Fugas - Viagens

Nuno Ferreira Santos

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Cruzeiro pelo Mediterrâneo: As cidades do mar

Pitágoras descobriu o número dourado nas proporções do pentagrama e adoptou-o como símbolo da Irmandade Pitagórica. A Maçonaria faria o mesmo, tal como as sociedades secretas que a precederam. Já no Egipto antigo cada pedra das pirâmides era 1,618033989 maior do que a pedra do nível imediatamente acima.

Como se descobriu isto? Onde tiveram os homens do Mediterrâneo esta inspiração? Na vegetação? Nas montanhas? No clima, nas cores, nos aromas? No equilíbrio da paisagem? Na beleza circundante? No próprio mar? A verdade é que através deste número se estabeleceu uma espécie de pacto entre o Homem e a Natureza. Uma plataforma de entendimento em torno da qual uma civilização se fundou e cresceu, projectando-se pelo planeta em ondas concêntricas. O Egipto e a Mesopotâmia, Israel, Grécia e Roma, os persas, o helenismo, o judaísmo, o cristianismo, o islão. As três religiões monoteístas nasceram aqui, assim como a arte e a ciência, tal como as concebemos na Europa e no Ocidente, que por sua vez são ideias oriundas daqui, deste mar. Ao qual devemos a imagem arquetípica do mar.

O paquete navega um dia inteiro nas águas azuis escuras, densas, opacas, nada das transparências verdes ou turquesas com que na imaginação pintamos o Mediterrâneo. Afastamo-nos de terra, e é só agora, quando há azul a toda a volta, que é possível perceber este mar, um verdadeiro mar, desmesurado, perigoso, desconhecido. O mar Mediterrâneo como sempre foi visto pelos habitantes das suas margens, tão diferente do lago que vemos hoje. Para os egípcios, gregos, fenícios, cartagineses ou venezianos, Mediterrâneo significava imensidão. Permitia os contactos com outros povos, a descoberta, o comércio, e também as rivalidades e as guerras. Mas era imenso. As viagens demoravam semanas ou meses, eram difíceis e arriscadas. E serviam, com os seus tempos, os seus custos, para medir o mundo.

O Mediterrâneo não era um mar de brincadeira, como é hoje. Não seria possível percorrê-lo num navio em festa, com 1200 pessoas a bordo, como quem faz uma visita a um parque temático. O Zenith tem lojas, uma piscina, vários bares, duas discotecas, dois restaurantes, ginásio e biblioteca, casino, cabeleireiro e salão de beleza, espectáculos de magia, shows de karaoke, esplanadas e jacuzzis ao ar livre, aulas de danças de salão. Sulca, durante a noite, as águas por vezes agitadas, para aportar cada manhã a uma cidade diferente. Espera, durante o dia, que os turistas façam as suas excursões. Quando todos estão de novo a bordo, regressa ao mar. Prossegue a viagem, mas é como se não saísse do sítio. A sensação de percurso não existe. Numa viagem, há mudança - dos lugares, mas também de quem os visita. Vai-se avançando. Evoluindo. Numa viagem nunca voltamos verdadeiramente ao ponto de partida. O caminho é sempre em frente. Há um movimento, logo uma margem para a imponderabilidade, logo um estado de alerta, logo uma exaltação, logo uma sensação de aventura. Aqui sentimo-nos imóveis. O navio é a realidade. O resto são imagens.

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