Fugas - Viagens

Sergei Chirikov/Reuters

Kremlin, no coração da Rússia

Por Andreia Marques Pereira

Nos últimos oito séculos, o Kremlin foi o palco das glórias e das tragédias russas. Mais do que o centro da vida política, cultural e espiritual, o Kremlin é o coração mítico da “mãe” Rússia.
Uma imagem comummente utilizada para exprimir a importância que o Kremlin tem para a Rússia é a da matrioska, a tradicional boneca russa: se se pensar na matrioska-Rússia, a última figura, a figura sólida, seria o Kremlin, que estaria contido dentro da boneca Moscovo. Foi mais ou menos isto que pensou Napoleão quando, no início do século XVIII, partiu à conquista da Rússia. Apesar de a capital do império ser na altura São Petersburgo, o seu objectivo final era Moscovo: porque conquistar São Petersburgo, dizia, é atingir a cabeça da Rússia; conquistar Moscovo é atingir o seu coração - e o coração de Moscovo é o Kremlin...

Na verdade, várias cidades russas têm kremlins (fortalezas). No entanto, apenas o Kremlin moscovita dispensa sobrenome. Em todas as paragens do mundo “Kremlin” é sinónimo de Rússia. É sinónimo do estado e do poder russo. Mas o Kremlin não é só o centro do poder político da Rússia, é também o seu centro histórico, espiritual e cultural (e o que é que faz um coração?). Afinal, nos últimos oito séculos toda a Rússia passou pelo Kremlin, que foi (e é) o palco de toda a glória e tragédia do país que foi império, república-de-sovietes-e-superpotência e é agora uma federação à procura de (nova) identidade.

No site oficial do turismo russo, o Kremlin é descrito como o “refúgio mítico da Rússia”, uma cidade “encerrada em si própria” com uma “multitude de palácios e igrejas” (podia acrescentar-se jardins, praças...) - “uma fortaleza medieval que une a nação moderna ao seu passado lendário”. Um museu-vivo, portanto, que guarda uma ideia de alma russa no interior de muralhas com 2,5 quilómetros de comprimento, 19 metros de altura e 6,5 metros de grossura em alguns pontos. E este é um estranho contraste - o das imponentes e maciças muralhas de tijolo vermelho com a atmosfera de história de encantar que emana do conjunto de palácios e catedrais de cúpulas douradas em forma de suspiros gigantes (que parecem sintetizar o espírito da Rússia. Um contraste que, involuntariamente, recorda que os contos de fadas também têm passagens negras. E o Kremlin, como centro do poder russo, residência de czares e sede da Igreja Ortodoxa Russa teve doses generosas de cada.

O “primeiro” Kremlin era uma fortaleza de madeira, construída no século XII no ponto estratégico de confluência dos rios Moscovo e Neglinnaya. O Kremlin como hoje o conhecemos só começou a ser desenhado mais de três séculos depois, no reinado de Ivan III, o Grande - e nesta altura já tinha estatuto de residência dos governantes. Para a renovação, o czar chamou arquitectos italianos, que fizeram um breve périplo pelo país e criaram no Kremlin uma síntese de estilos russos com algumas influências renascentistas - ao longo dos séculos, outros edifícios foram sendo acrescentados, pois os governantes russos usaram a construção no Kremlin como símbolo do poder e riqueza da nação (e deles próprios).

No século XVIII, o Kremlin viu-se despojado do seu estatuto como residência permanente dos czares, quando Pedro, o Grande, transferiu a capital do império para a recém-criada (e ocidentalizada) São Petersburgo. Porém, manteve-se como o local para a realização das mais importantes cerimónias do império - a última das quais foi a celebração dos 300 anos da dinastia Romanov, em 1913 - e continuou a ser palco da coroação dos czares.

Depois de 1917, com a Revolução de Outubro e a chegada ao poder dos bolcheviques, a capital voltou a Moscovo e o Kremlin voltou a ser (também) o centro da vida política do país e casa das suas instituições mais importantes - embora tenha visto parte do seu património destruído, durante a década de 30, às mãos dos ideais revolucionários. Actualmente, o Kremlin é a residência oficial do Presidente russo. Dmitry Medvedev é o senhor que se segue na lista de ilustres residentes da fortaleza. Que continua a ser o coração da Rússia.


Praça “bonita” (e vermelha)

É ainda difícil dissociar a Praça Vermelha das paradas triunfais do Exército Vermelho, embora agora ali do Exército Vermelho e da velha ordem soviética só se encontrem caricaturas. Até o nome da praça se adequava ao espírito da Rússia soviética, embora o primeiro significado do nome fosse “bonita”, “a melhor”. Era (e é), então, a mais bonita praça de Moscovo e está intimamente ligada à história do Kremlin, além de ser uma extensão quase natural deste - estende-se ao longo da muralha leste. Surgiu no século XV, por ordem de Ivan III, e aí se instalou um mercado.

Se a Praça Vermelha é um dos locais mais reconhecíveis do mundo, isso deve-se em grande parte à Catedral da Intercessão (mais conhecida por Catedral de São Basílio), construída na praça no século XVI por ordem de Ivan IV, o Terrível, para comemorar a vitória contra os exércitos mongóis. Esta catedral “grita” Rússia em toda a sua profusão de cores (garridas) e formas - com realce, mais uma vez, para as cúpulas em estilo oriental que lembram suspiros, aqui não pintadas de dourado mas de cores fortes.

Incontornável ainda é o mausoléu de Lenine. Construído pelo arquitecto Aleksei Shchusev no início da década de 30, é quase uma pirâmide em camadas de vermelho, cinzento e preto. Depois de anos de rumores sobre o destino do corpo do fundador da URSS, o mausoléu reabriu em 2005.


Grande Palácio do Kremlin

Mandado construir por Nicolau I em 1837, tem 700 salas e enormes salões cerimoniais. Foi o último edifício a ser construído em tão grande escala na Rússia e um dos últimos de Europa. Iuri Gagarine foi homenageado num dos salões e a rainha Isabel II de Inglaterra foi aqui recebida, em 1994, por Boris Ieltsin.

Catedral da Assunção

É a principal igreja do Kremlin. Sob as suas cúpulas de ouro eram coroados os czares. E aqui estão sepultados os patriarcas da Igreja Ortodoxa Russa até 1917. Um dos tesouros aqui guardados é o trono de Ivan, o Terrível.

Palácio dos Congressos

Em betão e vidro, é o edifício mais recente do Kremlin (1961) (e o único de estilo moderno). Krutchev ordenou a sua construção para receber os congressos do partido comunista. A sua característica mais distintiva é o seu gigantesco auditório, capaz de albergar seis mil pessoas. Agora é a maior e a mais prestigiada sala de concertos de Moscovo.

--%>