Fugas - Viagens

Ana Cristina Pereira

Senegal: uma aventura solidária

Por Ana Cristina Pereira

Financiaram a construção de uma extensão de saúde numa aldeia do Senegal. Depois, foram lá fazer os acabamentos e a inauguração. Ana Cristina Pereira experimentou o turismo humanitário da AMI e viveu momentos de partilha com os habitantes de Parba e com os aventureiros. Quis ter uma experiência autêntica na África subsariana. Quis conhecer o Senegal tal como ele é. Quer um mundo melhor.

3 de Abril
A viagem

Há um passageiro clandestino: Zé Maria, mascote do Plano Integrado de Educação e Formação de Setúbal.

O fantoche viaja na mala de Nélia Silva. Convertê-lo em aventureiro solidário é uma forma de a professora transmitir valores aos seus alunos de percurso espinhoso.

Nélia soube da Aventura Solidária o projecto de turismo humanitário da Assistência Médica Internacional (AMI) pela revista “Saber Viver”. A bancária Helena Veríssimo soube pela RTP. As motivações delas não parecem divergir das dos outros 10 aventureiros.

A noite é longa longuíssima. O avião aterra às 2h00 no aeroporto Léopold Sedar Senghor de Yoff. À nossa espera, a chefe de missão, Isabelle Romão, e o responsável logístico, Luís Nobre. E alguns elementos da Association pour la Promotion Sociale en Milieu Rural et Urbain (APROSOR).

Um homem alto, de cabelos brancos, afasta o ruidoso assédio dos carregadores de malas. Abre caminho até ao miniautocarro. É Malick San, o fundador da APROSOR, parceiro local da AMI há 14 anos.

Temos à nossa frente uma viagem de três horas até Réfane, a 130 quilómetros de Dacar.

Malick agradece o contributo para o desenvolvimento de uma das zonas mais pobres do Senegal. Em vez de se enfiarem num “resort” a bronzear, os aventureiros financiaram a construção de uma extensão de saúde. Com isso, criam emprego e promovem um serviço de proximidade. Agora, vão “partilhar a alegria do povo” que o vai usar. “O povo agradecerá com as suas tradições.”

4 de Abril
Despertar

A energia inesgotável de Isabelle escancara-se às primeiras horas do primeiro dia. Nem fecha os olhos.

“Quem quer ir ao pão? Charrette! A charrete vai partir!”, grita às 7h30.

Os mais corajosos saltam das camas insufláveis, saem das tendas. Se não fosse o grito dela, seria o zurrar dos burros, que o informático Miguel Gomes até julgou ser um bramir de elefante.

O olhar abarca todas as tendas de lona montadas sobre o terreno arenoso. Lá ao fundo, balneários, sanitários. À esquerda, uma cozinha e um amplo alpendre convertido em sala de jantar e de estar. Espreita-se para lá do muro branco que protege o acampamento: palhotas, savana seca, burros, borregos, sacos de plástico. Daqui a nada, miúdos pendurados do outro lado do muro.

Quando a AMI chegou a Réfane, em 2007, a maioria da população nunca avistara um caucasiano.

Miúdos correram para casa a gritar que tinham visto gente de pele branca. Sempre que alguém da missão saía do acampamento, os miúdos gritavam: “Branco! Branco!” Noutras aldeias ainda gritam.

Aqui, já só espreitam por cima do muro. Esperam para ver sair. E riemse, posam para as câmaras fotográficas, pedem para ver o que mostram os pequenos ecrãs. Alguns estão malhados pela areia, como o miúdo de calções cor de laranja e camisola branca sem mangas.

Nunca estamos sós. No acampamento vivem dois seguranças. Quando há missões, o “staff” aumenta: quatro cozinheiras e duas empregadas de limpeza. Para todo o lado connosco vai pessoal da APROSOR.

A independência

Vamos ao mercado de Touba-Toul, o maior do Senegal. E somos convidados para as celebrações do Dia da Independência 4 de Abril de 1960. Oferecem-nos cadeiras de plástico dispostas debaixo de uma tenda. Vemos desfilar alunos de diversas escolas, homenagear antigos combatentes, discursar o chefe de Touba-Toul, vestido de roxo, de lenço laranja.

No centro de saúde de Touba-Toul, construído pela ONG Hilfe fur Senegal, acabam de nascer trigémeos. O pai puxa por nós. Os bebés, embrulhados em panos coloridos, dormem numa cama de corpo e meio. A mãe, de 31 anos, recupera do valente esforço na cama ao lado.

Vende-se tudo no caótico mercado que a cada sábado renasce. Com qualquer coisa se monta uma banca.

O homem de olhos profundos que hoje veste de azul e verde vende um par de sapatos, solas, pomadas. O homem de toalha azul na cabeça vende três cabritos.

Circulamos à vontade. Isabelle e Malick pediram autorização ao chefe da aldeia para esta incursão. E ele indicou-lhes quatro seguranças.

Há quem traga um rebanho inteiro. Há quem se ocupe com rodelas de ração. Um rapaz vende carne em cima de serapilheira. Um vendedor de turbante e óculos de sol tira leite a uma cabra. O calor aperta cada vez mais. Tanto que até há quem procure sombra debaixo de camiões.

Ao almoço, a publicitária Ana Almeida ainda pensa nos trigémeos: “Ainda tinham muco!” Mas essa imagem não tarda a ser apagada por outras. Parba, uma das 28 aldeias de Réfane, espera por nós. Homens tocam batuque, mulheres dançam.

Algumas entregam bebés ao colo das aventureiras, acabam por puxá-las para dançar.

5 de Abril
Mãos à obra

Dos chuveiros cai um fiozinho de água. O pão é da véspera. Nada que abale os aventureiros. Estavam preparados para pior. “Não estava à espera de ter um colchãozinho insuflável. Nem pessoas a cozinhar e a limpar. Julgava que íamos fazer tudo”, confessa Ana.

Saboreia-se o pão seco, o copo de leite em pó, a fruta adocicada. Às 9h30, Isabelle: “Tudo a mexer!”.

Ainda nem metemos mãos à obra e já quase criamos um incidente diplomático. Não resistimos ao embondeiro gigante que cresceu deitado. Paramos para a primeira foto de grupo. “Essa árvore é sagrada!”, grita uma criança. O embondeiro é um símbolo de África.

Cresce em zonas de savana onde a chuva é limitada. Dura centenas de anos. Alguns atribuem-lhe poderes mágicos.

Numa cultura tão distinta com a maior parte da comunidade a falar apenas wolof num instante se escorrega. O segurança do acampamento intercede. E a foto é autorizada. “Quando estamos com este velhote nada acontece”, comenta Luís. É muito respeitado na zona.

Equipam-se os voluntários para os trabalhos de pintura. A dentista Margarida Bessa até parece uma astronauta veste um fato de pintor, enfia uma touca, uns óculos enormes. Mais de três dezenas de miúdos ficam a ver pintar a extensão de saúde, sentados no chão alguns ao sol, alguns debaixo de uma árvore. A certa altura, até algumas cabras se aproximam. De vez em quando, Isabelle dá uma volta a apregoar: “Água! Língua! Dodot!”

As lutas

Dura a estação seca (Novembro a Maio). No interior do país, a temperatura atinge os 40 graus. O calor convida a uma sesta depois do almoço hoje “thiébou dieune”, um prato típico de peixe de rio.

A missão é pensada para satisfazer um equilíbrio entre horas de trabalho e imersão na cultura senegalesa. Às 16h00, com o calor já a amansar, regressamos à aldeia para ver lutas senegalesas. Encontramos mulheres e crianças sentadas em círculo. Temos lugar reservado à sombra.

Dançam rapazes. Desfilam lutadores de “lamb”. Cada qual dá inúmeras voltas, como que a tentar angariar adeptas. As mulheres riemse, batem palmas. E os lutadores assediam, pau nos dentes, fitas no corpo. “Nós já escolhemos!”, diz Margarida. Elegemos o rapaz de tanga vermelha.

Miguel é desafiado a lutar. Avança, descalço, para o centro. Sem dificuldade, vence o magro adversário. Dança um pouco.

Retoma o seu lugar, radiante. Sentese a estabelecer pontes entre culturas. Teve medo? “Não. Dúvida.

Há aquela sensação de não saber bem no que isto vai dar.” O presidente de Touba-Toul assinala a importância da extensão de saúde. Apela à população para usar e bem conservar esta alternativa à medicina tradicional (praticada pelos serins ou marabus). Discursa o chefe de Parba. Discursa o chefe de uma aldeia vizinha.

Parba acolhe à volta de 800 pessoas. A extensão de saúde mais próxima fica a quatro quilómetros imenso quando as distâncias se vencem a pé (muitas mulheres têm os filhos pelo caminho, de noite). O serviço beneficiará 1700 pessoas, a contar com aldeias vizinhas.

6 de Abril
Segunda demão

Os aventureiros começam por pintar as paredes exteriores de branco sujo.

O artista Cheibh Séye tem de pintar a preto as letras que orientarão os utentes. O edifício tem sala de observação, sala de atendimento, sala de partos, farmácia, casa de banho, sanitário.

Uma extensão é o primeiro grau da rede de saúde. Nem recebe apoio do Estado. A comunidade elege uma comissão de gestão para a apetrechar e gerir. Ela define os preços das consultas e dos partos, a percentagem a atribuir à parteira ou ao auxiliar de acção médica.

Fama, a directora da escola, será a responsável pela de Parba. Foi ela quem fez o pedido a Malick. A AMI verificou a pertinência. “A iniciativa tem de partir da comunidade”, explica Isabelle. O projecto só tem sentido na medida em que a comunidade sente falta dele e se envolve com ele.

Agora, Fama bate-se por instalações para a escola. Há buracos nas palhotas que servem de escola primária. Bancos agarrados a secretárias a ameaçarem desfazer-se viradas para quadros de lousa. Chãos de terra arenosa. Não há portas. De vez em quando, entram cabras.

Mulheres de barba

À tarde, mulheres com caras pintadas, algumas a fazer de conta que usam barbas, dançam e cantam em círculo. Trazem jóias, utensílios domésticos, pilões, alguidares, cestas. Cada dança tem o seu significado. Pedem saúde, pedem chuvas, pedem boas colheitas.

A aldeia está em festa. E isso sentese em cada rosto. Quando o folclore termina, aldeãs tomam o “palco”.

Formam-se pequenos grupos unidos pela roupa. Fama explica: “Vestem roupas iguais para criar harmonia.

Vestir roupas iguais é uma forma de fomentar igualdade entre elas.” Irrompe um homem com uma máscara, um andor. E rapazes com paus. Os tambores não se calam.

Chiuuuuuu! É uma dança iniciática.

A sério. Cada aldeia tem as suas. A de Parba coincide com a nossa visita.

“Estamos aqui há três dias. Parece um mês! É muito intenso!”, comenta o gestor Roberto Basílio, ao regressar ao acampamento. Pergunta-se se conseguira desligar-se. “Não é para desligar logo, é para levar um pouco de África no teu coração”, retorque Isabelle. Ups! Não há água. Nem electricidade.

7 de Abril
Fim dos trabalhos

O dia nasce e o acampamento continua sem água canalizada e sem corrente eléctrica regular. O gerador resolve um problema, os bidões, os baldes e os baldinhos resolvem o outro. Ninguém reclama. Até se brinca. Faz parte da aventura. Torna a higiene mais excitante.

Pintam-se as portas e as janelas da extensão de saúde. E toca a visitar uma escola “modelo” em Keur Ndiao. Dois edifícios térreos, cada um com duas salas, cada sala com uma turma que pode ter até 80 alunos. “Oitenta alunos é impossível!”, reage o professor universitário Eduardo Vítor.

Fama ambiciona uma escola com seis salas para dar pré-primária e primária a Parba e a três aldeias vizinhas. Nunca tal projecto poderá ser suportado por uma única aventura solidária. Cada aventura solidária angaria uns seis mil euros.

“A mão-de-obra é muito barata, os materiais são caros”, clarifica Isabelle. Terão de apresentar um projecto realista: três módulos, um por aventura solidária.

Reo Mao

Variação de tarefas. Separamos o material escolar trazido por estes aventureiros, enviado por aventureiros anteriores que entregaremos em Parba na cerimónia de inauguração.

Separamos o material médicofarmacêutico que esta tarde entregamos em Reo Mao.

Reo Mao não tem o encanto do intocado, como Parba. A segunda missão Aventura Solidária custeou a maternidade rural de Reo Mao, a terceira custeou o centro de nutrição e a quinta o centro de saúde. Os três equipamentos ficam uns ao lado dos outros, a tentar formar um. Ali, há um enfermeiro, uma parteira e um auxiliar de acção médica em permanência.

Na maternidade, um recémnascido tenta sobreviver. Na sala de observações, um homem com paludismo crónico; uma mulher com hipertensão. Ele está deitado em cima de uma cama apenas com um lençol por baixo. E ela está sentada em cima de uma cama, apenas com um trapo a servir de lençol. Estava a ver tudo a andar à roda. Mediram-lhe a tensão: 20/12.

Popa Bakory Bodji, o enfermeiro, aponta gráficos que desenhou em cartolinas e colou na parede. “Vai aparecendo de tudo, mas 80 por cento vem aqui por paludismo. As pessoas confiam muito na medicina tradicional. Às vezes, quando se viram para o centro de saúde ou hospital já é tarde.” A bancária Isabel Branco sai com o “estômago embrulhado”: “Uma pessoa vai a um centro de saúde e quer ser atendido logo; aqui nem há um médico, há um enfermeiro, as mulheres têm filhos numa cadeira que se está a desfazer”. Uma mesa de couro preto já roto, com uns ferros para a parturiente se agarrar.

8 de Abril
Aos tecidos

As aventureiras querem comprar tecidos para mandar fazer túnicas.

Desbravam caminho, no mercado de Réfane, entre batatas, tomates, beringelas, couves, abóboras, cenouras, mangas, especiarias, cebolas, fritos, gelados, pilhas, lâmpadas, colares, lãs, peixe-frito...

Os aventureiros apanham seca.

A primeira aventura solidária financiou a construção e o material de costura do Centro de Promoção da Mulher de Réfane. Passados dois anos, o chão está todo esburacado.

Cinquenta mulheres usam estas dez máquinas de costura. O costureiro responsável não terá dificuldade em encontrar quem satisfaça a encomenda das aventureiras, pequeno contributo para a economia local.

Lá fora é o centro, mas nem por isso a estrada levou alcatrão. Miúdos entusiasmam-se com a visita. Uns penduram-se nas janelas. Alguns encostam-se a um estabelecimento minúsculo com um toldo de livraria, apesar de lá dentro só haver uma arca com gelados de gelo.

Da mesquita à câmara

Aventureiros anteriores aproveitaram esta tarde para visitar a imponente mesquita de Touba.

Foram enxotados. Agora, a equipa da AMI não quer arriscar. Em vez da de Touba, visitamos a de Réfane.

Touba é o centro sagrado. Nesta mesquita jaz Amadou Bamba, célebre evangelizador islâmico. Em 1887, Bamba fundou a irmandade Mouride, que enfatiza o trabalho físico como um caminho para a salvação espiritual. O seu discurso anti-colonialista conduziu-o ao exílio, do qual regressou em 1907. Por ele, todos os dias acorrem aqui peregrinos. A enchente ocorre 48 dias depois do ano novo islâmico, aniversário do dia em que Bamba regressou do exílio.

Vamos cumprimentar o presidente de Réfane talvez a água e a luz regressem. E o espanto solta-se de cada boca. Na sala da câmara, apenas duas velhas secretárias de madeira, quatro cadeiras pretas, duas filas de arquivos. O chão de cimento está esburacado; o tecto de zinco, manchado. Na sala ao lado da câmara, o infantário público (4 a 6 anos).

O infantário é uma sala com tapetes no chão e um quadro de lousa na parede, umas mantas deixadas ao acaso: as mantas deixadas ao acaso servem para cobrir o chão da palhota já cheia de falhas erguida no quintal a segunda sala de infantário. Na sala do edifício de cimento: 60 miúdos. Na palhota: outros 60.

Nunca mais um dos presentes dirá que temos serviços de terceiro mundo... Ainda atordoados, seguimos para um embondeiro gigante. E de lá, a pé, para o acampamento. Ouvimos batuque ao passar a aldeia. É uma festa de casamento. Festejamos um pouco com a noiva. A sentir que pormenores como estes tornam a aventura solidária uma experiência única.

9 de Abril
Festa

É dia de inauguração. Há uma excitação no ar. Temos de levar o material escolar para entregar, à frente de toda a gente, à directora da escola. E os “kits” que andamos a preparar ontem à noite para entregar a cada um dos alunos de Parba: um lápis, duas canetas.

Cheibh Séye ultima as letras no edifício térreo. O chefe de aldeia de Parba, que cedeu o terreno para a extensão de saúde, está deliciado.

Não é eleito. É o mais velho membro da família que fundou a aldeia. Gere conflitos de toda a natureza. Pode apelar à reconciliação de um casal que se quer divorciar. Pode interceder por uma rapariga que um pai quer forçar a uma casamento precoce. Pode intermediar a compra de um terreno.

Não tem orçamento. Isso é com o poder eleito. Há um plano de desenvolvimento local das 86 aldeias da comunidade rural de Touba-Toul.

Fez-se um levantamento das necessidades. E, em Parba, o que mais faz falta é a electricidade, uma extensão de saúde, uma escola condigna, uma casa de costura. A electricidade foi prometida a 17 aldeias esta é uma delas.

O material escolar é disposto numa mesa segura a bandeira de Portugal, a bandeira do Senegal, as duas bandeiras da AMI. Tiram-se fotos com os líderes locais. As mulheres dançam. Sucedem-se curtas peças de teatro amador. Os aventureiros retribuem com. uma canção das Doce e com o hino nacional. Vêm os discursos. E, surpresa, a entrega de diplomas aos aventureiros. De repente, diversas senegalesas oferecem lembranças às estrangeiras colares, vestes.

A festa empurra o almoço para tarde. E a noite traz outra festa.

Mesmo sem fermento, os aventureiros improvisam um bolo de aniversário com um conhecido creme de avelã com chocolate usado para barrar pão. Parabéns (para mim) em português, francês e wolof!

10 de Abril
Despedimo-nos do acampamento

Começa agora a parte turística da viagem. Hoje, Tiés, Lago Rosa.

Amanhã, ilha de Goreia, passagem por Dacar, jantar em Ngor. E embarcar, com a alma a transbordar.

Nélia estava muito contente por ter trazido o fantoche. Os miúdos de Parba adoraram Zé Maria. E agora os miúdos de Setúbal iam ver Zé Maria no meio deles e a pintar.

As motivações
Aventura e vontade de ajudar

Em todo o mundo, há quem esteja a trocar os roteiros turísticos óbvios pelo turismo de voluntariado. Em vez de hotéis, acomodações básicas. Em vez de paisagens idílicas, confronto com a pobreza extrema. O que procura e o que recebe quem embarca nestas aventuras? “Gosto muito de viajar, gosto muito de ajudar; não tive de perder férias para ajudar”, sintetizava o gestor Roberto Basílio, ao partir para o Senegal. “É bom para engatar miúdas dizes que vais fazer voluntariado para África e elas ficam impressionadas”, brincava o informático Miguel Gomes.

Não foi pelas miúdas. Miguel Gomes sonha fazer trabalho humanitário a tempo inteiro. Espreita as propostas de emprego anunciadas por organizações internacionais na Internet e pensa regressar à universidade. Veio tentar sentir um pouco o que seria essa vida com que sonha. E a simplicidade dos habitantes de Réfane tocou-o.

A partir do inquérito que submete aos aventureiros, a AMI identificou três tipos de razões. O “interesse em ajudar uma causa ou projecto”, a “vontade de conhecer a realidade de uma determinada zona do mundo”, o “desejo de contribuir com algo significativo para o mundo”. “Estar aqui é diferente de ver um documentário”, dizia a bancária Isabel Branco, já no balanço da aventura. “As coisas, ao vivo, assumem outra dimensão”. De repente, clique: “Dei por mim a valorizar um banho quente, uma fatia de pizza”. A perceber que muito do que dá por adquirido, afinal, é um privilégio..

“Não tinha noção da importância que esta pequena missão teria na comunidade”, corroborava a publicitária Ana Almeida. “Quando chegámos a Parba [a aldeia que recebeu a extensão de saúde] e vi toda a gente a acenar, a sorrir, vieram-me as lágrimas aos olhos”. Não foi a única.

“Cresci muito aqui”, anunciava Maria João, que se sentiu “honrada” pela forma como foi recebida. E pela forma como participara na vida da comunidade. O grupo viu recémnascidos embrulhados em camas de gente grande, segurou bebés, entrou numa festa de casamento, visitou uma cubata de um emigrante em Sevilha, conheceu postos de saúde, centros de promoção da mulher, conversou com quem quis...

Houve quem se tivesse enfadado com os discursos dos líderes locais.

Mas, explicou-lhes o sociólogo Eduardo Rodrigues, “os discursos são um momento épico”. “Interacção não é só dar beijos às criancinhas. É também partilhar o protocolo. O chefe da aldeia nunca teve uma cerimónia da importância desta.”

Três exemplos de turismo de voluntariado

Aventura Solidária - construir algo Senegal: Réfane, a 130 km da capital Dacar, com 22.000 habitantes distribuídos por pequenas comunidades rurais.

1890€, o que inclui bilhete de avião, transportes, alimentação, alojamento, seguro, actividades culturais e lúdicas, contratação do pessoal local que dará apoio, um donativo de 510€ para projecto local.

Guiné-Bissau: Ilha de Bolama, no Arquipélago de Bijagós, com 9382 habitantes.

2100€ , o que inclui bilhete de avião, transportes, alimentação, alojamento, seguro, actividades culturais e lúdicas, um donativo de 500€ para o projecto local.

Brasil: Município de Milagres, no Estado do Ceará, a 485 km da capital do Estado, Fortaleza, com cerca de 3000 habitantes.

2200€ (preço ainda provisório), o que inclui bilhete de avião, transportes, alimentação, alojamento, seguro, actividades culturais e lúdicas, um donativo de 500€ para o projecto local.

Fundação AMI - Assistência Médica Internacional Rua José do Patrocínio, 49 1959-003 Lisboa Tel. 218 362 100 Fax 218 362 199 E-mail: fundacao.ami@ami.org.pt Internet: www.ami.org.pt

Brigada Internacional de Trabalho Voluntário José Marti trabalhar no campo

Cuba: Guayabal, Caimito, Provincia de Havana, a 40 km da capital, Havana

Viagem Portugal/Cuba paga à parte. Custo da estadia: 385 pesos cubanos convertíveis (mais ou menos equivalente ao euro), o que inclui alojamento, alimentação, transportes, serviços médicos de urgência.

Objectivo: conhecer Cuba, participar nas jornadas de trabalho agrícola. O programa de 2009 integra visitas a lugares de interesse histórico, cultural e social, em Havana, em Villa Clara e em Matanzas; conferências e debates sobre a actualidade nacional e internacional.

Associação de Amizade Portugal-Cuba Rua Rodrigo da Fonseca Nº 107 , R/C Esq 1070-239 Lisboa Tef: 21 3857305 Fax: 21 3866558 Das 14h30h às 19h00 E-mail: aapcuba@net.sapo.pt Internet: www.aapc.com.sapo.pt

Programa Turismo Solidário faz o que sabes

Brasil: Vales do Jequitinhonha e Norte de Minas Gerais Parceria Secretaria para o Desenvolvimento do Vale do Jequitinhonha e do Norte de Minas Gerais (Sedvan), Ministério do Turismo, Sebrae e Fundação Banco do Brasil. Objectivo: Desenvolvimento local, atraindo para a região turistas que tenham interesse em colaborar com a comunidade.

Programa: o turista fica hospedado em casas de moradores locais credenciados pelo projecto.

Pode visitar rios, cachoeiras, sertões, parques, matas, saborear a rica culinária local, o folclore, contribuir para o desenvolvimento das populações da região. Pode, por exemplo, doar livros a escolas locais, dar aulas. Na área da saúde, pode dar consultas, dar palestras sobre temas diversos como educação sexual, higiene.

Na cultura e lazer, pode doar materiais, dar aulas, organizar jogos...

Contactos através do site: http://www.turismosolidario.com.br/

Mais programas

Em diversos países há organizações e agências de viagem que organizam o “volunteer tours”. Vasculhe Internet.

Voluntourism
http://www.voluntourism.org/inside.html

Volunteer Adventures
http://www.volunteeradventures.com/

I-to-I
http://www.i-to-i.com/

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