Font-Romeu é a estância de neve mais antiga dos Pirenéus (desde 1903), etiqueta que ostenta como marca de prestígio e postal saudosista. O reverso da medalha é uma certa queda para a nostalgia dos bons velhos tempos, mais recentemente contrariada pela renovação e ampliação do domínio de neve, que actualmente ronda os 60 quilómetros esquiáveis. Outro letreiro da estância anuncia 300 dias de sol, mas a completar queda de neve nocturna no Inverno - que é cada dia mais incerta, nesta era de mudanças climáticas, implicando o recurso a 300 canhões de neve para garantir o funcionamento das pistas.
As paisagens da montanha são bonitas, sobretudo quando os picos se encontram cobertos de branco. Mas não rivalizam com o dramatismo dos Alpes, nem nada que se pareça. Trata-se, na verdade, de um território bastante humanizado, só mais recentemente desperto para as exigências do desenvolvimento sustentável. De resto, o que Font-Romeu e vizinhanças têm de mais atraente, ou pelo menos de mais singular, encontra-se fora das pistas. São piscinas naturais de águas sulfurosas ao ar livre, povoações e igrejas de recheio precioso, perdidas em lugarejos mais ou menos remotos, mais um forno solar, que tem tanto de perturbador quanto de prodígio científico.
Font-Romeu é uma estância já histórica, mas como núcleo urbano é relativamente recente. Bem mais antiga é Odeillo, aldeia situada no coração da meseta da Cerdagne, nos Pirenéus Orientais. Viveu do cultivo de cereais e batatas, da criação de vacas e ovelhas, até ao lançamento do Comboio Amarelo, que passou a ligá-la a Perpignan e ao resto do mundo. O comboio que hoje persiste mais como recreio do que meio de transporte de passageiros fez Odeillo evoluir da Idade Média para a Idade do Turismo, quase do dia para a noite. Favoreceu, em particular, a construção de chalets acima da aldeia (1902), a que seguiu um monumental palácio no alto da colina, com seis pisos e 150 camas. Abriu como Grand Hotel em 1918 e atingiu o apogeu na década seguinte, quando acolheu príncipes e um vistoso ramalhete de figuras internacionais.
Depois da Segunda Grande Guerra, no entanto, foi perdendo carisma, até que a propriedade foi vendida e o hotel convertido em apartamentos nos anos 50. Font-Romeu não foi riscada do mapa, mas deixou de ser um lugar de recreio das elites endinheiradas para se converter numa estância de esqui "democrática". A chegada de clientela mais numerosa e menos abonada arrastou uma vaga de construção menos qualificada, que ainda hoje domina a paisagem urbana da estância. Não há hotéis com mais de três estrelas e a rua do comércio é mais saldos que lojas de marca.
A edilidade quer inverter esta tendência e só no ano passado gastou 30 milhões de euros, distribuídos entre a modernização do domínio de esqui e o lançamento de novos equipamentos après-ski. Há planos para a construção de um hotel de luxo nas dependências do antigo Grand Hotel e mais genericamente para subir a fasquia em termos de oferta hoteleira, ao mesmo tempo que se pretende implementar políticas de respeito ambiental. Já se fala num novo modelo económico centrado no ecoturismo.
Para todas as idades
Sai-se de Font-Romeu (1775 metros) já de esquis nos pés. O teleférico situado no centro da cidade segue em direcção a Les Airelles, 189 metros mais acima e base operacional da estação. Desemboca num amplo planalto, que mais parece um vale em altura, com os pináculos das montanhas em redor sempre a uma razoável distância. Não há agulhas rochosas, paredes verticais, nem ravinas apertadas - nada, em resumo, que se assemelhe à experiência alpina.No lugar disso, aqui dominam os espaços abertos e ensolarados, onde se esquia suavemente com as montanhas ao largo. Montanhas entre as quais espreita o Mediterrâneo - e esta é também uma região onde é perfeitamente possível praticar esqui de manhã e fazer vela da parte da tarde.
Les Airelles é o ponto de partida da estação de Font-Romeu, mas também o elo de ligação com a contígua Pyrenées 2000. Juntas totalizam 58 quilómetros de domínio de esqui, dividido por 40 pistas, das quais 15 são verdes, 9 azuis, oito vermelhas e 8 negras. Além das pistas de esqui alpino, há um snowpark com um quilómetro de comprimento e um desnível de 150 metros. Depois há 111 quilómetros de pistas de esqui nórdico, oscilando entre os 1900 e os 2200 metros, a maior da especialidade nos Pirenéus Catalães. À excepção do enclave setentrional, onde se concentram as pistas negras e vermelhas, todos os outros sectores são bastante acessíveis, conferindo um estatuto familiar ao domínio, mais recentemente reforçado por um ringue de patinagem e um jardim-de-infância.
Familiar, nostálgica, ensolarada - essa a imagem de marca de Font-Romeu e da sua extensão Pyrenées 2000. O reverso da medalha encontra-se na vizinha Les Angles (20km a nordeste), onde a ambiência é mais desportiva e seguramente mais jovem. Aqui a transição do sistema pastoral para a economia turística foi bem mais recente, na verdade, posterior à chegada de água potável à aldeia, que só aconteceu em 1959. O povoado situa-se a 1650 metros de altitude, aos pés de uma montanha íngreme, que se eleva a 2400 metros. A distância é coberta por um teleférico que leva um bom quarto de hora a chegar lá acima, proporcionando esplêndidas vistas sobre o vale e o fotogénico lago de Matemale, especialmente deslumbrante quando cercado por um colar de neve.
O teleférico desemboca num pequeno planalto, que tanto serve de campo de treino para as escolas de esqui como de prancha de lançamento para as acrobacias dos riders, que frequentemente preferem o snowboard e o mais recente snowscoot (uma mistura de trotineta com prancha de snowboard) que o tradicional esqui alpino. O sítio é espectacular, a vibração é completamente sub-30 e a única coisa que estraga o postal em Les Angles são os resorts baratos, que vão crescendo aos pés da montanha para albergar esta demografia juvenil, sobretudo de língua catalã. A aldeia pitoresca, no entanto, foi poupada, a envolvente do lago de Matemale também, ou seja, do mal, o menos, porque esses são mesmo os sítios mais bonitos das redondezas.
Além das pistas
Se os banhos de água quente são comuns na rotina après-ski, já na Cerdagne são um programa à parte, talvez mesmo a experiência mais voluptuosa. Isto porque, numa pluralidade de recantos da meseta, brotam águas mesotermais, a temperaturas oscilando entre 34º e 39º C, sobretudo ricas em enxofre e sódio. Em tempos levaram à construção de termas e sanatórios, edifícios que em geral continuam de pé, mas raramente abertos ou no mesmo ramo. Mais recente é o fenómeno dos complexos aqualúdicos (algures entre o aquaparque e o spa) edificados em aldeias como Dorres, Llo e Saint-Thomas-les-Bains.
Oferecem desde jacuzzis a massagens, mas o verdadeiro chamariz são as piscinas ao ar livre, cheias com águas quentes naturais - um cartaz especialmente apelativo quando toda a envolvente fica coberta de branco. Situados ao lado de um antigo sanatório, os Banhos de Dorres (tel.: 00334 68046687) são um equipamento barato, instalado para disciplinar o emprego de águas sulfurosas, que se acredita serem conhecidas desde a Pré-História. Em compensação, funcionam como um sítio convivial, ponto de encontro diário dos locais e balcão privilegiado (1450 metros) sobre o vale com os picos nevados ao fundo. Já os balneários de Llo (tel.: 0033468947455) e Saint-Thomas-les-Bains (www.bainssaint-thomas.fr) conjugam piscinas de águas quentes com serviços comuns em spa de hotéis, embora a preços bem mais acessíveis.
A equação de frio invernal com águas quentes naturais encontra, porém, o número mágico no canyoning. Pratica-se em Thuès Les Bains, junto ao antigo centro termal (agora unidade de reeducação ortopédica e neurociência), à beira do rio Têt (na RN 116, 25 km a leste de Font Romeu). Sobe-se por um carreiro de cabras, que parte das traseiras das termas, até ao alto de um desfiladeiro sulcado por águas que brotam em fontes subterrâneas a 70ºC e chegam cá fora a cerca de metade dessa temperatura. A adrenalina de se ficar suspenso sobre a ravina a 15 ou mais metros de altura, o exotismo de mergulhar em grutas-piscinas fumegantes, o misto de sensualidade e arrepios com que se vai deslizando sobre as rochas ao sabor da corrente de águas quentes, tudo isso se conjuga numa experiência absolutamente transcendente, que é a ainda melhor quando neva (www.aventure-pyreneenne.com).
Alguns dos sítios abençoados pelos fluxos de águas quentes na Cerdagne são também atraentes do ponto de vista patrimonial, caso por excelência do casario medieval que cerca os banhos de Llo. Mas a principal jóia cultural da meseta é sem dúvida a Capela da Ermitã, que está na origem de Font-Romeu, que é como quem diz da Fonte do Peregrino. Reza a lenda que no local, onde se encontrava (e ainda lá está) uma fonte, foi descoberta uma imagem da Nossa Senhora, "milagre" na origem de uma peregrinação popular, consagrada em 1926.
A estatueta de factura românica desce em cortejo para a igreja de Odeillo a 8 de Setembro e volta a subir em procissão até à ermida no Domingo da Trindade. Para além da sua estrela sazonal, a capela é em si mesma uma obra-prima com a assinatura de Jose Suster, mestre do barroco "Nair" catalão. Especialmente deslumbrantes são o retábulo teatral, esculpido em madeira e, nas suas costas, um oratório com uma alucinante decoração policromada.
Como ir
Font-Romeu fica a 181 quilómetros do aeroporto de Barcelona e a 178 quilómetros do aeroporto de Girona. São percursos que se realizam de carro em cerca de 2h30, empregando o túnel do Cadí. Custa 11,23 € por viatura ligeira, mas também não há muitas alternativas para atravessar a fronteira. Font-Romeu fica ainda a 93 quilómetros do aeroporto de Perpignan, e a outros cem quilómetros do de Toulouse. De carro são 1300 km de Lisboa e 1100 km do Porto.
Onde ficar
Le Grand Tétras
14 Av. Emmanuel Brousse
Tel.: 0033(0)4 68303567
Três estrelas no centro da estância.
Duplos desde 69€
Hotel de la Poste
2 Av. Emmanuel Brousse
Tel.: 0033(0)4 68300188
Duas estrelas no mesmo género do precedente.
Duplos desde 49€
Le Logis Catalan
103 Av. Marechal Joffre
Tel.: 0033(0)4 68300104
Casa de montanha para famílias e grupos.
23€ por pessoa.
Huttopia
Route de Mont Louis
Tel.: 0033(0)4 68045639 e 0033(0)4 37642235
www.huttopia.com
Aluguer de chalets e caravanas na floresta
O que fazer
Em Odeillo encontra-se instalado um dos maiores fornos solares do mundo. Tem um espelho parabólico de 40 metros de altura por 54 metros de largo. Concentra 12 mil vezes a luz solar, atingindo rapidamente temperaturas acima dos 3000ºC. Investiga diversas possibilidades de utilização da luz solar e organiza visita diárias lúdico-pedagógicas sob o título Heliodisseias (telefone: 0033(0)4 68307786).
Na Internet
www.font-romeu.fr
www.pyrenees2000.com
A Fugas viajou a convite da Maison de France