Fugas - Viagens

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A Extremadura espanhola é uma caixinha de surpresas

Não é de agora. Aliás, perde-se na memória o hábito: ir a Alange pelas suas águas de poder curativo. Mas recordam-se os primeiros a "discipliná-las". O Império Romano não passou ao lado destas terras e por onde passou sabemos que levou a filosofia salut per aque - spa. Em território de abundante manancial de água minero-medicinal como este, os seus banhos públicos foram também local de tratamento. Nasceram os balneários de Alange, portanto, em data incógnita mas com uma certeza: no século III D. C. já existiam e com curas relevantes - prova-o a ara votiva encontrada. 

A ara permanece no balneário, envolvido por um parque frondoso a lembrar a época áurea do termalismo ao estilo da Europa Central - para lá dele, vêem-se jardins, lago, relvados e, já paredes meias com o balneário (paredes que aqui são vestígios arqueológicos, tijolos vermelhos esbatidos pelo tempo, arcos tapados), uma piscina ao estilo romano, com estátuas e colunas para completarem a ilusão. E permanecem núcleos romanos (sim, no Balneário de Alange ainda nos banhamos no Império Romano), que sobreviveram ao abandono: se romanos e árabes (que deixaram como maior legado o nome: Alange significa "água de Alá") conheciam e valorizavam o poder da água ali, outros voltaram-lhe as costas durante séculos. Foi só no final de setecentos que Alange voltou ao balneário e fez o percurso que fazemos agora: descemos ao "subterrâneo" para descobrir dois "salões" com piscinas redondas, chão preto e branco a reflectir a luz que entra por grandes cúpulas do final do século XVIII - todo o esqueleto é romano, o resto acrescentos oitocentistas. 

Foi no século XIX que as termas viveram a sua Idade do Ouro, com a construção do novo balneário - (quase) tudo o que está ao nível do solo. As instalações ganham a grandiosidade das tradicionais estâncias termais, sem perderem as especificidades locais: por exemplo, as influências romanas - nos azulejos da zona mais antiga do balneário (1826) - que convivem com as árabes do pátio central, cobertura de vidro e paredes azul-cobalto. Mas o espaço mais impressionante do "novo" balneário é a "piscina da meia-lua" (gélida, mesmo ao lado da piscina de hidromassagem, quente - descendentes dos caldarium tepidarium dos romanos): na verdade, três "salas-piscinas", alimentadas com água vinda directamente da fonte (316 litros por minuto), onde caminhamos sobre pedras como se de um límpido rio se tratasse.

E é a água, afinal, o motivo de estarmos aqui, o motivo para tanta história em Alange. Em Espanha é única (pelo menos, aproveitada) - as suas características tornam-na especialmente indicada para as doenças do sistema nervoso. Esta é a sua singularidade; porém, as suas propriedades aconselham-se também para problemas do aparelho motor, respiratório e circulatório. Com as instalações e técnicas actualizadas, dois hotéis (de três e quatro estrelas), o balneário chegou até nós como estância termal moderna, onde hidroterapia convive com as novas tendências de "bem-estar".

A velha máxima "mente sã em corpo são" (e não largamos os romanos) regressou em força e não parece que vá embora tão cedo. Com isso, o turismo de saúde e bem-estar tem ganho protagonismo e na Extremadura a aposta neste segmento é clara: além de spa em vários centros urbanos, encontram-se oito estâncias termais (duas de criação recente). 

O Balneário do Valle del Jerte é uma das novas adições, embora as águas do local (sulfuradas e com um reconhecível cheiro a ovos podres (!)) há muito sejam conhecidas pelas suas propriedades terapêuticas - edifício moderno, rodeado de amplos relvados, amplos serviços de relaxamento e beleza a piscar descaradamente o olho a um público jovem. Na hidroterapia, as indicações são para tratamentos dos aparelhos locomotor e respiratório e infecções dermatológicas.

O Balneário "El Raposo" - que deve a existência a uma porca que se curou de uma artrite numa poça de lama - é um dos mais tradicionais. Na aparência - edifício a lembrar herdades ribatejanas, branco e amarelo (em breve terá a companhia de um novo hotel de quatro estrelas) - e na história - foi aberto no século XIX. A nascente primitiva é frouxa e lamacenta, mas a sua água tem bicarbonatos, cálcio, magnésio e radón - a lama também, e o concentrado que dela resulta tem propriedades termo-terapêuticas únicas em Espanha (a ideia é produzir a lama artificialmente e comercializá-la). Água e lama são ideais para aliviar perturbações reumatológicas, vasculares, respiratórias, digestivas, dermatológicas e nervosas.

Reserva da Garganta de Los Infiernos | O inferno é já aqui

"São os 300 metros mais visitados da Extremadura", avisa o guia, Isidro, "Isi" (180 mil visitantes anuais). Não são dez horas da manhã e por nós passam alguns caminhantes, solitários ou em grupo, botas de montanha, mochilas às costas e bastão na mão. Já está quente, mas no parque de estacionamento do centro de interpretação da Reserva Natural da Garganta de los Infiernos, em Los Arenales (há outros dois centros), a poucos quilómetros a Norte de Plasencia, estamos abrigados numa catedral verde - carvalhos pirenaicos, azinheiras e sobreiros, dizem-nos (mais à frente mergulharemos num castanhal que parece infinito: 700 hectares que o tornam o segundo maior da Europa; castanhas amargas que não se comem).

Fazemos batota e temos de o confessar: subimos de jipe até onde podemos e ficamos um pouco embaraçados quando encontramos o grupo de escuteiros de Cáceres - têm entre seis e oito anos e descansam depois de uma caminhada de duas horas. Mas ainda não os encontramos.

Descemos do jipe, pressentimos a garganta, mas ainda não a vemos: vemos a outra margem, montes que se vão atropelando no horizonte. Há ilhas verdes e desertos de pedra. Subimos de carro, agora descemos a pé para descobrir por que é este o maior postal turístico da Extremadura. A floresta começa abrir-se e as rochas a crescer à nossa volta - do outro lado já são quase parede com manchas coloridas a movimentaremse: a Reserva de Garganta de los Infiernos também é parque geológico e o que olhamos agora parece esculpido como escada.

A ponte de madeira fica bem aqui, onde a natureza tem força primitiva. O Jerte (e merece bem o nome dado pelos árabes: "águas cristalinas" é o seu significado) corre em baixo, depois de descer um indisciplinado leito rochoso: pedras polidas até as perdermos de vista para uma curva e uma cascata que abre poças (pillones) na descida, piscinas naturais que se ligam por "escorregas" de pedra - por isso este troço chama-se Los Pillones, nome oficial, ou rompe bañadores, nome informal. E estamos no postal.

O rio passa a ponte e detém-se, por momentos, num pequeno lago, onde cardumes escuros (são trutas, dizem-nos, mas a pesca está interdita) patrulham as águas cristalinas. Depois, continua a descida imprevisível. Percebemos a "garganta dos infernos" pelo barulho constante das pedras a rolar, ensurdecedor no Inverno, garantem-nos, quando o rio se agiganta.

A proximidade com Madrid torna esta reserva um local favorito para escapadas de fim-de-semana. Aqui, há vários percursos marcados, com diferentes graus de dificuldade e o casal de Cáceres que descansa num miradouro com vista para picos ainda nevados conhece-os bem - todos os fins-de-semana vêm para Valdastillas, povoação das redondezas, com a roulotte, e a reserva é o seu "quintal". Juan fuma, o cão anda solto por ali. Mas não demoram muito, até porque hoje nos céus não se avistam as águias ou os abutres. Com os bastões na mão, embrenham-se na floresta: conhecem "espaços muito bonitos aqui", mas ainda não desistiram de encontrar outros. E o dia é pequeno para tanto "inferno".

INFORMAÇÕES

Onde dormir

Hotel Alfonso VIII
Calle Alfonso VIII, 34
34 10600 Plasencia, Cáceres
Tel.: (+34) 927 41 02 50
www.hotelalfonsoviii.com
Desde €80 (quarto duplo, uma noite)

Balneário de Alange
C/ Baños, 58
58 - 06840 Alange, Badajoz
Tel.: (+34) 924 36 51 06 / 924 36 52 13
www.balneariodealange.com
Temporada: De 1 de Março a 10 de Dezembro - época alta entre 1 de Julho e 30 de Setembro.

Balneario El Raposo
06392 Puebla de Sancho Pérez, Badajoz
Tel.: (+34) 924 57 04 10
www.balneario.net
Temporada: De 1 de Fevereiro a 21 de Dezembro. Desde € 69,50 (quarto duplo, uma noite).

Hotel Balneário Valle del Jerte
Carretera Nacional 110, Km 383
10614 Valdastillas, Cáceres
Tel: (+34) 927 63 30 00
www.balneariovalledeljerte.com
Desde € 98 (quarto duplo, uma noite - inclui acesso à piscina activa durante 30 minutos).


Onde comer

Há um orgulho indisfarçável dos estremenhos na sua gastronomia, um caldeirão de influências deixadas pelos povos que cruzaram a Extremadura - que é, aliás, uma das regiões de Espanha com mais Denominações de Origem. O mais conhecido produto daqui é, sem dúvida, o presunto ibérico, o famoso pata negra, e à boleia dessa tradição ninguém passa pela Extremadura sem que lhe passem pela frente várias tábuas de sortido ibérico (por vezes com xarope de pimentão a acompanhar) ou estes a acompanharem sopa de tomate, por exemplo. No entanto, há vida para além do presunto - e do porco: há borrego e cabrito, há peixe (de rio, o mais tradicional), queijos de ovelha e de cabra (e crujiente de pan). E muitos e bons restaurantes, nos sítios mais inesperados - em Valdastillas, povoação rural de menos de 400 habitantes, o restaurante Garza Real surpreende ("Escolhemos abrir na aldeia porque queríamos uma coisa especial, queríamos que as pessoas viessem apenas pela comida", diz a chefe Teresa Nuñez - vale bem a viagem, arriscamos nós); em Plasencia, La Catedral alia a elegância a uma cozinha irrepreensível.

Casa Rural - Restaurante
Garza Real
10614 Valdastillas, Cáceres
Tel.: (+34) 927 475 055
www.garzareal.com

La Catedral
Avenida Calvo Sotelo, 23
10600 Plasencia, Cáceres
Tel.: (+34) 927 41 85 79

Barbacana
Avenida López Asme, 1
06300 Zafra, Badajoz
Tel.: (+34) 924 55 41 00

La Taberna de Sole
Calle John Lennon, 27
06800 Mérida
Tel.: (+34) 666 40 20 72
www.lataberna.com

A Fugas viajou a convite da Tourspain e TurExtremadura

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