O dia promete. Muito sol, a garantia de passear na serra da Freita e ver pela primeira vez as pedras parideiras horas antes de perceber, no local, que o "fenómeno" do parto das pedras é um sólido equívoco.
Às dez da manhã, 52 alunos da Secundária Almeida Garrett do Porto estão no centro da vila de Arouca entusiasmados para uma aula fora da sala, ao vivo e com muitas cores. "Muito aprenderemos nos livros, porém, aprenderemos mais na contemplação da natureza, causa e motivo de todos os livros". A frase de Ramon y Cajal retirada da Internet pela professora Ana Paula serve como introdução ao guia de trabalho da visita de estudo. Não há tempo a perder para ver com os próprios olhos as fotos dos manuais e perceber as frases repetidas sobre a matéria.
O Geoparque Arouca é o segundo a surgir no país e acaba de ser reconhecido a nível internacional com a entrada na Rede Europeia de Geoparques da UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura), o que lhe assegura uma divulgação a nível mundial.
O espaço está à disposição de escolas, turistas e visitantes. Gente interessada em respirar ar puro, analisar fenómenos estranhos e raros, observar o mar e as serras da Estrela e do Caramulo sem sair do mesmo sítio, descobrir que há rochas dobradas, espantar-se com pedras que descolam de uma morada de 300 milhões de anos, ver figuras dos primeiros animais do planeta. O Geoparque Arouca tem no programa 41 geossítios, cientificamente falando, locais reconhecidos pelo valor científico, turístico e didáctico.
Broas, quartzos e trilobites
Há muitas histórias para contar em 328 hectares de território. As pedras boroas do Junqueiro que ficam com um aspecto singular, semelhante à textura das broas de milho devido a desequilíbrios das plaquetas exteriores; a cascata do Côto do Boi; o marco geodésico a 1077 metros de altitude que permite ver o Atlântico e as serras do Caramulo e da Estrela; um filão de quartzo de Cabaços com dois metros de espessura; as desactivadas minas de volfrâmio da Pena Amarela exploradas na II Guerra Mundial. Tudo faz parte do roteiro.
Voltemos à visita de estudo. O autocarro parte em direcção ao Centro de Interpretação Geológica de Canelas. É ali que moram exemplares de 19 espécies de trilobites, os primeiros animais da Terra, que viveram há 465 milhões de anos numa altura em que ainda não havia oxigénio. Milhões de anos de História reúnem-se numa pequena sala com fósseis de trilobites (crustáceos fósseis) e cartazes explicativos.
A guia de serviço começa as explicações. As visitas para os mais novos começam com a apresentação de um pequeno filme no centro de interpretação, decorado com trilobites feitas com materiais recicláveis pelas escolas da região. É preciso perceber o que são aqueles desenhos incrustados em rochas tão escuras. Mas os alunos já sabem, estudaram-nos nas aulas. Guia de trabalho na mão, escutam as explicações, respondem a perguntas e vão preenchendo o documento que conta para a avaliação.
As trilobites tinham uma visão periférica, mudavam de carapaça, tudo indica que não eram solitárias, deslocavam-se com imensas patinhas e enrolavam-se quando se sentiam ameaçadas. Naquela sala, faz-se história. O centro de Canelas guarda espécies únicas no mundo. E como tudo começou? Os alunos da secundária portuense seguem para uma pedreira e depois para uma empresa. É ali que está a explicação.
Foi durante as primeiras explorações de ardósias em Canelas, há quase dois séculos, que foram descobertos imensos invertebrados fósseis. Mas só em 1956 é que o conteúdo dessas ardósias foi dado a conhecer. Hoje é na pedreira do Valério, ao lado do centro de interpretação, que essas pedras são tratadas industrial e historicamente. Como? Os trabalhadores partem as ardósias e verificam se há marcas históricas gravadas. Se sim, seguem para a casa ao lado que se ocupará do estudo da placa; se não, são tratadas para ser comercializadas, normalmente exportadas para o Japão, Alemanha e França.
Cascata mais alta do país
A viagem prossegue depois do almoço. Próxima paragem: frecha da Mizarela, a cascata mais alta de Portugal Continental. Daniela Rocha, a guia de serviço que um dia decidiu correr atrás do sonho de dar a conhecer o património da sua terra natal, contextualiza tamanha beleza. O rio Caima, que nasce no planalto da serra da Freita, encontra uma queda brutal de 97 metros de altitude. A água cai formando um espectáculo natural difícil de esquecer. E as máquinas fotográficas não se cansam de disparar. Daniela Rocha tem mais um desafio para os alunos. Descobrirem num percurso pedestre onde o granito e o xisto se encostam. Mais uma missão cumprida.
Diogo Afonso já tem uma colecção de fotografias na máquina. O dia é diferente e os locais merecem os enquadramentos. "O geoparque é interessante, típico, mostra bem Portugal, as várias especificidades, as diferenças", comenta. Há vacas, cabras pelo caminho e poucos carros na estrada. O céu está azul e o verde da aldeia da Castanheira prestes a aparecer. A professora de Biologia e Geologia, Ana Paula, está satisfeita com a aula ao ar livre. E com orgulho quando os alunos respondem correctamente às perguntas da guia. "É uma forma de trazer a escola ao meio." Joana Vieira, uma aluna, concorda. "É sempre bom ver a matéria que aprendemos na aula, termos a noção real do que estudamos ao vivo". E surpreendida com as trilobites. "Não sabia que havia tão grandes e em tão grande número em Portugal." Ana Beleza encontrou um quartzo para levar para casa. "É interessante porque desenvolvemos o nosso conhecimento."
E está quase na hora de ver as pedras parideiras, baptizadas assim pelos primeiros observadores, gente da terra sem qualquer conhecimento técnico, mas sempre com um baptismo na ponta da língua. Neste caso, é perfeito e alimenta a curiosidade sobre as pedras que se soltam de uma rocha maior e que deixam a marca do sítio onde estão há mais de 300 milhões de anos. E há mesmo um mito relacionado com a fecundidade que leva inúmeros casais a querer uma pedra para colocar debaixo do travesseiro. Hoje as parideiras estão protegidas por uma rede. A contemplação é apenas para os olhos e não para as mãos. Mas não há qualquer parto neste fenómeno. As pedras soltam-se por um processo de erosão diferencial. É só isso. Regina Santos já as tinha visto há vários anos. "É uma coisa bonita da natureza." Mais palavras para quê?
Com todos, para todos
"O Geoparque Arouca não é só um local de estudo para geólogos: é muito menos uma ‘Disneylândia' para geólogos e muito mais um mecanismo, baseado na Geologia, que visa o desenvolvimento sustentado de toda a região, passando pela cultura, etnografia e culinária." Artur Sá, paleontólogo do departamento de Geologia da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, teve a ideia mas recusa-se a assumir sozinho a paternidade do geoparque arouquense. O "nascimento", sublinha, deve-se a um esforço conjunto de uma equipa científica com o apoio da câmara local. Ficou com o estatuto de coordenador científico do projecto.
E o que é que este geoparque tem de único? "Numa área tão pequena, tem uma grande diversidade geológica e ocorrências geológicas muito singulares, e está num espaço em que a natureza está bem preservada." Artur Sá está satisfeito com os resultados que começam a saltar à vista. O geoparque serviu de inspiração para o último Carnaval das escolas da região e os programas educativos têm sido bastante procurados. Desde o início deste ano, e até Junho, mais de 2.500 alunos visitarão o espaço. "É um projecto unânime da região, feito com todos e para todos."
António Carlos Duarte, coordenador da Associação Geoparque Arouca, destaca a "singularidade e raridade de alguns fenómenos geográficos do território". Há muito para evidenciar num programa que inclui 86 acções até 2013. Neste momento, já há muito para oferecer. "O visitante consegue viajar no tempo, aprender sobre o património natural, tudo ligado à natureza, à cultura, aos modos de vida da população". A criação de um centro de interpretação das pedras parideiras e de um museu geomineiro estão debaixo de olho da associação que gere o segundo geoparque português.
De forma a dividir um património extenso, a associação criou seis rotas turísticas de dois ou três dias, que permitem um percurso à medida. A rota Sentir a Natureza inclui um contacto com a paisagem da Serra da Freita, um percurso pedestre, visita às aldeias de Alvarenga, Noninha e ao monte de S. Pedro Velho e algum tempo numa praia fluvial no primeiro dia. Mais uma visita às aldeias tradicionais de Janarde e Meitriz e um passeio de kart cross ou em BTT pelas aldeias de Cortegaça, Regoufe, Drave e Covelo do Paivó no segundo. Para a rota À Descoberta dos Geossítios são necessários três dias para assimilar a excepcionalidade da geologia da região. Icnofósseis de Mourinha, miradouro do Detrelo da Malhada, marmitas gigantes do rio Caima, pedras boroas são alguns dos pontos desse percurso. Há lugar reservado ao saber, mas também aos sabores com a vitela arouquesa e o cabrito da Gralheira em cima da mesa. Há, portanto, uma rota dedicada ao fabrico e prova de doces conventuais, vinho, licores e compotas tradicionais.
Como visitar
Para uma visita guiada é preciso formar um grupo com o mínimo de oito pessoas. Cada grupo paga 70 euros por um dia e 35 por meio dia. Os pedidos devem ser feitos para o geral@geoparquearouca.com. O Geoparque Arouca está no site http://www.geoparquearouca.com/. Informações através do 256 943575 e 256 940220.
Como chegar
Do norte do país, sair da A1 em Santa Maria da Feira, ir em direcção a São João da Madeira, Vale de Cambra, passando por Nogueira do Cravo, Carregosa e Chão de Ave até chegar a Arouca. Do Sul, sair da A1 em Estarreja/Oliveira de Azeméis em direcção a Vale de Cambra.
Escolas
O Geoparque de Arouca também está disponível para ir às escolas com seis sessões temáticas, planificadas consoante o nível de ensino, do pré-escolar ao secundário. Hora e meia de abordagens sobre o território a cargo de uma equipa técnica. Cada sessão custa 20 euros, mais despesas de deslocação se a viagem ultrapassar os 50 quilómetros.
Onde comerA oferta é variada e os restaurantes de Arouca e das aldeias das redondezas estão preparados para colocar no prato a afamada vitela arouquesa. Parlamento (256 949604) e a Tasquinha da Quinta (256 944080) são dois dos mais típicos no centro histórico da vila.
Onde ficar
Na Casa de Cela (91 9445818) se preferir turismo de habitação. No único hotel de Arouca, no S. Pedro (256 944580) de três estrelas. Ou no Parque de Campismo do Merujal (256 947723) em contacto com a natureza da Serra da Freita.