Fugas - Viagens

Enric Vives-Rubio

Em Paris, quando o queijo é um estilo de vida

Por Ana Gerschenfeld

Comer queijo é para os parisienses um elemento importante no seu dia-a-dia. E todos têm a sua queijaria favorita. Mas algumas delas são de facto mais especiais do que outras. Ana Gerschenfeld visitou três... e deliciou-se com uma variada tábua de queijos.

Quando perguntamos a um parisiense qual é a melhor queijaria de Paris, a resposta é quase sempre algo do género: “É difícil dizer. Há tantas boas...”. No entanto, talvez não sejam assim tantas. “Há uns 20 queijeiros em Paris que eu considero como sendo queijeiros a sério”, diz-nos Hugues Foucher, dono de uma pequena queijaria artesanal na Rue Mouffetard, em pleno Quartier Latin. Para ele, há as queijarias a sério e os “armazéns de queijo” que não fazem nada mais senão receber os queijos já afinados que vendem ao público.

Claro que há na capital francesa muitas fromageries o pequeno comércio é florescente em qualquer esquina da cidade. E é verdade que a qualidade média costuma ser muito boa e que até o supermercado de bairro pode ter queijos óptimos. Mas um queijeiro “a sério” é muito mais do que isso: antes de mais, é alguém que selecciona cuidadosamente os produtores a quem encomenda cada queijo. E é ele que, nas suas caves, controlando os níveis de temperatura e humidade, “afina” o queijo. Quando os produtos chegam à sua loja, ainda estão muito longe do que serão quando forem postos à venda.

O “artesão-queijeiro” título que pressupõe uma formação profi ssional específica e prolongada, para além da formação no terreno é um apaixonado dos queijos: passa a sua vida a cuidar deles e gosta de “inventar” queijos que só ele comercializa. Viaja pelos quatro cantos do país à procura de produtos e de produtores especiais.

Fica feliz quando descobre um queijo novo e potencialmente maravilhoso fabricado a partir do leite de um diminuto rebanho de vacas ou de cabras. Quando o aroma de um queijo se desdobra em sabores apenas adivinhados que fazem sonhar, quando um queijo evidencia aquele carácter único que faz dele uma preciosidade, quando descobre um queijo que se articula de tal forma com o sabor deste vinho ou daquela fruta que faz desse um casamento perfeito.

Ou quando a sua intervenção transforma aquilo que é na origem apenas um bom queijo numa experiência que desafia os sentidos.

Queijos com data de nascimento

As três queijarias que a FUGAS visitou fazem parte da lista de Hugues Foucher (incluindo a do próprio) mas isso só ficou patente no fim, uma vez que a sua queijaria foi a última etapa desta pequena viagem.

A primeira chama-se La Maison du Fromage e pertence a Marie Quatrehomme (que teve direito ao título de “melhor operária de França” do ramo em 2000) e fica na Rue de Sèvres, numa zona chique da cidade. A loja é ampla e o ar condicionado certamente dos melhores de Paris neste final de Agosto muito quente. Uma característica comum a todas as boas fromageries é, aliás, a baixa temperatura o bem-estar dos queijos a isso obriga.

Marie Quatrehomme está lá e trata da caixa, mas também ajuda um senhor de idade que parece um pouco confuso a arrumar as suas compras dentro de um saco enquanto lhe aconselha um vinho para acompanhar os queijos que ele acabou de comprar. Um homem de meia-idade em mangas de camisa (funcionário de um dos ministérios que povoam o bairro?) entra na loja e cumprimenta-a: vem buscar os queijos que encomendou. E também lhe pede que lhe recomende os seus dois queijos de cabra preferidos. Ela não hesita: um Mont-Grèle e um Carré du Tarn.

Os queijos são eficientemente embrulhados por um dos empregados (são três ou quatro, atrás do balcão) e o cliente e a dona da loja despedem-se com um aperto de mão. “Temos neste momento 200 a 250 queijos diferentes na loja”, diznos Marie Quatrehomme, quando já despachou esses assuntos mais urgentes. “Somos nós que os afinamos nas nossas caves os Rocamadours [minúsculos queijos de cabra], durante três a quatro dias, os Charolais [queijo de cabra da região de Bourgogne], entre seis e oito meses”.

Quanto ao Comté fruité, deu entrada nas caves há dois anos e vende-se millésimé, com “data de nascimento”, como os vinhos. O Comté é um queijo de vaca de pasta dura, cozida, da família do Gruyère, produzido na região de Franche-Comté. Há também lá vários Brie (queijo de vaca da região homónima, perto de Paris), com ar particularmente cremoso e apetitoso. (Diga-se que todos os queijos de pasta mole, crua, são feitos com leite não pasteurizado).

Marie Quatrehomme tem queijos da sua autoria? “Sim, para o Natal criei um Mont d’Or (queijo de vaca dos Alpes) afinado com trufas”. E qual a especificidade da sua loja? “Nós afi namos os queijos durante mais tempo que os outros, temos caves a seis e 10 graus”, responde, explicando que, ao contrário do que se poderia imaginar, o frio não interrompe a fermentação dos queijos desde que a temperatura não desça abaixo dos quatro graus. “A temperatura e o nível de humidade permitem-nos controlar muito precisamente a evolução do queijo.” Próxima escala? “Recomendo a nova queijaria de Laurent Dubois”, diz Marie Quatrehomme.

“Fica no Boulevard Saint-Germain, na Praça Maubert” ou seja, no coração do Quartier Latin do Maio de 68. E já agora, perguntamos-lhe, conhece o casal Jouannault, dono da queijaria da Rue de Bretagne, no bairro do Marais (a “minha” queijaria em Paris)? “Sim, a filha deles, Priscilla, é um encanto; fez a sua formação prática connosco”.

Os queijeiros “a sério” de Paris formam uma rede que funciona um pouco como uma família. A queijaria Laurent Dubois (outro dos quatro laureados como melhor operário de França em 2000) é muito mais pequena e aberta para a rua, numa zona da cidade cheia de lojas de alimentação, restaurantes, cafés.

Mesmo assim, propõe mais de uma centena de queijos. Um casal de turistas estrangeiros entra à procura de queijos para levar de volta das férias. A (única) empregada mostra-lhes os que podem aguentar a viagem de avião (viajam perfeitamente dentro da mala, no porão, e todas as queijarias têm uma máquina para os embrulhar no vácuo).

O cheiro desperta o apetite

O cheiro a queijo é omnipresente, mas a temperatura baixa a que os queijos são mantidos não permite que o odor se torne demasiado agressivo. O cheiro desperta o apetite sem saturar o olfacto. E segundo nos aproximamos de uma prateleira ou de outra, assim o ar nos traz um aroma de leite, ou de palha ou de terra, um cheiro adocicado ou salgado, mais ácido um, mais amanteigado outro. O ar é um bouquet de queijos. Théo, o jovem encarregado da loja quando o dono não está lá, mostra-nos uma “assemblagem” de Roquefort e de marmelada.

Isto é novo? “Há três ou quatro anos que fazemos. A tradição vem de Espanha”. De facto, muitas queijarias vendem hoje barrinhas de marmelada para acompanhar os queijos de ovelha, mas aqui a combinação já vem pronta para consumir. A simbiose é bem conhecida em Portugal, como noutros países de tradição ibérica, mas em França é uma relativa novidade.

Uma outra especialidade da casa é o Salers Tradition. É um queijo de vaca de pasta dura da região de Auvergne. Mas este tem uma particularidade: neste produtor, “a ordenha da vaca é iniciada pela vitela, não por uma máquina”, explica-nos Théo.

“A sua saliva tem uma enzima que dá um sabor especial ao queijo.” Escolhemos também um Saint-Nectaire, também de vaca, também da região de Auvergne, com o seu característico sabor a terra, e um Munster fermier (queijo de vaca do Leste de França, célebre pelo seu cheiro pungente que recomenda que não se toque na casca com as mãos), cujo produtor, diz-nos Théo, “é o único no país com duas produções diárias do queijo, uma de manhã e outra à tarde, o que evita ter de refrigerar o leite”.

No fim da conversa, Théo recomenda por sua vez a visita da queijaria da Rue Mouffetard, já acima referida: “o Hugues Foucher é o sobrinho de Marie Quatrehomme”, acrescenta.

A Rue Mouffetard é conhecida desde sempre pelo seu mercado de rua. Ainda hoje, apesar das omnipresentes lojas de roupa, continua a funcionar um pouco como uma pequena aldeia.

Hugues Foucher, que está neste momento a preparar-se para o concurso de melhor operário de França (“é já em Setembro e é muito exigente”), aponta para um Beaufort, também um queijo de pasta dura da família do Gruyère, fabricado na região montanhosa de Savoie: este tem a apelação Beaufort des alpages e “o leite deste queijo foi produzido por vacas que vivem a 1500 metros de altitude. Não conheço nada de mais biológico do que isso”, remata Hugues Foucher.

Escolhemos também um Epoisses (de vaca), e ainda um Saint-Nicolas, queijo de cabra proveniente “do único mosteiro ortodoxo de França que ainda hoje fabrica queijo” que se virá a revelar sofi sticadamente perfumado. Por último, um Fiancé, um outro queijo de cabra, fabricado nos Pirinéus por um casal de ex-advogados. A tábua de queijos não podia ter ficado melhor.

INFORMAÇÕES

Fromagerie Quatrehomme - La Maison du Fromage
62, Rue de Sèvres
75007 Paris
Metro: Vaneau

Fromagerie Laurent Dubois
47 ter, Boulevard Saint-Germain
75005 Paris
Metro: Maubert-Mutualité

Fromagerie Foucher
118, Rue Mouffetard
75005 Paris
Metro: Censier-Daubenton

Preços
Preço dos queijos comprados em cada uma das queijarias referidas: Quatrehomme - 25 euros | Laurent Dubois - 35 euros | Foucher - 45 euros

--%>