Fugas - Viagens

Joaquim Magalhães de Castro

Quénia: a asiática Mombaça

Por Joaquim Magalhães de Castro

Joaquim Magalhães de Castro está em viagem por cada uma das 27 maravilhas de origem portuguesa. Esta semana escreve-nos sobre a Fortaleza de Jesus, nas imediações da qual encontrou dois homens com apelidos portugueses

Poderia começar por me deixar inebriar pelo cheiro intenso a caril e a incenso, mas opto por me concentrar nos riquexós motorizados e na mole humana, de diferentes raças e credos, que se acumula à entrada desta península que já foi ilha.

Mombaça, velhinho entreposto frequentado pelos comerciantes do mar Arábico e da África subsariana, é hoje patrulhada pelos barcos da NATO que dão caça aos cada vez mais atrevidos piratas somalis.

Ancorada no mesmo porto onde acostam os “ferries” de passageiros está uma fragata de guerra espanhola.

Aqui não é mais a África, antes uma mistura de realidades asiáticas pontilhada por uma população negra considerável, mas sem grande peso na economia local, dominada pelos árabes e indianos, sem esquecer, claro, os sempre presentes lusodescendentes.

“Sou o Fernandes e este é o meu amigo Joseph Souza.” Esta afirmação, feita assim, de rompante, poderia ser gratuita. Mas não é. O indivíduo que me aborda não tem a mínima ideia de onde venho. Está sentado numa esplanada em frente ao forte construído pelos portugueses em 1593, décadas depois de Nuno da Cunha ter mandado arrasar a bela cidade que fora visitada, ainda no século XV, por Pêro da Covilhã. Jesus de Mombaça foi a primeira fortificação levantada de raiz na costa oriental de África.

Confirmados os nossos laços genéticos e porque não? culturais, os amigos Fernandes e Sousa oferecem-se para me dar todo o apoio de que necessite, e insistem para que, após Mombaça, visite as ilhas de Lamu, a norte de Melinde, outro importante posto ligado à nossa passagem. “É um paraíso, e também tem um forte. Se lá for, dificilmente terá vontade de deixar o local”, assegura Sousa.

À nossa frente, o amarelo-torrado da fachada do Fort Jesus como é agora conhecida esta estrutura reabilitada com dinheiros da Fundação Calouste Gulbenkien contrasta com o azul intenso do céu.

Situada junto a um porto de águas profundas, assente no coral e numa escarpa semeada de magnólias que lhe emprestam o seu perfume, a fortaleza caiu em poder do sultanato do Omã em finais do século XVII, passando depois, de sultão em sultão, para mãos inglesas, e daí à independência, já no século XX.

“Pode fotografar à vontade. O seu país ajuda a preservar este monumento, que é o mais importante do Quénia. E nós estamos muito gratos por isso”, encoraja o guarda do museu.

No interior, algumas das construções capela, paiol e armazéns estão ainda em bom estado, e foram resgatadas umas interessantes pinturas murais representando caravelas e naus, soldados, peixes e uma espécie de camaleão, naquilo que se pode considerar como uma primitiva forma de banda desenhada.

Mombaça não é África, mas o caminho que é preciso percorrer para aqui chegar, esse sim, é africano, puro e duro. Desde que deixei Quiloa as etapas contabilizaram uma média diária de 400 quilómetros. Foi assim de Quiloa a Dar Es Salam com as habituais paragens para fornecimento de peixe frito e a preciosa ajuda de Jonas Wairimu, um vendedor de “trelas” (assim se designam os atrelados para tractores em swahili), que me tratou como se eu o fosse o seu irmão mais novo, e da capital tanzaniana a Tanga, que não era ainda a fronteira, mas ficava perto.

Aí, finalmente dormi numa cama larga e tive por minha conta uma ventoinha que parecia querer levantar voo. É destas mesmo que gosto.

Agora, visitado que está o forte, regresso à África continental, observada através do vidro baço do autocarro. De um lado, a savana a perder de vista; do outro o perfil do Kilimanjaro e os parques naturais com os descarados babuínos que pacatamente atravessam a estrada e os fotogénicos masaai, esquálidos e de sandálias, dentro das suas vestes avermelhadas como o barro de que são feitas as minúsculas cubatas onde habitam.

O tráfego é intensíssimo. Não admira. Esta é a única via de acesso ao mar para países como o Uganda, o Burundi ou o Ruanda. Nairobi é, neste caso, a minha porta de saída.

Pelo ar.

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