer uma viagem ao passado, recuando entre 175 e 135 milhões de anos, desde o Jurássico Inferior e Médio - nos sedimentos de calcários margosos da praia da Murtinheira -, até ao Jurássico Superior, do outro lado da serra, na baía de Buarcos. Numa extensão de cerca de quatro quilómetros, que ladeiam a encosta oceânica da serra da Boa Viagem, é possível observar abundantes fósseis de amonites (grupo extinto de moluscos cefalópodes semelhantes às actuais lulas e chocos) e muitas outras espécies dos antigos mares - como belemites (com uma concha interna, parecidas com as lulas), braquiópodes (recobertos por duas conchas) e bivalves (moluscos semelhantes às amêijoas e mexilhões) -, nos estratos do Jurássico Inferior e Médio, e de pegadas de dinossáurios bípedes e carnívoros (Megalosaurus insignis e Megalosaurus Pombali), nos estratos correspondentes ao Jurássico Superior. Todos estes fósseis vão sendo expostos e desgastadas pela erosão marinha, parecendo palavras a apagar-se das páginas esfarrapadas de um velho livro. É por isso que esta janela para épocas remotas deve ser explorada pelos visitantes com todo o respeito, para que o património geológico aí encontrado possa manter-se preservado e continuar a ser lido pelas gerações vindouras.
Palmilhar a Boa Viagem
Terminada a ronda aos alicerces do Cabo Mondego e saciado o apetite pelas esculturas da natureza, é chegada a hora de voltar à serra para continuar a alimentar o olhar com cenários mais vastos. A estrada da Boa Viagem, primeiro, e a rua do Farol Velho, depois, há-de levar o viajante até ao miradouro onde jaz a carcaça arruinada do velho farol, que deixou de ser usado a 20 de Novembro de 1922. Desse e de outros mirantes localizados nos arredores colhese uma magnífica panorâmica sobre Buarcos e a Figueira da Foz, sendo possível admirar os vastos areais e o extenso cordão dunar que, depois da descontinuidade do Cabo Mondego, se voltam a espraiar em direcção ao Sul.Ao longo do percurso, observa-se um coberto vegetal variegado, onde se destacam as curiosas plantas dunares na Praia da Murtinheira, as espécies típicas das falésias nas arribas do Cabo Mondego e uma vegetação arbustiva que se vai adensando à medida que se sobem as encostas da Boa Viagem.
Mas as maiores preciosidades botânicas desta serrania calcária são sem dúvida as suas orquídeas silvestres, de rara beleza. São consideradas as plantas mais evoluídas à face da Terra e em algumas espécies as flores apresentam formas excêntricas: imitando insectos ou surgindo com aspecto antropomórfico, como é o caso da rapazinhos ou erva-dohomem-enforcado, que por ter o labelo pendente e com um recorte que imita a figura humana, dá a impressão de serem pequenos homens suspensos no ar. Neste circuito geobotânico opte sempre pelos trilhos marcados ou que se encontrem já abertos. Desse modo evita o pisoteio da vegetação e zela pela sua segurança.
Em termos de bicharada, salienta-se por estas bandas a presença do falcão-peregrino, milhafre, gineta, raposa, doninha, ouriço-cacheiro, lagarto-de-água, lagartixa, sapo-corredor, sapode-unha-negra, sapo-parteiro, diversas espécies de passeriformes e algumas aves marinhas. No entanto, como isto não é nenhum jardim zoológico, para os encontrar há que andar atento e respeitar o sossego de cada local visitado. Evite falar alto ou gritar, pois os ruídos desnecessários perturbam a fauna e dificultam a sua observação.
De novo a calcorrear os trilhos da serra rumo a Norte, passa-se pelo Farol do Cabo Mondego que, dada a invejável localização onde enraizou, não precisa de mais do que 15 metros para se impor na paisagem. Ao longo do caminho encontram-se alguns exemplares de lentisco, aderno, carrasco, medronheiro e urzes que vão
Espreitar os arredores
Ainda na Serra da Boa viagem, vale a pena visitar o miradouro da Vela e a capela de Santo Amaro (onde tem início um percurso pedestre marcado - a Rota da Boa Viagem - que coincide em parte com o nosso roteiro). A pouco mais de treze quilómetros, localizadas a Nordeste de Quiaios, merecem visita demorada, devido à riqueza da sua fauna, a lagoa das Braças e a lagoa da Vela.
A cerca de dez quilómetros para Sul, localiza-se a atlântica cidade da Figueira da Foz. Aí, pode realizar-se um agradável circuito pedestre urbano desde a Marina ao Parque das Abadias, passando pelo Palácio Sotto Mayor, até chegar ao Forte de Santa Catarina, onde se inicia o aprazível passeio atlântico que se prolonga até à Fortaleza de Buarcos.
Ainda no interior da urbe, merecem referência o Pelourinho da Figueira, classificado como monumento nacional, a Casa do Paço, a Esplanada Silva Guimarães, o Museu Municipal Santos Rocha e a Igreja do Convento de Santo António, entre outros locais de interesse.
Nos arredores, o destaque vai para o Dólmen das Carniçosas, monumento nacional, para as Salinas e Ecomuseu do Sal, onde se realiza um circuito pedestre de quatro quilómetros (Rota das Salinas), e para a ilha da Morraceira, bem no meio do estuário do rio Mondego. emprestando o seu colorido à inóspita paisagem.
Daqui em diante é sempre a subir até alcançar o deslumbrante miradouro da Bandeira, que alguns consideram um dos mais espectaculares da costa portuguesa. A verdade é que, vista daqui, a beleza do Cabo Mondego ganha outra dimensão e torna-se ainda mais impressionante.
Empanturrados os olhos nas grandes amplitudes visuais da Bandeira, é chegada a hora de principiar a descida, deixando rolar o olhar e o corpo até à praia de Murtinheira, onde terminará esta aventura. O carácter abrupto das vertentes da serra viradas a Norte oferece penhascos magníficos que devem ser espreitados mantendo sempre uma distância segura. Com muito vento, nevoeiro ou chuva é preciso redobrar-se a atenção nos trilhos e caminhar longe dos precipícios.
Como ir
Viajar em direcção à Figueira da Foz, seguir pela marginal até Buarcos e depois a estrada que passa pelo farol do Cabo Mondego e conduz a Quiaios. Quem vier do Norte, seguir em direcção a Quiaios e tomar o caminho de acesso à Praia de Quiaios e Murtinheira.
Onde comer
A região da Figueira da Foz oferece como aperitivos as pataniscas de bacalhau, as línguas de bacalhau panadas, os burriés cozidos, o chouriço de Quiaios assado, as ovas de lavagante, os ovos verdes à Figueira, o polvo seco, a raia enxambrada, a salada de lulas ou chocos pequenos, a salada mista de mariscos; como especialidades, os búzios com grão-de-bico, o caranguejo da pedra grelhado, a lagosta cozida e grelhada, os lagostins fritos, os percebes cozidos, a santola à pescador, o arroz de cavalas, tremelga ou sardinha, o carapau grelhado, o congro com ervilhas, as enguias à Vila Verde, o tamboril à Buarcos, o pato estufado, os borrachos de cebolada ou grelhados e o leitão assado à moda de Tavarede. Nos doces, merecem destaque a aletria, os bolos de sangue, as brisas da Figueira, as broas doces da Figueira, as fatias douradas e as papas de moado.
Restaurante Sereia Rua P. Lourenço -Quiaios Tel.: 233 910 159 Restaurante Pôr do Sol Rua do Talefe -Murtinheira Tel.: 233 910 198 Marisqueira do Sul Rua Prof. Costa Leão -Quiaios Tel.: 233 910 852 Restaurante Cavalo Branco Quinta das Rolas -Quiaios Tel.: 233 910 694 Restaurante Abrigo da Montanha Rua Parque Florestal -Figueira da Foz Tel.: 233 432 221
Onde dormir
Hospedaria Cavalo Branco Quinta das Rolas -Quiaios Tel.: 233 927 210 Hotel Mercure Av. 25 de Abril, N.º 22 -Figueira da Foz Tel.: 233 403 900 Hotel Atlântida Sol Marginal Oceânica -Buarcos Tel.: 233 421 997 Hotel Ibis Rua da Liberdade, 20 -Figueira da Foz Tel.: 233 426 602 Parque de Campismo de Quiaios Tel.: 233 910 499
Informações úteis Posto de Turismo da Figueira da Foz. Tel.: 233 422 610