Fugas - Viagens

António Sá

Namíbia: a singular experiência africana

Por António Sá

Manadas bíblicas em peregrinação, um deserto que parece não ser tão desértico quanto isso, bandos de flamingos e outras aves aquáticas. António Sá encontrou a "África de sempre" numa das suas incursões pela Namíbia.

Leões-marinhos, girafas, pinguins e elefantes fazem parte do mais improvável rol faunístico de um só país. Mesmo para quem está habituado a destinos de natureza, a Namíbia é um caso raro, com tanto de insólito como de belo. Ao contrário da vizinha África do Sul, onde estas espécies também coexistem, aqui elas podem ser observadas num contexto muito mais invulgar desértico, silencioso, imenso. Um território onde até a presença humana, escassa, se converte numa curiosidade.

Sempre que o nevoeiro toma conta da costa sudoeste do continente africano, um importante acontecimento passa quase despercebido aos olhos menos conhecedores. Algures nas gigantescas dunas, um escaravelho esforça-se por ficar imóvel, enquanto a humidade ambiente vai condensando na sua carapaça. À medida que as gotículas engrossam, o insecto procura orientar-se de acordo com a pendente; depois, inclina ligeiramente a parte posterior do corpo e deixa a gravidade fazer o resto. Num ápice, a água desliza pela brilhante queratina até à boca, resolvendo assim uma das necessidades vitais deste pequeno habitante do Namibe.

As formas de vida no mais antigo deserto do mundo não são abundantes, mas pelo menos tiveram tempo para se adaptar às condições de extrema secura que dominam esta faixa costeira com cerca de dois mil quilómetros. No Parque de Namib-Naukluft, por exemplo, a vegetação é quase inexistente. Tudo o que se vê é um mar de dunas espantosas que começa na rebentação atlântica e se prolonga para leste numa largura média de 150 quilómetros. Para se alimentar, os pequenos escaravelhos têm de confiar nos pedaços de plantas que os ventos trazem das regiões interiores, e que fazem de cada folha ou rebento um autêntico festim. Segundo a inexorável lei natural, insectos saciados significam alimento para outros seres vivos, como é o caso de várias espécies de répteis e até de uma curiosa toupeira das dunas, que mal se distingue da cor da areia e até do seu próprio predador: a raposa do cabo. Mas a cadeia alimentar não se resume a este punhado de criaturas; sempre que surge um estrato arbustivo ou afloramento rochoso, ela alarga-se também a hienas, gazelas, leopardos e ao peculiar órix, símbolo do país.

De repente, o deserto já não parece assim tão desértico.

Seguindo para norte, pouco acima das localidades de Walvis Bay e Swakopmund, o ribombar das vagas sucumbe temporariamente à inusitada cacofonia de leõesmarinhos.

Cape Cross, o lugar exacto onde em 1486 Diogo Cão se tornou no primeiro europeu a pisar este solo, é uma impressionante colónia habitada por milhares destes palmípedes, cuja ocorrência, a tão pouca distância do Trópico de Capricórnio, se deve às águas gélidas impulsionadas pela Corrente de Benguela. Este mesmo fenómeno possibilita também a vida aos pinguins que nidificam nos ilhéus de Diaz Point (topónimo em homenagem à passagem de Bartolomeu Dias), junto à fronteira sul-africana, e está na origem dos nevoeiros que trazem a crucial humidade às dunas do Namibe.

O resto desta imensa faixa Atlântica, até ao ponto onde as águas do rio Kunene marcam a fronteira com Angola, leva o nome pouco auspicioso de Costa dos Esqueletos. É o mesmo deserto, só que talvez ainda mais desolador. Durante séculos, aos náufragos que sobreviviam às águas gélidas, restava-lhes a cruel sorte de morrer numa terra quente e seca.

Mas para os modernos viajantes, com suficientes reservas de água a bordo de pick ups e jipes, esta pode muito bem ser uma paisagem extraordinária. Progredindo para o interior, as dunas onde jazem carcaças de inúmeros navios dão sucessivamente lugar a uma planície pedregosa e a montanhas que certamente não destoariam em Marte, incluindo o maciço de Brandberg, onde se situa o ponto mais alto da Namíbia (2573m). É uma região de solos vermelhos, pontuada de florestas petrificadas, pinturas rupestres deixadas pelo povo San (bosquímanos), e pela estranhíssima Welwitschia mirabilis -uma planta considerada fóssil vivo, com apenas duas folhas e uma longevidade estimada em mais de mil anos.

Apesar da escassez de água e da paisagem inóspita, esta é, estranhamente, uma zona de ocorrência de grandes mamíferos caso do rinoceronte negro e do elefante -que podemos ver surgir detrás de grandes penedos: uma visão que baralha de vez qualquer esboço do nosso imaginário africano.

Para reorganizar as ideias, contudo, a Namíbia também sabe oferecer cenários mais convencionais de savana e prados verdejantes, como por vezes acontece ao longo do planalto central onde se situa a capital, Windhoeck, ou na acarinhada jóia da vida selvagem que é o Parque Nacional de Etosha.

Apesar de boa parte da sua área ser ocupada por uma enorme depressão desértica e salgada -equivalente à superfície da Bélgica -, não faltam aqui acácias, diversas espécies de arbustos nem o rol de herbáceas que alcatifa todos os recantos da planície em volta, sobretudo após os sazonais aguaceiros tropicais. É nessa altura que aparecem os bandos de flamingos e outras aves aquáticas, que vêm fazer companhia a uma já extensa lista de residentes: leão, leopardo, chita, zebra, girafa, rinoceronte, elefante, gnu, e uma série de gazelas e antílopes...

Quem veio à procura da “África de sempre”, terá não só a garantia de ter encontrado um Éden -com manadas bíblicas em peregrinação para os pontos de água -mas também uma pátria partilhada por tribos da nossa própria espécie. San, Herero, Kavango, Damara, Ovambo, Nama e namibianos brancos, entre outros, formam uma população multirracial de apenas milhão e meio, que procura o equilíbrio de uma existência em paz, num país a poucos meses de cumprir 20 anos de independência. Como a faixa suspensa à saída do aeroporto, apetece dizer: “Welcome to Namíbia”.

Como ir

A South African Airways (www.flysaa.com) tem voos de Lisboa para Windhoek, via Joanesburgo.

A partir da capital existem voos regionais que ligam as principais cidades do país. As estradas são geralmente boas, incluindo as que não são asfaltadas, e podem ser percorridas sem problemas por veículos normais. Um dos meios de transporte mais populares entre os turistas estrangeiros são os todo-o-terreno equipados com ar condicionado e preparados para uma viagem ao longo do país, com tendas, colchões, um pequeno frigorífico e outras comodidades.

Onde ficar

O tipo de alojamento mais comum por todo o país, quando nos encontramos fora das cidades, é o “lodge”. Dos mais simples aos requintados, oferecem todas as comodidades que se pode esperar de um hotel, embora com as limitações decorrentes do isolamento e da própria categoria do estabelecimento. No Parque Nacional de Etosha a oferta é variada, com “lodges” que oferecem alojamento entre os 60€ e os 260€ por pessoa/noite. Pode consultar uma lista com várias opções em www.e-gnu.com/african-safariaccommodation/ etosha.html.

Localizado a poucos quilómetros de Windhoek, o Auas Game Lodge é uma reserva privada que oferece um primeiro contacto com a vida selvagem. Tel.: (264) 61 240 043; www.auas-lodge.com. O Twyfelfontein Country Lodge oferece uma excelente vista sobre a savana, com um cenário ímpar mesmo enquanto se está a jantar. Tel.: (264)61 374 750; www.namibialodges.com/twyfelfontein.htm

A visitar

A Namíbia é um país vasto e, contrariamente a muitos outros estados africanos, tem paisagens bastante distintas e pontos de interesse dispersos por toda a sua área. No entanto, há zonas que se destacam.

Deserto do Namibe: incluindo as dunas mais altas do mundo, em Sossusvlei, a colónia de leõesmarinhos de Cape Cross e a Costa dos Esqueletos Parque Natural de Etosha: o local com maior concentração de vida selvagem do país, de visita obrigatória Rio Kunene: região habitada pelo povo Himba, onde podem ser vistas as belas cataratas de Epupa e animais como o crocodilo Faixa de Caprivi: uma zona que começa a tornar-se popular entre os viajantes, onde se encontra a paisagem mais luxuriante do país devido à existência de vários rios, como o Okavango, o Zambeze e o Linyandi Fish River Canyon: um impressionante desfiladeiro com cerca de 160 quilómetros de comprimento e 27 de largura Cidades: Swakopmund, uma agradável estância balnear; Luderitz, embora afastada das rotas principais, conhecida pela sua bem preservada arquitectura colonial; e Windhoek, pelo seu ar cosmopolita, aspectos históricos e colorido, no que toca tanto a edifícios como a gentes.

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