Vamos fazer um acordo. Esqueça tudo o que já ouviu ou leu sobre a ilha do Sal. Ou talvez não. Lembre-se de tudo o que já ouviu sobre a ilha do Sal e faça-se esta pergunta: porque não? (Claro que se é daquelas pessoas completamente alérgicas a destinos estivais este texto não é para si...)
Há muitas boas razões para decidirmos pegar no passaporte e dar um saltinho até à ilha de Cabo Verde que mais turistas tem por metro quadrado. É só uma questão de começar a enumerá-las. Vamos a isso?
Uma: é um destino relativamente barato.
Duas: tem calor o ano inteiro (calor, o que é diferente de muito calor).
Três: o azul do mar chega a ser comovente, de tantas tonalidades que consegue assumir.
Quatro: a comida é boa, tem sabor a África mas não é agressiva para estômagos mais sensíveis.
Cinco: o tempo de viagem é justo (três horas e meia a partir de Lisboa, nada que os mais reticentes a aviões não consigam suportar).
Seis: a ilha fala português pelo que já não tem, sequer, a desculpa da barreira da língua. Por agora ficamo-nos por aqui.
Aterragem no Aeroporto Internacional Amílcar Cabral sem sobressaltos, mas isto de chegar de noite tem destas coisas: não podemos tirar logo as medidas à ilha. O que até nem é necessariamente mau, porque assim conseguimos valorizar cada coisa a seu tempo. Neste momento, por exemplo, são quase duas da manhã e não está frio nem calor está uma temperatura perfeita para uma noite de Verão.
O aeroporto do Sal, até 2005 o único que em Cabo Verde recebia voos internacionais, fica colado a Espargos, a capital da ilha. O grosso dos hotéis e "resorts" está sediado em Santa Maria, cerca de 15 quilómetros a sul. O percurso pela estrada asfaltada que atravessa a ilha dura uns 20 minutos e não permite levantar muito a ponta do véu sobre o que vamos ver quando o Sol nascer.
Não precisaremos de esperar muito mais. Pela manhã, basta espreitarmos pela janela do hotel para perceber onde aterramos. Temos mar de um lado e deserto do outro, definição mais simples não há. Claro que podemos sempre dizer um "cliché" de vez em quando desculpa-se... que a paisagem do Sal é lunar. Nunca lá estivemos, na Lua, mas dificilmente erraremos. "A única diferença entre isto e a Lua é que aqui a gravidade é 16 vezes maior e respira-se", há-de comentar Nuno Marques da Silva, dono do Manta Diving Center.
O Sal é isto: um imenso deserto pedregoso, onde se vêem, a espaços, umas elevações na geografia, umas vilas aqui e ali, muitos hotéis estrategicamente plantados a escassos metros do mar. E onde a única vegetação a registar são umas acácias despidas de folhas e vergadas aos ventos alísios que aqui sopram todo o ano.
O curioso é que este nada pode ser muito. A paisagem do Sal consegue ser belíssima. Atravessar à luz do dia a mesma estrada que percorremos a noite passada causa estupefacção. É mesmo este o ponto: como é que estes quilómetros vazios de tudo podem dar-nos a sensação que estamos no cenário ideal? Por momentos, não nos lembrássemos das hordas de turistas que estão lá a sul, em Santa Maria, e poderíamos pensar que estamos quase sozinhos no mundo. É vastíssima, esta paisagem inóspita, quase irreal por ser ao mesmo tempo desoladora e sublime.
Tino Mosso, um empresário da ilha que hoje faz as vezes de guia, acorda-nos deste (quase) sonho. Andámos ainda poucos quilómetros, é certo, mas provavelmente não nos cruzámos com mais de três, quatro carros (claro, talvez tenham sido furgonetas). Tino vai explicando que a ilha, descoberta em 1460 por Diogo Gomes e António da Nola, navegadores ao serviço da Coroa portuguesa, não se alonga para além dos 216 quilómetros quadrados e que tem tido um povoamento difícil.
Houve censos, nota o guia, que deixaram de fora as crianças, pelo que, mais ou menos por alto, costuma fixar-se em cerca de 20 mil os habitantes do Sal.
Às portas da vila de Espargos, há um gigantesco cartaz onde a cantora Mayra Andrade agradece o seu sucesso a Cabo Verde. Este será, provavelmente, o único elemento que parece estar fora do contexto - um "outdoor" não combina propriamente com este "décor".
Espargos é pequena, pouco mais do que um amontoado de casas (algumas inacabadas), mas ainda assim é um centro de comércio e serviços. (Não deixa de ser estranho perceber que a vila é geminada com a portuguesa Albufeira, qualquer semelhança com a realidade é pura ficção...) Sobre a capital estamos conversados.
A vila de Palmeira, o centro portuário da ilha, é já ali ao virar da esquina. São agora quase 11h00, o Sol começa a queimar, e a chegada dos pequenos barcos coloridos (Bom Sorte II, Palmira Imilia) dá alegria à minúscula povoação. De repente, vindos sabe-se lá de onde (há pouco, quando atravessámos a vila, quase juráramos que não tínhamos visto vivalma nas ruas empedredadas...), surgem vários palmeirenses em busca do peixe que acabou de chegar. Há peixe serra, "blue marlin" (uma espécie de espadarte) e vários outros que não conseguimos identificar. No Sal pesca-se sobretudo atum e "blue marlin", explica Tino Mosso, mas o mar é generoso (daqui a nada nós próprios veremos quanto) e as mais variadas espécies são capturadas enquanto o Diabo esfrega um olho (ou enquanto se desenrola a linha...) São apenas seis os quilómetros que separam Palmeira da Buracona, uma das principais atracções da ilha.
Mas seis quilómetros numa estrada de terra e pedra, onde parece que a orientação se toma pelos rodados de quem já passou por aqui antes uma espécie de seja o que os deuses quiserem. O percurso é feito aos solavancos, com cuidados redobrados para evitar as pedras que estão no caminho. Há vendedores de artesanato (senegaleses, como quase todos os que se espalham pela ilha) pelo caminho e vê-se o mar ao fundo, mais nada.
Um livro para não ler
E cá está ela, a Buracona, uma piscina natural que a água do mar escavou nas rochas. Hoje está estranhamente vazia ("Quase nunca acontece", desculpa-se Tino Mosso), o que nos obriga a contornar o rochedo e procurar a frescura do mar numa espécie de gruta, esta menos divulgada que a vizinha Buracona. Está óptima, a água, apesar de o Sol não entrar aqui.
Onde ele entra é no "odjo azul", que nos parece totalmente vedado a aventuras aquáticas até que Palmira, a responsável pela animação nos hotéis do grupo Oásis Atlântico, revela que já saltou para lá. Mas bom, é o quê, este "odjo azul"? Uma gruta onde, pela manhã, devido à posição e à acção da luz do Sol, é visível na água uma espécie de olho azul.
Miragens, portanto, como as que vemos agora, que já voltámos à estrada pedregosa que nos trouxe à Buracona. De repente, no meio da paisagem desértica, julgamos ver água. Aqui, ali, mais além. Estas ilusões de óptica são também amplamente sublinhadas aos turistas no capítulo "como passar o tempo" no Sal.
Até porque, em abono da verdade, não há assim tanto o que fazer na ilha. Excluindo a praia e as milhentas actividades aquáticas que se podem, falta apenas falar de Pedra de Lume. Trata-se de uma pequena povoação que durante anos apoiou o negócio de exploração das salinas hoje a produção é muito menor, mas elas ainda continuam a funcionar. As salinas de Pedra de Lume encontram-se na cratera de um antigo vulcão e são um ponto de paragem obrigatória. Um banho naquelas águas rosadas é uma experiência: devido à elevada concentração de sal na água, o corpo deixa de ter vontade própria e só consegue boiar. Assim que se sai da água, nota-se na pele um rasto de sal branco e finíssimo quem não suportar esta sensação por muito tempo, pode sempre recorrer aos duches de 30 segundos que se compram por um euro (ou cem escudos cabo-verdianos, aceitam as duas moedas) na unidade de apoio instalada uns metros acima.
Não passaram mais de seis horas desde que deixámos o hotel e a ilha está praticamente toda vista. Voltamos a Santa Maria e agora a praia está por nossa conta. Não há muito mais para fazer, mas quem disse que temos de estar sempre a fazer alguma coisa? Neste momento, por exemplo, temos um livro para ler e não o fazemos. Esticamo-nos na espreguiçadeira, fechamos os olhos e aproveitamos até ao tutano cada um dos raios de Sol deste fim de tarde.
(Desconto de tempo. Confesse: depois das dúvidas iniciais, agora até já ficava mais uns dias, não era?)
Quando ir
Na prática, qualquer época do ano é boa para visitar a ilha do Sal, uma vez que as variações climatéricas não são muitas. As temperaturas são quase sempre as mesmas e o vento marca presença o ano inteiro. É altamente improvável que chova, mas, a acontecer esse quase milagre, será entre Agosto e Outubro. Durante o nosso Inverno, algures entre Dezembro e Abril, mais coisa menos coisa, a ilha é invadida por turistas nórdicos. Maio e Junho costumam ser épocas mais baixas. A partir de Julho, há nova enchente: começam a chegar ao Sal outras levas de turistas, que costumam incluir muitos portugueses.
Como ir
A TAP voa para de Lisboa e do Porto para o Sal por cerca de 750 euros. Regra geral, a opção mais económica é optar por um dos vários pacotes no mercado. A Entremares, para saídas nos dias 1, 5, 6 e 8 de Setembro, tem preços a partir dos 499 euros, valor que já inclui as taxas de aeroporto e sete noites de alojamento. Se ainda quiser viajar para a ilha do Sal durante o mês de Agosto, o preço ronda os 789 euros por pessoa, também para sete noites em hotel. Já a Soltrópico tem preços a partir dos 529 euros. As partidas são de Lisboa às sextas-feiras, de 29 de Agosto a 24 de Outubro (para reservas e vendas até 31 de Agosto). O preço inclui a passagem aérea, taxas e sete noites de alojamento.
Onde ficar
Hotéis é coisa que não falta na ilha. Citam-se apenas alguns: o Morabeza, o Belorizonte, o Novorizonte e o Club Hotel Riu Garopa. Os preços são variados, mas saem sempre mais em conta se forem contratados em pacote. Quem preferir comprar só a viagem, deve ter em atenção que, dependendo da altura, pode ser difícil arranjar onde ficar. O Hotel Belorizonte tem quartos singles a partir de 78 euros e duplos a partir de 98 euros, em regime de alojamento e pequeno-almoço; o Novorizonte, que funciona apenas em regime de tudo incluído, tem singles a partir de 110 euros e duplos a partir de 138.
O que fazer
Para além das visitas obrigatórias à Buracona e às salinas, a vida no Sal passa sobretudo pela praia e pelos prazeres da água. Os desportos são também muito procurados: é possível conseguir aulas de "windsurf", "kitesurf" e "surf" por preços que vão desde os 25 até aos 180 euros. O Manta Diving Center (www.mantadivingcenter.cv) oferece programas muito variados, que vão desde cursos de mergulho até viagens de barco que permitem aos turistas pescar à linha e fazer "snorkeling" (40 euros). Outra das hipóteses é alugar um carro (a partir de 90 euros por dia) ou uma moto 4 (80 euros por dia, 50 por meio dia) e deambular pela ilha. À noite, o bar Calema e a discoteca Pirata são os que mais dão cartas na "movida" de Santa Maria.
O que comprar
Os vendedores de artesanato, senegaleses sobretudo, estão em cada canto e esquina. Quem for apreciador deste tipo de produtos deve ter em atenção que a regra é regatear, regatear, regatear. Para além disso, vale sempre a pena comprar grogue, a célebre aguardente da ilha de Santo Antão (dá umas caipirinhas óptimas...).
Onde comer
Só com azar comerá mal na ilha do Sal. Os preços de uma refeição andam muito próximos dos que pagamos em Portugal. Há vários restaurantes na ilha, mas deixam-se apenas dois que não deve perder: o Cadamosto, em Pedra do Lume, que tem uma óptima vista para o mar e serve umas lagostas e uns búzios de comer e chorar por mais; em Santa Maria, o Leonardo, propriedade de um italiano bonacheirão, tem uma sala muito agradável instalada no terraço, uma ementa variada (desde comida italiana até especialidades cabo-verdianas) e os pratos rondam os 12.000 escudos cabo-verdianos (12 euros, se tomarmos como referência o câmbio que é feito geralmente, embora 1 euro seja equivalente a 108 escudos).
Informações
Cabo Verde é um arquipélago composto por dez ilhas e cinco ilhéus. A capital, Praia, fica na ilha de Santiago. A moeda é o escudo cabo-verdiano. Não são precisas vacinas para viajar até lá. Já do visto os turistas não se livram. Pode ser pedido antecipadamente ou adquirido no aeroporto, à chegada (25 euros).
A Fugas viajou a convite do grupo Oásis Atlântico e da TAP