Fugas - Viagens

Faróis de Portugal, luzes que acendem a costa e o mar

Por Maria José Santana

Torres quadrangulares, cónicas ou mesmo hexagonais, construídas em ferro ou betão, erguidas em pontos estratégicos da costa. Cada um dos cerca de 50 faróis espalhados pelo litoral português tem uma história para contar. Maria José Santana (texto) explica-lhe por que é que estas estruturas de apoio à navegação suscitam um interesse que vai muito além da sua função principal: iluminar a orla marítima.

Muitos já deixaram de estar votados ao isolamento as suas áreas envolventes foram sendo povoadas com o avançar dos anos e, noutros casos, os locais onde estão edificados também deixaram de ser tão inóspitos como foram outrora. Mas mantêm o misticismo de sempre e continuam a apelar ao imaginário de muitas pessoas, ligadas ao mar ou não. Porque um farol será o ponto de luz que clareia a linha onde a terra se encontra com o mar e, acima de tudo, uma estrutura que tem uma história para contar.

Disso é exemplo o Farol dos Capelinhos, na ilha do Faial (Açores), com nova vida. Ainda que o seu futuro não passe por manter a actividade de farol - funcion como centro de interpretação, mantém o legado da vivência anterior e pode constituir um excelente ponto de partida para a descoberta das várias dezenas de faróis espalhados pela costa portuguesa.

No total, entre o continente e ilhas, são 56. A Fugas pediu à Direcção de Faróis da Marinha, entidade que tutela, desde 1924, os faróis nacionais, para abrir as portas de algumas das estruturas mais emblemáticas, que vão sendo especialmente procuradas nesta época do ano. Em grande parte devido ao programa “Ciência Viva no Verão”, que, desde 2002, vem lançando o convite a milhares de famílias e público em geral para que mergulhem nos meandros da ciência dos faróis.

Fora deste programa, pode sempre efectuar um pedido junto da capitania do porto onde se encontra edificado o farol que pretende visitar. É esse caminho que acabam por seguir muitos dos visitantes que, ano após ano, vão afluindo às “lighthouses” da costa portuguesa.

“São essencialmente famílias portuguesas, mas também vamos recebendo turistas estrangeiros”, conta o faroleiro subchefe Francisco Martins, cuja experiência de 26 anos lhe permite afiançar que existe já um tipo de turistas que procura especificamente este tipo de património. “Normalmente, são pessoas que estão associadas ao mar ou que, por qualquer outra razão, estão ligados aos faróis”, especifica o faroleiro do Farol de Leça da Palmeira.

No princípio era a madeira

E o que pode ficar a conhecer um visitante de um farol? Seja qual for a estrutura que opte por descobrir, certamente que irá terminar a visita com muitos mais conhecimentos do que esperava ou seja, não ficará apenas conhecedor da história e funcionamento do farol que irá pisar com os seus próprios pés. O mais provável é que seja levado a recuar até aos primórdios do assinalamento marítimo, ao início dos inícios, quando a sinalização era feita com grandes labaredas conseguidas à custa da combustão de toros de madeira e grandes mechas mergulhadas em azeite e óleos que produziam os sinais destinados a orientar os navegantes.

Deverá ser também tentado a desvendar a vertente humana dos faróis: a profissão dos faroleiros. Vivem numa casa que é, simultaneamente, o seu local de trabalho, com todas as vantagens e desvantagens que isso pode trazer. “Acabamos por estar sempre disponíveis, mas também não temos de gastar dinheiro em transportes e habitação”, relata Francisco Martins. Nos dias que correm, até podemos invejá-los, por habitarem em belíssimos recantos da beira-mar, mas a vida de faroleiro nem sempre foi fácil.

“Quando estive no Farol do Cabo Mondego, o único contacto que tínhamos com o exterior era quando vinha o carteiro e o peixeiro”, recorda. Cenário difícil de imaginar numa época em que os telemóveis e a Internet são já parte integrante do dia-a-dia. Mas há outros exemplos que atestam que a profissão já esteve sujeita a outras exigências: “Quando comecei, em 1982, a rotação dos aparelhos de luz ainda era feita por uma máquina de relojoaria. Para que o farol pudesse rolar, o funcionário tinha que ir levar o peso. Era bem mais duro...”, conta ainda Francisco Martins. Hoje, está tudo automatizado tão automatizado que, se uma lâmpada se fundir, é imediatamente activada uma suplente.

Outra das grandes lições que irá receber em relação a estes pontos de iluminação da costa (sabia que o alcance da luz de cada um deles permite que nenhuma área da orla marítima esteja na escuridão?) prende-se com o facto de permitirem que os navegadores saibam a sua localização exacta.

Basta identificar as características físicas e o tipo de sinal luminoso do farol que têm ao seu alcance e reconhecê-las, depois, nas Listas dos Faróis, publicações que devem existir a bordo de todas as embarcações. Durante o dia, cada farol é facilmente identificável pela sua cor, forma ou dimensão. A partir do crepúsculo, o reconhecimento é feito pelo tempo de luz que um farol está aceso, o tempo que está apagado e a frequência com que repete o mesmo ciclo e que é diferente de farol para farol.

A pergunta torna-se inevitável: numa época em que praticamente todas as embarcações estão dotadas de radares, sistemas de GPS e afins, a missão dos faróis não estará em risco? “Nunca. Porque qualquer sistema é sempre passível de falhar e os faróis estão sempre aqui”, argumenta Francisco Martins. Isto para já não falar na importância histórica de cada um dos faróis portugueses e que é motivo mais do que suficiente para os manter bem vivos.

O casamento

“São de uma grande valia enquanto património arquitectónico, foram pioneiros na utilização de tecnologias e foram unidades fundamentais naquilo que é a metodologia costeira”, defende o historiador Joaquim Boiça, um dos poucos investigadores portugueses que têm centrado atenções nesta matéria. Filho, neto e bisneto de faroleiros, Joaquim Boiça tem conhecimento da verdadeira essência destas estruturas de apoio à navegação como muito poucos. “Foram a minha casa até ser homem”, relata o historiador, cuja infância e juventude foram passadas nos faróis de Aveiro, Leça da Palmeira, Esposende, Cabo Mondego e Santa Marta. Recentemente, regressou a este último para traçar o projecto museológico que está, agora, acessível ao público em geral.

Joaquim Boiça não está sozinho nesta paixão por faróis. Existem muitos mais, espalhados por todo o país, personalidades de renome ou simples anónimos. Comecemos pelos primeiros, mais concretamente pelo arquitecto Siza Vieira, que foi nomeado, pela Associação dos Amigos do Farol de Leça, “Amigo dos Faróis”. “Gosto muito de faróis. Tenho uma ligação afectiva muito grande ao Farol da Boa Nova, em Leça, e ainda me lembro do barulho da sirene e do traço da luz”, conta.

A sirene de que fala Siza Vieira era o sinal sonoro, vulgarmente conhecido como “a ronca”, e que era usado em dias de nevoeiro, para ajudar a navegação. “Quando deixei de viver na beira-mar, não conseguia dormir com a falta do barulho da ‘ronca’”, recorda o arquitecto, que aceitaria de bom grado o desafio de projectar um farol para a costa portuguesa. “É um belo exercício de arquitectura, até porque os faróis são sempre colocados em pontos estratégicos e extremamente belos”, declara.

E quanto a apaixonados anónimos? Francisco Martins recorda-se de um que encontrou quando estava no Farol de Aveiro. “Um senhor que gostava muito de faróis e a namorada também e que insistia na ideia de colocar um cartaz no farol para a pedir em casamento”, lembra.


Os faróis mais emblemáticos de Norte a Sul do país

Leça da Palmeira
Falar da história do Farol de Leça da Palmeira é falar também do tempo que antecedeu a sua edificação. Durante várias décadas, pelos menos a partir de 1866, foi existindo o reconhecimento da necessidade de construir um farol em Leça ou Leixões, dadas as difi culdades de navegação e os constantes naufrágios ocorridos na então chamada “costa negra”.
O naufrágio do paquete inglês “Veronese”, em Janeiro de 1913, veio vincar esse reconhecimento, havendo mesmo quem refira que terá sido este acidente de navegação que veio impulsionar a construção do Farol de Leça, na praia da Boa Nova.
A elegante torre cilíndrica, com 46 metros de altura e pintada com finas riscas verdes, entrou em funcionamento a 15 de Dezembro de 1926, vindo substituir o farolim da Boa Nova e o farolim da Foz.
Para subir ao seu topo, onde é emitida uma luz com um alcance de 28 milhas (cerca de 52 quilómetros), é necessário subir 213 degraus.
Outra das grandes particularidades do Farol de Leça da Palmeira prende-se com o facto de ter albergado, entre 1926 e 1962, a Escola de Faroleiros. Foi deste farol que saíram, durante várias décadas, os profi ssionais que têm por missão manter em funcionamento estas importantes estruturas de apoio à navegação.

Aveiro
A imponência dos seus 62 metros de altura, as riscas horizontais vermelhas e brancas e a sua forma cónica distinguem-no entre os cerca de 50 faróis edificados em território nacional. O Farol de Aveiro é o mais alto de Portugal e goza ainda o estatuto de ser um dos três maiores da Europa.
Está implantado numa das praias mais concorridas do litoral aveirense a praia da Barra, no concelho de Ílhavo e a luz que emite a partir do seu topo tem um alcance de 23 milhas (o correspondente a cerca de 43 quilómetros).
Para ascender ao seu topo, tem de ter fôlego suficiente para subir 271 degraus de pedra mais 20 de ferro. O esforço não será em vão, uma vez que, lá bem no alto, terá a oportunidade de apreciar uma magnífi ca vista sobre o mar e a ria. Isto já depois de ter ficado a conhecer um pouco da história da estrutura construída em 1893.
No rés-do-chão, a estrutura guarda alguns equipamentos e máquinas, verdadeiras peças museológicas, que permitem dar a conhecer aos visitantes a evolução da luz emanada a partir do alto do farol que, evolução “oblige”, se foi adaptando às diferentes fontes de energia e às novas descobertas tecnológicas começou por funcionar a azeite, depois a petróleo, a gás, e, por último, surgiu a energia eléctrica.


Cabo da Roca
É, sem dúvida, um dos mais emblemáticos da costa portuguesa. O Farol do Cabo da Roca está situado no ponto mais ocidental da Europa Continental no cabo com o mesmo nome, no concelho de Sintra e, uma vez que se encontra 165 metros acima do nível do mar, oferece uma magnífica panorâmica sobre o Oceano Atlântico, bem como sobre a belíssima paisagem que o rodeia.
A crer no que dizem os fãs do Cabo da Roca, assim que se acende a luz do farol o local passa a gozar de um ambiente ainda mais encantador. A luz que é emitida a partir do alto da torre quadrangular de 22 metros tem, actualmente, um alcance de 26 milhas (cerca de 48 quilómetros).
Mas há mais motivos que justificam a inclusão do Farol do Cabo da Roca na lista de faróis de visita obrigatória em Portugal Continental. É que este é também um dos faróis mais antigos da costa portuguesa, integrando o leque de seis que foram mandados construir por alvará pombalino, em 1758. A sua conclusão e entrada em funcionamento concretizaram-se em 1772.


Santa Marta
É o primeiro e, até agora, único farol-museu português. O Farol de Santa Marta foi erguido no espaço do antigo Forte de Santa Marta, em Cascais, e começou a funcionar em Março de 1868, tendo sido aumentado em oito metros, em 1936 actualmente, a torre quadrangular de riscas azuis horizontais atinge os 20 metros de altura. O Farol de Santa Marta assumiu-se como uma referência na sinalização costeira da barra do Tejo. Em 2006, a câmara municipal de Cascais e a Marinha deram início a um projecto de remodelação do espaço para o transformar em unidade museológica, embora mantendo as suas funções de sinalização.
Cerca de um ano depois, o resultado desse trabalho ficou acessível ao público em geral, que pode, agora, apreciar um espaço de exposição de peças recuperadas pela Marinha, amplas plataformas com vista para o mar, um centro de documentação e uma cafetaria.
O programa museológico do Farol de Santa Marta abrange, além de uma panorâmica geral sobre os faróis, temáticas específi cas, tais como o Forte e o Farol de Santa Marta, os faróis e as ajudas à navegação e o ofício de faroleiro.
A unidade está aberta a visitas de terça a domingo, das 10h00 às 19h00 (no Inverno, encerra às 18h00) e a entrada é gratuita. O percurso expositivo inclui ainda a exibição do filme documentário “Faróis de Portugal. Cinco Séculos de História”.


Cabo Espichel

Situa-se num dos locais com registos mais antigos da existência de uma luz para os navegantes: o Cabo Espichel, no concelho de Sesimbra. Tal como hoje o conhecemos, o Farol do Cabo Espichel foi construído em 1790, tendo sofrido várias reformulações ao longo dos séculos XIX e XX. O edifício em que assenta a óptica tem 32 metros de altura e assume a particularidade arquitectónica de ser uma torre hexagonal. A luz que emana a partir do seu topo tem um alcance de 26 milhas.
Além da sua importância histórica e singularidade arquitectónica, o Farol do Cabo Espichel, que também se encontra edificado acima do nível do mar, é outro desses locais onde se pode apreciar a paisagem até perder de vista.
Importa ainda lembrar que o Cabo Espichel e o seu farol já foram cenário privilegiado para uma história literária de mistério, destinada ao público infantojuvenil, trazida à luz do dia pelas mãos das escritoras Ana Maria Magalhães e Isabel Alçada. Recorda-se de “Uma aventura na falésia”? Então está na altura de revisitar o cenário da história.


Cabo de São Vicente

Destaca-se pela sua importância geoestratégica e pelo facto de possuir um dos maiores aparelhos ópticos do mundo (e garantidamente o maior dos faróis portugueses). Para os mais entendidos aqui fica a descrição: um hiper-radiante, com 1.330 milímetros de distância focal. O alcance da luz que emite vai até às 32 milhas (cerca de 59 quilómetros).
O Farol do Cabo de São Vicente (foto da página 20) está edificado no ponto mais a sudoeste do continente europeu, o Cabo de São Vicente, em Sagres, e a sua activação data de 1846. Contudo, e segundo os registos dados a conhecer pela Direcção de Faróis, em 1520 já existia um pequeno farol, no convento construído naquele cabo.
A actual torre de 28 metros de altura está inserida na antiga fortaleza, uma construção do século XVI. Más notícias: o farol está encerrado ao público por se encontrar, desde 2005, a ser alvo de profundas obras de beneficiação, manutenção e conservação. Mas a espera não deverá prolongar-se por muito mais tempo. A Direcção de Faróis estima reabrir este espaço, seguramente, no início do próximo ano, deixando a promessa de que a estrutura irá ganhar um novo motivo de atracção, abrindo com um pólo museológico.

Ciência Viva no Verão | Faróis (programa de 2011)

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