Fugas - Viagens

Pedro Cunha

Arriba Fóssil, um terraço único na Costa da Caparica

Por Jorge Nunes

A Costa da Caparica é "a grande praia de Lisboa" e um dos destinos balneares preferidos de grande parte dos lisboetas. Todavia, na outra banda não são apenas os areais que merecem ser desfrutados. Como nos mostra Jorge Nunes, a arriba fóssil da Caparica, com os seus treze quilómetros de comprimento e os seus setenta metros de desnível, oferece aos caminheiros vistas panorâmicas de grande beleza cénica onde apetece vaguear

Embora poucos visitantes das praias da Caparica o saibam, a Paisagem Protegida da Arriba Fóssil da Costa da Caparica é uma área natural de grande valor geológico, paleontológico (com predomínio para os fósseis marinhos) e paisagístico.

Da frescura do Pinhal do Rei, também conhecido como Mata Nacional dos Medos - onde foram traçados vários percursos pedestres que permitem descobrir a curiosa reserva botânica -, até à aridez do cordão dunar, nas proximidades da lagoa de Albufeira, descobrem-se deslumbrantes miradouros naturais e curiosas veredas sobranceiras à orla marítima. No entanto, toda esta beleza natural só pode ser apreciada a pé, com o vagar das caminhadas, uma vez que as viaturas motorizadas estão impedidas de circular nos lugares mais selvagens. 

Num passeio de cerca de oito quilómetros de extensão, é possível apreciar toda a beleza da paisagem e descobrir-lhe os seus muitos encantos. Destacam-se os majestosos e belos ravinamentos - considerados ex-líbris da região -, que resultaram da intensa erosão provocada pela chuva e pelo vento. São igualmente dignas de nota as espécies animais e vegetais, que podem surpreender-se ao longo do percurso e fascinam pelas suas peculiaridades biológicas e pela formosura das suas formas e cores variadas. 

Para o andarilho interessado na observação da fauna selvagem, designadamente aves e mamíferos, é aconselhável o uso de binóculos. Este precioso instrumento - que deve ter sempre presença assegurada na mochila dos percursos pedestres -, será ainda mais útil se estiver acompanhado por alguns guias de campo que auxiliem na identificação da bicharada. O wildlife watching está na moda e cativa cada vez mais adeptos, desde miúdos a graúdos. Para se iniciar neste curioso passatempo não precisa de viajar até lugares exóticos, poderá fazê-lo aqui mesmo na arriba fóssil, onde a variedade de habitats (florestais, dunares e aquáticos), não oferecendo a adrenalina de uma expedição à savana africana, permite descobrir uma fauna variada e combater o tédio das longas horas na praia. 

Outro inestimável adorno do caminheiro é a sua máquina fotográfica, pois qualquer passeio nesta paisagem protegida poderá brindar-nos com uma inesperada oportunidade - que tanto poderá vir de uma encantadora paisagem recheada de nuances cromáticas ou de uma nova espécie da diversificada fauna ou flora - para ampliar o álbum fotográfico.

Passo a passo pelas arribas

Embora a estrada de alcatrão convide a descer até à Fonte da Telha, onde as águas marítimas transparentes e os extensos areais apelam à fruição dos prazeres balneares, o caminheiro deve optar pelo trilho florestal, que convida a entrar na mata e a explorar o vasto pinheiral, onde abundam os pinheiros-mansos e surgem, esporadicamente, pinheiros-bravos e os pinheiros-de-alepo. Este é um trajecto agradável para se apreciar com lentidão à sombra dos majestosos pinheiros-mansos que vão emoldurando o caminho.

Os necessitados de vistas mais amplas poderão seguir por atalhos mais selvagens e deslumbrantes que prosseguem sobranceiros à arriba. Ao longo de todo o percurso, não faltarão veredas que levem o caminheiro até à beira do precipício, onde se apreciam as belas formas de erosão e as majestosas ravinas a que os tons ocres e a luz do entardecer emprestam um encanto especial. 

Em alguns locais, a arriba precipita-se de forma abrupta num desnível que chega a atingir setenta metros em relação ao nível do mar, pelo que é preciso muito cuidado, sobretudo em dias com muito vento ou nevoeiro. Com os devidos cuidados, para evitar acidentes desnecessários, é possível descobrir alguns miradouros naturais que permitem visualizar a linha de costa desde a serra de Sinta, lá a Norte, até ao cabo Espichel, ali a Sul. Estes mirantes, que se vão sucedendo com crescente espectacularidade à medida que avançamos no terreno, constituem igualmente excelentes hotspots para a fotografia de paisagem. 

Algures lá em baixo, junto ao mar, na plataforma inferior da arriba, chama a atenção a desorganização urbanística da Fonte da Telha, que foi outrora um característico núcleo piscatório, mas que tem vindo a ser progressivamente descaracterizado pelas construções clandestinas de veraneio que têm sido erguidas de forma desgovernada. Entretanto, cá por cima, continua a frescura do pinhal e a diversidade dos matos costeiros, com destaque para a sabina-da-praia, aroeira e carrasco e muitas outras espécies nativas (estão assinalados três endemismos lusitanos e quinze ibéricos, a que se juntam inúmeras outras plantas mais comuns) que começam a ser ameaçados pelas omnipresentes acácias, plantas exóticas invasoras. Ao longo dos muitos trilhos marcados pelo pisoteio no solo arenoso, os mais versados em botânica poderão surpreender ainda numerosas espécies herbáceas características das dunas cinzentas e das areias consolidadas.

Para quem continuar a vaguear na crista da arriba fóssil, os miradouros naturais vão-se sucedendo a cada passo. Embora o panorama não se altere muito, os barrancos vão exibindo formas cada vez mais singulares, caprichosamente lavradas pelas invernosas águas selvagens, que são particularmente imponentes nas imediações das instalações militares da NATO e na zona dos Medos de Albufeira.

Descer até à beira-mar

Na região da Mina de Oiro, topónimo que perpetua a localização de uma antiga exploração aurífera - provavelmente a mais antiga da nacionalidade -, de onde, segundo reza a história, terá saído o metal precioso para fazer o ceptro e a coroa do rei D. Dinis, não faltarão carreiros para levar o viajante até ao sopé da arriba fóssil. Na planície litoral, que em alguns sítios chega a ter quinhentos metros de largura até ao mar, encontram-se as praias e um vasto campo de dunas. Daqui em diante, a caminhada prossegue à beira-mar, apreciando o cordão litoral dunar embelezado pela vegetação espontânea e apreciando com uma perspectiva diferente o rendilhado das arribas, que volta a mostrar todo o seu esplendor na reentrância dos Olhos de Água. 

Os mais afortunados - que tenham caminhado em silêncio e com os sentidos alerta -, poderão ter sido já brindados com algumas curiosas observações faunísticas. Nesta área protegida vivem mamíferos como a raposa, o rato-do-campo, a fuinha, o ouriço-cacheiro e o coelho; nas aves, sobressaem a águia-de-asa-redonda, o peneireiro-de-dorso-malhado, o falcão-peregrino, a rola-comum, o pica-pau-malhado-grande e a gralha-preta; nos répteis e anfíbios, salientam-se o sardão, a lagartixa-do-mato, a lagartixa-do-mato-ibérica, a cobra-rateira, a salamandra-de-costelas-salientes, o sapo-corredor, o sapo-de-unha-negra e a rela (estes quatro últimos mais apegados às zonas húmidas). 

Com a chegada ao espelho de água da lagoa de Albufeira, cai o pano sobre mais um irrepetível percurso numa área natural de inegável valor paisagístico, geológico, florístico e faunístico. Mas, antes de partir para novas aventuras, dê uso aos binóculos. A lagoa, envolvida por caniçais, juncais e prados húmidos, é o lar de inúmeras aves aquáticas (como as garças, as aves marinhas, as gaivotas, os patos, os galeirões, entre outras). A sua abundância é especialmente significativa durante as migrações outonais, que, dependendo das condições meteorológicas, começam pelos finais de Agosto inícios de Setembro.

Devido às suas características geológicas e à sua extensão, a arriba fóssil é "um exemplo único na costa portuguesa", segundo as palavras do Instituto de Conservação da Natureza e da Biodiversidade. Mas não há nada como vir até cá para o poder confirmar com os seus próprios olhos.Na área correspondente à Paisagem Protegida da Arriba Fóssil da Costa da Caparica recomenda-se a visita ao Convento dos Capuchos, cuja construção original remonta ao ano de 1558. Nas imediações, o conhecido Miradouro dos Capuchos permite desfrutar de uma vista ampla sobre a Costa da Caparica e as suas vastas praias. Ainda no interior da área protegida sugere-se visita demorada à reserva botânica da Mata Nacional dos Medos, que possui diversos miradouros, parques de merendas e percursos pedestres sinalizados. 

No concelho de Almada, além das afamadas praias da Costa da Caparica, que se estendem por cerca de 13 quilómetros, vale a pena contemplar o Passeio Ribeirinho da Trafaria, onde se apreciam as artes e embarcações de pesca que ainda na actualidade continuam a sustentar a pequena comunidade de pescadores; o Cristo Rei, miradouro panorâmico sobre o estuário do Tejo e as suas duas margens; a Casa da Cerca, albergue do Centro de Arte Contemporânea; o Castelo de Almada e o seu miradouro; o Museu Medieval, também conhecido como Museu do Sítio; e o Solar dos Zagallos, casa agrícola do século XVIII, entre muitos outros. 

--%>