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Fugas | Hotéis: Etap Viena Messe, Áustria em versão económica
Diz a sabedoria popular viajante que Viena é uma das cidades mais caras da Europa. E a estatística confirma essa impressão. Mas isso não significa que esteja fora do alcance de uma bolsa mais modesta. Carla B. Ribeiro foi desafiada a conhecer uma Viena económica em 24h, e descobriu como a capital austríaca se dá a conhecer até a custo zero. Há é que ser criativo e ter mão nas despesas...
Falta menos de um mês para o Natal. O centro de Viena está pintado a branco pela neve que começou a cair durante a noite e que continua sem dar tréguas. Mas tal não intimida ninguém, pelo contrário. As ruas estão cheias de gente: crianças em visita de estudo, turistas nipónicos de câmara ao peito, gente apressada a caminho do emprego e, claro, muitos às compras já com as festas natalícias à vista.
Em Der Graben e ruas anexas, as montras vienenses, de chancelas de luxo, umas atrás das outras, revelam-se apelativas, algumas com luzinhas a catrapiscarem como se quisessem hipnotizar quem passa na rua a entrar e consumir. Mas, não obstante a tentação, o nosso propósito é outro e passamos incólumes. Porém, após uma hora de caminhada por ruas e ruelas, desde o vagaroso rio Danúbio, não resistimos ao aconchego que dois quiosques, estrategicamente plantados junto à confluência com Kohlmarkt e Tuchlauben, e que oferecem o calor de um punsch, uma bebida, servida quente, composta por vinho (tinto ou branco) e brandy e da qual emanam fragrâncias de limão, canela e cravinho. Vienenses e grupos eclécticos de turistas, de mochileiros a viajantes de negócios, com ar de virem de todos os pontos do mundo, refugiam-se sob um telheiro e deixam-se aquecer pelo elevado teor de álcool, inebriados pelo aroma a Oriente.
Neste centro comercial de luxo ao ar livre que são as ruas do centro de Viena, há um interminável corrupio pelas lojinhas. Já nós, com os euros contados, preferimos palmilhar a cidade como se de uma galeria de arte ou um museu em ponto gigante se tratasse. A arquitectura denuncia a forte presença barroca. Principalmente se seguirmos para a esquerda, pela Kohlmarkt, desembocando na Michaelerplatz, junto à Igreja de São Pedro. Mas no subsolo, permanecem testemunhos da passagem dos romanos pela cidade: um fosso revela ruínas daquilo que já foi um acampamento militar do extinto Império de Roma. É assim que Viena nos surge, encruzilhada de impérios, incluindo do "seu", o austro-húngaro, cujos sinais se vão revelando.
Retomando o caminho de volta, durante o qual se aproveita para comer qualquer coisa num dos vários cafés de montras gulosas, vão-se descobrindo detalhes barrocos (ou expoentes do mesmo, como é o caso do Memorial Pestsäule - Coluna da Peste, mandada erigir pelo imperador Leopoldo I após o fim da peste que assolou a cidade) um pouco por toda a arquitectura. Até que o gótico assume um lugar de destaque ao avistar-se a Catedral de St. Stephen, com os seus imponentes 136m de altura, já em Stephansplatz, e junto da qual as charretes se amontoam, a convidar os mais românticos a um passeio ao sabor do trotear dos cavalos. A catedral nasceu como românica (e em ponto mais pequeno: no início do século XII era uma pequena igreja, tendo sido no mesmo século promovida a Basílica com respectiva ampliação), mas um incêndio um século mais tarde ditou a reconstrução, já no século XIV, com uma visão gótica.
Belvedere, o barroco e Klimt
Aproveitando o facto de estarmos em Stephansplatz, mesmo ao lado de uma estação de metro, segue-se um dos ex-líbris vienenses: o Museu de Belvedere. Três estações mais tarde, chegamos a Belvedere Superior, obra-prima do barroco concebida por Johann Lucas von Hildebrandt (1668-1745) para servir de residência de Verão do príncipe Eugénio da Sabóia.
Hoje, o palácio é casa de inúmeras obras artísticas que atravessam tempos e correntes. Há os internacionais, como os célebres Monet ou Van Gogh, c mas é a prata (atreveríamo-nos até a chamar-lhe "ouro") da casa que torna o Belvedere tão especial. Além de guardar o que de melhor se faz nas artes vienenses ao longo dos tempos, reúne uma colecção impressionante de trabalhos do expressionista Egon Schiele (1890-1918) ou do simbolista Gustav Klimt (1862-1918). E, como ponto alto, O Beijo, um óleo sobre tela, de 1,80m por 1,80m, que constitui o auge do período dourado do pintor. A peça, sumptuosamente exibida, divide protagonismo com outras obras c do autor, como Judith, no qual se invocam os poderes de sedução da mulher que cortou a cabeça a Holofernes, salvando a sua cidade da devastação personificada pelo comandante assírio.
Mas a beleza de Belvedere não está apenas dentro de portas. E se não se quiser gastar mesmo nada, basta sair para os seus magnificentes jardins, inspirados
nos de Versalhes (e por isso também conhecidos como Jardins Franceses), e perder-se num passeio - é verdade que, por esta altura, grande parte está coberta de neve, mas isso apenas lhe confere um ar deliciosamente mais bucólico.
Cada nível do jardim guarda alusões clássicas: no inferior, por onde se chega ao segundo edifício que constitui o palácio, o Belvedere Inferior, há referências aos quatro elementos (terra, ar, água, fogo); na zona central, motivos que remetem para o Monte Parnaso. E, finalmente, de volta à zona superior, o Olimpo e seus deuses.
A noite, entretanto, vai caindo (anoitece cedo em Viena...), mas ainda é possível desfrutar dos jardins do palácio muito graças a um pequeno mercado de Natal que assentou arraiais dentro do seu perímetro. Depois da crueza de Schiele, o espírito sente-se quase perturbado pelas músicas natalícias saídas de um repertório que incluiDo they know it"s Christmas? ou Last Christmas. Mas há docinhos com muitas cores, artesanato de todo o género e, claro, muitos quiosques do famoso punsch, com o qual "se recupera de qualquer choque", garante-nos quem nos entrega a caneca.
Viena nas nuvens
São quase sete da tarde e começa a ser tempo de regressar à base, em Praterstern. De volta ao metro, são apenas seis estações até ficar, sensivelmente, a 500m do hotel. Mas antes de recolher há uma atracção que não pode deixar de ser vista: o Volksprater.
O espaço, tido como o mais antigo parque de diversões do mundo, insere-se numa vasta zona verde, até 1766 reserva de caça real, que hoje continua a atrair vienenses para passeios e piqueniques, quando o tempo o permite. Mas aos turistas oferece a possibilidade de conhecer toda a cidade a partir do céu.
A roda gigante (ou Riesenrad) foi inicialmente construída em 1897, como parte do jubileu do imperador Franz Josef I. Mas, durante a II Guerra, é destruída durante um incêndio, assim como o resto do parque e grande parte de Viena. A sua reconstrução torna-se simbólica - é iniciada em 1945 ao mesmo tempo que outros ícones, como a Catedral de St. Stephan ou a Casa da Ópera.
Lá de cima, Viena revela-se em todo o seu esplendor, com a linha do horizonte marcada pelos seus imponentes edifícios, e com tudo o que ficou por ver. E é com este imenso e móvel postal ilustrado da cidade no olhar que, mentalmente, já vamos fazendo contas e tomando notas para um regresso à charmosa capital austríaca.