Fugas - Viagens

Nuno Ferreira Santos

Cruzeiro pelo Mediterrâneo: As cidades do mar

Por Paulo Moura

Num cruzeiro de oito dias, é possível viajar por oito milénios de História. Visitar as cidades da cultura grega, helenística, romana, cristã ou muçulmana. O que outrora foi um mar imenso e perigoso é hoje em dia um lago. O que foi um dia um universo é hoje um parque temático para turistas. Um passeio pela civilização mediterrânica

Zarpar do porto do Pireu é entrar na Grécia. Atenas fica para trás, mas é Atenas que vamos encontrar por todo o lado, a partir de agora. Talvez seja necessário deixar Atenas para a conseguirmos ver. Esperar que a luz dourada do crepúsculo se apague totalmente, e o navio branco deslize furtivo pelas águas de cobalto, para que a grande cidade mediterrânica se ilumine, ainda que deixe de chamar-se Atenas, ou que se esqueça de o ser. Alexandria, Jerusalém, Haifa, Limassol, Nicósia, Marmaris vão surgindo como avatares atenienses, ensaios de uma civilização, formas de água. Tal como Atenas é ela própria espelho de cidades mais antigas, reincarnação de personagens mitológicas e de deuses. São miragens que se projectam e reproduzem, se completam, se anulam, se agigantam.

Os prédios de habitação e os edifícios indefinidos, disformes, velhos, que desenham o perfil da capital grega, movem-se agora com o próprio navio, o Zenith. Representam declínio e sobrevivência, são a imagem da precariedade e da glória latente da civilização mediterrânica. Atenas é uma cidade em declínio. A sua miséria arquitectónica deixava antever a crise em que o país mergulharia. Como se tudo estivesse escrito nas pedras, para quem o souber ler. Como se, ao contrário do que se passa com os indivíduos, o desleixo das sociedades começasse por fora. Dando-se ares, primeiro, de um charme decadente, para depois revelar a podridão interior.

A preocupação de manter as aparências concentra-se na integridade do espírito. Segue-se em frente, fingindo normalidade, afectando mesmo uma certa euforia, a despeito de todos os sinais exteriores da catástrofe. Até chegar o momento em que já ninguém acredita. E tudo fica exposto: a insuficiência, o cabotinismo, a nulidade, o endividamento, a ineficácia, a deriva.

Também Lisboa tem este ar exausto. Em certas zonas, basta olhar à volta para se pressentir o pior. Atenas não enganava. Em toda a cidade, imensa, só os templos da Acrópole não estão em ruínas.

É aqui o início do cruzeiro, o ponto de partida e de chegada de uma viagem de oito dias, de oito séculos, oito milénios. O mar é um cenário, espaço e tempo, um mundo.

Alexandria

Em todos os lugares se pode procurar o número de ouro. Pelo menos em todos os lugares do Mediterrâneo e, em consequência, no mundo inteiro. A proporção dourada, a razão de ouro, a áurea excelência ou a divina proporção foi usada na Antiguidade, e depois no Renascimento. Mas já existia na Natureza, já existia no Homem. Mas este viu-a pela primeira vez aqui, no Mediterrâneo.

Phídeas, o escultor e arquitecto ateniense do Século de Péricles, mandou construir esse número em ouro, o número mágico.Para que nem ele nem os trabalhadores o esquecessem quando construíam o Partenon. Em Álgebra, chama-se Phi e traduz-se numa equação que se resolve pela Fórmula de Bháskara, de que resulta Ø (Phi) igual a 1 mais raiz de 5 sobre 2, igual a 1,618033989. É esse o número de Phi, de Phídeas. A proporção divina.

Numa colmeia de abelhas, a proporção entre o número de machos e de fêmeas é 1,618033989. O raio interior da concha do náutilus cresce na proporção do número de Phi. A mesma em que diminuem as folhas de uma árvore à medida que avançamos em altura. Ou em que aumenta o diâmetro das espirais das sementes do girassol. A proporção entre a altura do corpo humano e a medida do umbigo até ao chão é o número de ouro. Tal como a medida da cintura até à cabeça e o tamanho do tórax. A proporção dourada surge nos marfins dos elefantes, nos furacões, nas ondas de som e dos oceanos, no DNA, na refracção da luz, nas espirais das galáxias, nos átomos. E também na proporção entre as estrofes maiores e menores na Ilíada de Homero e na Eneida de Virgílio. E no Nascimento de Vénus de Botticelli, na 5.ª e 9.ª sinfonias de Beethoven, no Couraçado Potemkin de Eisenstein, ou na razão entre o comprimento e a largura de um actual cartão de crédito.

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