Fugas - Viagens

Bode Museum

Bode Museum Luís Maio

O santuário das artes de Berlim renovado

Por Luís Maio

O Neues Museum presta-se a reabrir portas, duas décadas depois da queda do Muro de Berlim. É a obra chave da requalificação da Ilha dos Museus, em curso desde a reunificação da Alemanha. A Fugas antecipa a inauguração e faz o balanço da ambiciosa operação de revitalização da ilha, que irá prolongar-se até 2026
A Ilha dos Museus (Museumsinsel) compreende cinco museus monumentais, construídos entre 1830 e 1930, encaixados em menos de um quilómetro quadrado de ilha. Objecto privilegiado da destruição e dos reveses que Berlim sofreu no século XX, a sua requalificação converteu-se por isso mesmo numa das prioridades da reunificação alemã.

Foi Frederico Guilherme III quem decidiu construir o Altes Museum, o primeiro museu público da Prússia. Paris já tinha o Louvre e Londres o British Museum. Era, portanto, altura de a Prússia recuperar o terreno perdido em matéria de instrução dos cidadãos através das artes. O local escolhido diz bem da importância da empresa: o Altes Museum veio ocupar o limite norte do emblemático Lustgarden (Jardim do Prazer), mesmo em frente ao Palácio Real, entre a Catedral e o Arsenal.

Pouco tempo depois da abertura, no entanto, já o Altes (Velho) Museum se revelava exíguo para expor as colecções procedentes da casa real e de vários coleccionadores, constantemente enriquecidas por novos achados do Mundo Antigo, escavados com dinheiros prussianos. Daí a decisão histórica, tomada pelo Frederico Guilherme seguinte (IV) de reservar toda a área do Altes até à ponta norte da ilha para um futuro "Santuário das artes e das ciências". O Neues abriu em 1859, seguindo-se-lhe a Alte National Galerie em 1875, o Kaiser Friedrich Musem (hoje Bode Museum) em 1904 e finalmente o Pergamon Museum, que inaugurou no centenário da fundação do complexo. Arquitectos de nomeada foram chamados para assegurar a qualidade dos edifícios, numa Ilha de Museus que é também uma cidade de templos.

Projecto ambicioso e inédito na época, a Ilha de Museus acabou por se revelar uma fórmula de sucesso, servindo de protótipo para a criação de bairros das artes noutras cidades, como South Kensington, em Londres, e o Paseo das Artes, em Madrid. Pouco depois da conclusão das obras, no entanto, a Ilha dos Museus entrou num período de agonia com a implantação do Terceiro Reich, que subtraiu ao Lustgarden a sua fonte emblemática (para facilitar as paradas) e aos museus boa parte das suas colecções de "arte degenerada". Piores foram as bombas da II Grande Guerra, que destruíram perto de um terço da Ilha dos Museus, e a circunstância de ela ficar do lado da RDA depois da divisão de Berlim só veio piorar as coisas. Obras urgentes logo depois da guerra nunca foram lançadas, enquanto uma parte substancial das colecções seguiu na bagagem das tropas soviéticas, que demoraram ou nem chegaram a devolvê-las.

A queda do Muro de Berlim converteu a requalificação da Ilha dos Museus numa das prioridades da Reunificação da Alemanha. Os edifícios precisavam de ser renovados e as colecções de ser reorganizadas, para responder a critérios expositivos actuais e às exigências do turismo de massas (prevêem-se quatro milhões de turistas anuais). Concursos e obras mais urgentes avançaram de imediato, mas faltava um plano director que unificasse as intervenções. Foi ultimado em 1999, ganhando um impulso extra com o quase sincrónico anúncio da classificação da Ilha dos Museus como património da UNESCO. O plano contou com um orçamento de mil milhões de euros e envolveu todos os arquitectos seleccionados para as renovações dos museus, sob a liderança do britânico David Chipperfield, também responsável pela intervenção no Neues Museum.

De David Chipperfield são os projectos de duas novas infra-estruturas, essenciais para converter a Ilha dos Museus numa atracção do século XXI: um prédio de acesso a todo o complexo, que acolherá também serviços tipo cafés e lojas, e um passeio central a ligar os museus entre si. O edifício de acesso será fronteiro ao Neues Museum e estará na linha de composição do moderno com a arquitectura do passado ensaiada pelo arquitecto inglês na vizinha galeria Am Kupfergraben 10, ou na própria renovação daquele museu. Já o passeio central, também chamado "passeio arqueológico", será subterrâneo e apresentará exposições temáticas, que porão em equação peças dos vários museus. O primeiro acesso ao passeio arqueológico foi construído no Bode Museum, o do Neue Museum também já está pronto, sendo de prever que a obra esteja completa dentro de cinco anos.

O problema do costume é o dinheiro ou a falta dele, sobretudo quando as finanças do estado de Berlim entraram na bancarrota em 2002 e é o estado federal que suporta todos os encargos da renovação da Ilha dos Museus desde então. Do mal o menos, como disse à Fugas Dietrich Wildung, curador do Museu Egípcio (e autor de vários livros Taschen sobre arquitectura no Antigo Egipto): "Quando eu vejo a situação de aflição em que a actual crise financeira colocou os museus privados, em particular os americanos, não posso deixar de me sentir satisfeito, porque pelo menos a Ilha dos Museus tem o financiamento garantido até 2026" (data prevista para a conclusão das obras de renovação dos cinco museus).

Neues Museum volta a abrir portas

O Neues Museum reabre em Outubro próximo, antecedendo as comemorações de duas décadas passadas sobre a queda do Muro de Berlim. É um acontecimento carregado de simbolismo, na verdade a pedra de toque de toda a operação de reabilitação da Ilha dos Museus. Porque a construção do Neues (Novo) Museu foi o passo decisivo para a criação de um "Santuário das artes e das ciências" à beira do rio Spree. Mas também e sobretudo porque este foi o edifício mais seriamente danificado pelos bombardeamentos da II Grande Guerra, o único que nunca reabriu, permanecendo em ruínas desde 1945. Por isso também a sua recuperação, orçada em 233 milhões de euros, se apurou especialmente problemática, morosa e controversa.

O concurso para a reconstrução foi ganho, em 1994, pelo italiano Giorgio Grassi, mas a direcção dos Museus Nacionais de Berlim não concordou, preferindo o projecto mais radical do norte-americano Frank O. Ghery. As coisas não avançaram até um novo concurso ser ganho pelo inglês David Chipperfield, segundo classificado do primeiro concurso. Em discussão estava se deveria produzir-se um duplo do original de August Stuller, adicionar-lhe ou mesmo substituí-lo por um edifício moderno de raiz. Chipperfield foi, por outro lado, desenvolvendo um modelo mais complexo de relação com as ruínas.

Nos lugares em que o edifício estava razoavelmente conservado, optou por devolvê-lo à sua forma original, mas onde só restavam fragmentos resolveu conservá-los assim mesmo, em ruína. Já nos lugares onde o restauro era impossível, construiu de novo, mas respeitando as qualidades espaciais e volumétricas da arquitectura original. Um dos principais atractivos da reabertura do Neues Museum que já teve uma antestreia com 30 mil visitantes, em Abril residirá certamente em descobrir o que é novo e o que é de origem e apreciar a pluralidade de modalidades em que as duas coisas se combinam.

A monumental escadaria central do edifício, totalmente destruída pelas bombas, recuperou a configuração que Stuller primeiro lhe conferiu. Mas foi reconstruída por Chipperfield numa mistura luminosa de betão e poeira de mármore, que contrasta com o escuro do novo telhado de carvalho. Já dos frescos que antes cobriam as paredes só ficaram os fragmentos que sobreviveram à guerra, deixando o revestimento de tijolo à mostra. Dos dois pátios interiores, o grego ficou vazio e desnudado, à excepção do friso que anuncia a queda de Pompeia, ao passo que o egípcio tem agora uma espécie de terraço, que remete para o famoso mausoléu desenhado por Friedrich Gilly, mestre de Schinkel. As soluções são tantas quanto os casos e a aproximação de Chipperfield assemelha-se mais à de um escultor que à de um arquitecto convencional.

Na sua intervenção sobressai a ideia de conservar os fragmentos de arquitectura remanescentes do Neues como uma espécie de ruína romântica do século XIX. Desta forma, o edifício, ou o que dele resta, torna-se ele próprio um objecto arqueológico. Tem tudo a ver, afinal, com um museu dedicado aos artefactos da Pré-História, dos Primórdios da História e do Antigo Egipto, onde a estrela que mais brilha é o famoso busto de Nefertiti (seja ou não verdadeiro, como agora tanto se discute). Já se sabe que o Passeio Arqueológico passará no novo piso subterrâneo do Pátio Egípcio, onde haverá uma exposição permanente sobre o tema da vida depois da morte, incluindo sarcófagos egípcios e peças dos inícios do cristianismo.

Alte National Galerie e Bode Museum remodelados

A precisar de obras urgentes, a Alte National Galerie foi o primeiro edifício recuperado na Ilha dos Museus. Um belíssimo prédio neoclássico de três pisos, assente num plinto de 12 metros de altura, foi restituído ao seu esplendor original sob a direcção do arquitecto HG Merz. Reaberto em 2001, exibe pintura e escultura desde o século XVIII aos inícios do XX com especial incidência na produção germânica desse período. Está particularmente bem fornecido de obras do génio do romantismo Caspar David Friedrich, um conjunto de 14 quadros onde se destaca o sensacional "O monge e o mar". Também representados com algumas das suas criações mais célebres estão Menzel, o mestre da luz do realismo alemão, e Arnold Bockin, um dos mais destacados expoentes do simbolismo.

Outra operação de renovação já concluída é a do Bode Museum, que reabriu em 2006. Também aqui se tratou de restaurar um edifício majestoso, mas que na sua pompa neobarroca destoa um pouco do postal neoclássico do conjunto e por isso na altura foi muito criticado. Hoje, pelo contrário, é uma das vistas favoritas do ócio berlinense e as esplanadas que lhe servem de miradouro do outro lado do rio são muito concorridas, sobretudo no Verão. São mais populares certamente que os salões, quando as colecções de Arte Bizantina, Numismática e sobretudo de Escultura que documentam profundamente a história desta arte desde a Antiguidade tardia até ao Barroco são preciosas, mas não fazem hoje o género de arte que atrai multidões. Melhor para quem o visita, que pode ter só para si ou quase obras tão deslumbrantes quanto "A Bailarina", de Canova, "Mater Dolorosa", de Pedro Rondán, ou os altares de Tilman Riemenschneider, o mestre de Wurzburgo.

Pergamon Museum e Altes Museum até 2026

Falta agora renovar o Altes e o Pergamon, o primeiro e o último dos museus edificados na Ilha. As obras do primeiro arrancam para o ano que vem, a fachada do segundo já está em estaleiro, mas os dois persistem (por enquanto) abertos. O Pergamon é o museu mais popular do complexo, aquele onde os autocarros despejam os turistas, o que se justifica pela grandeza e celebridade das obras exibidas, onde se destacam peças de arquitectura de grande escala do Egipto, da Grécia, da Ásia Menor e do Islão. Tesouros da ordem do Altar de Pergamon, a porta do Mercado de Mileto, a porta de Ishtar (Babilónia) e a fachada do Palácio de Mshatta da Jordânia. A presente intervenção, a cargo de Osward Mathias Ungers, contempla a renovação, mas também a conclusão do Pergamon ou melhor, a construção da quarta ala, prevista no projecto inicial de Alfred Messel.

O Altes, já de sabe, é a obra-prima de Karl Friedrich Schinkel, o mais destacado expoente do neoclassicismo germânico, que o projectou como uma versão berlinense do Panteão de Roma. Alberga a colecção de Antiguidades Clássicas, um vastíssimo sortido de peças de arte e de artesanato dos gregos e dos romanos, incluindo desde estatuetas a vasos e joalharia. A não menos preciosa colecção de arte etrusca virá juntar-se-lhes, depois da renovação.

Humboldt-Forum em construção

A Ilha dos Museus vai ter um novo museu. Mas não será só um museu e em termos de polémica já superou todas as reconstruções presentes e futuras. Começamos por dizer que o Altes foi o primeiro museu da ilha, construído na "praça do poder" prussiano, mesmo em frente ao palácio real dos Hoenzollern, inaugurado em 1698. Pois os comunistas decidiram derrubar este símbolo do militarismo prussiano, em 1950, e construir no local o Palast der Republik (o Palácio da República), típico edifício modernista ao estilo soviético, que em 2003 se descobriu estar contaminado por asbesto. Tinha de vir abaixo e das várias opções sobre a mesa a que colheu mais votos foi a reconstrução do palácio prussiano. O concurso foi ganho pelo italiano Franco Stella e também prevê um pátio de comunicação do novo edifício com a vizinhança, invocando os Uffizi de Florença.

Em qualquer caso, o novo-velho palácio irá abrigar o Quai de Branly de Berlim, ou seja, um museu com colecções de arte e artesanato de África, Ásia, Américas e Oceânia, mas não só. Irá conviver com a livraria central de Berlim e a exibição das colecções científicas da vizinha Universidade Humboldt. Esta foi fundada por Wilhelm von Humboldt, filósofo, linguista e pedagogo, que esteve directamente ligado à organização das colecções da Ilha dos Museus. Mais célebre internacionalmente ficou, porém, o seu irmão mais novo: Alexander, um dos maiores exploradores e naturalistas de sempre. Ao invocar o nome de família dos Humboldt, a nova instituição vem relançar o ideal partilhado pelos irmãos (e, afinal, profundamente alemão) de um saber sem fronteiras, feito de cruzamentos da arte, da cultura e da ciência. A inauguração será algures em 2013.

Como ir

A Easyjet liga Lisboa e Berlim às segundas, quartas, sextas e domingos. O avião sai de Berlim às 15h30 e chega a Lisboa às 18h10. Volta a sair de cá pelas 18h40 para aterrar na capital alemã às 23h05. Preço mínimo de 70,99€, já com taxas. Do aeroporto de Shoenefeld ao centro da cidade, de metro, são cerca de 40 minutos e a viagem custa 2,80€.

Onde ficar

Os hotéis e restaurantes que se seguem ficam no Mitte, o mesmo distrito em que se encontra a Ilha dos Museus.

Lux 11
Rosa-Luxemburg Str 9-13
Tel.: +49 309362800
http://www.lux-eleven.de/
Duplos desde 100€

Westin Grand Berlin
FriedrichStr. 158-164
Tel.: +49 302027/0
http://www.westin-grand.com/
Duplos desde 130€

NH Berlin Friedrichstr.
Friedrichstr. 96
Tel.: +49 30206266
http://www.nh-hotels.com/
Duplos desde 99€

Onde comer

Borchardt
Franzosische Str. 47
Tel.: +49 3081886262
Cosmopolita

Lebensmittel in Mitte
RochStra. 2
Tel.: +49 3027596130
Típico alemão

Dolores
Rosa-Luxemburg Str. 7
Telefone: +49 3028099597
Comida rápida

A Fugas viajou a convite da Easyjet e beneficiou da tarifa especial para jornalistas no NH Berlin

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