Fugas - Viagens

Adriano Miranda

Continuação: página 2 de 2

Pedra Furada e o livro dos caminhos cruzados

De França ao Nepal

"Raramente fiz uma paragem como esta. Esta refeição de peregrino [que António Herculano criou à margem do menu do restaurante, com um preço quase simbólico: 5,50 euros] é extra, como o acolhimento... Parti de Vezelay [localidade francesa da Borgonha] no dia 8 de Abril. Estive em Santiago no dia 15 de Junho, depois Finisterra. Vou agora a caminho de Fátima, depois Lourdes e a seguir o Vaticano. Espero chegar a Jerusalém dentro de nove meses. Mas o meu destino final é o monte Kailash, no Nepal. Serão dois anos de viagem. Ser peregrino é um modo de vida. Que Deus benza aqueles que ama e ajude os peregrinos", testemunha Alain, romeiro francês, cujo relato impressiona pelo que contém de determinação e de programa de vida.

Há muitas histórias por trás das mensagens simples e agradecidas que os peregrinos quiseram deixar no livro do Pedra Furada. Por cada página folheada, António Herculano é capaz de reconstituir a experiência de um encontro, como o daquela senhora sexagenária que, há dias, tendo entrado no bar do restaurante e reparando que em fundo estava uma música de Nat King Cole, lhe pediu que dançasse com ela essa canção. Ou a do jovem empresário alemão que, folheando o livro, descobriu que um seu tio também tinha passado por ali. Ou a ruidosa alegria adolescente de um grupo de estudantes sul-coreanos que vinham acompanhados pelo seu professor de Filosofia. Ou a jovem californiana e o jovem dinamarquês que se encontraram nos Caminhos e, um ano depois, lhe enviaram uma fotografia a mostrar-lhe o filho bebé de ambos...

Para além dos livros, há outros sinais dos Caminhos na parede do bar do Pedra Furada: a vieira, a cruz e o cajado de São Tiago, pequenas bandeiras-galhardetes de países distantes como o Chile, a Nova Zelândia ou a Austrália, ou o leque deixado por uma sul-coreana, cujo nome foi mais tarde identificado por conterrâneos seus como sendo uma importante escritora de literatura de viagens, e cujos livros os tinha levado a empreender o Caminho...

"Não me imaginava já a viver sem o contacto com esta gente de todo o mundo", diz António Herculano, antigo emigrante-aventureiro também por terras da Europa e do mundo. Simultaneamente, com as suas irmãs, desdobrava-se no atendimento aos clientes diários da terra, aos frequentadores do restaurante... e aos peregrinos que iam chegando. Durante a hora de almoço da última segunda-feira, mais de uma dezena de caminhantes - de Sagres, do Brasil, da Alemanha, de Itália... - foram chegando e pedindo a refeição do dia, e também informação sobre o resto do Caminho (mais 190 quilómetros e mais de uma semana de viagem até Compostela).

"Continuação de bom Caminho" - despedia-se, no fim do almoço, o dono do Pedra Furada. Com o conselho-advertência: "Chi va piano va sano e lontano"...


Crítica gastronómica por José Augusto Moreira
O galo assado que canta no Pedra Furada


Casa farta e de comida tipicamente minhota cuja fama há muito se alimenta de bacalhaus, rojões e afins, é também um dos melhores exemplos de genuinidade e critério na utilização dos produtos. José Augusto Moreira saboreou e as fotos são de Paulo Ricca

Muito para além dos peregrinos que periodicamente ali se acolhem, o Pedra Furada é um restaurante com fama (e proveito) construída ao longo de décadas. Casa farta e de comida tipicamente minhota, é também um dos melhores exemplos de genuinidade e critério na utilização dos produtos, sempre que possível oriundos da horta, quintais ou capoeiras da localidade. 

Além da qualidade das comidas, há ainda outra particularidade que o distingue dos demais restaurantes da região: o galo assado no forno, um pitéu que tem arrebatado prémios e só por si justifica a deslocação. E tal como orgulhosamente gosta de referir António Herculano - que com as irmãs Lina e Madalena gere o negócio - , Barcelos tinha o galo na lenda e na olaria mas faltava pô-lo também no roteiro gastronómico e isso foi conseguido pelo Pedra Furada.

O desafio começou com um concurso lançado pelo município para integrar também na cozinha aquele que é o símbolo do concelho e ícone do turismo nacional. Concorrem sempre dezenas de restaurantes, mas invariavelmente o prémio tem sido arrebatado pelo galo recheado no forno à moda de Barcelos do Pedra Furada. E mais uma vez o segredo está na genuinidade do galináceo e no cuidado tratamento que lhe é dado quando chega à cozinha

Há que dizer, antes de mais, que é um bicho de envergadura, tal como acontece com os afamados capões, só com a diferença que não foi capado na infância, ou seja, que não lhe foram tiradas as alegrias, como gostam de dizer os especialistas. Para se abastecer, a casa recorre a alguma produção própria e tem também já montada uma rede de abastecimento em capoeiras das redondezas. Depois de depenado, o galo estagia demoradamente numa marinada e em vinha de alhos antes de ser levado ao forno a lenha, onde lentamente é assado. Vai à mesa com um recheio à base de carnes de fumeiro e devidamente acompanhado com batatinha redondinha da assadura e um arroz do forno com os próprios miúdos.

Tal como cantava Camões, se bem que para outros contextos, melhor é experimentá-lo que julgá-lo. Por nós experimentámos e o que apetece mesmo dizer é que não chega a hora de repetir. Tresanda de sabor, a carne é tenra e suculenta a desfazer-se na boca. E o recheio uma gulodice.

É claro que um bicho destes não se arranja todos os dias, desde logo porque exige preparação antecipada. Em todo o caso, a procura é tanta que já parte da ementa para o almoço todos os sábados e domingos e também nos outros dias é possível saboreá-lo, mas desde que se encomende de véspera.

Mas nem só de galo se alimenta a fama do Pedra Furada. Nem por lá perto, até porque o petisco é coisa dos últimos anos. De respeito é igualmente o bacalhau à moda da casa que saboreámos na mais recente visita. Posta mais que generosa, três dedos de altura bem medidos e a descair em lascas bem temperadas e íntegras como mandam as regras da boa cozinha. Cebola macia e batata às rodelas compõem o saboroso cenário.

Provou-se, ou melhor dizendo, deglutiu-se mesmo, também uma travessa de rojões à moda do Minho, daqueles que já não é fácil encontrar por aí. Carne untuosa e a desfiar-se, tripa enfarinhada bem frita e sarrabulho. Faltaram apenas as batatinhas cozidas na banha, desta vez substituídas por uns modernos cubinhos fritos.

Como entradas, uma chouriça de vinho tinto assada e genuínos bolinhos de bacalhau, que acompanharam com um verde branco Quinta do Barco, que dá boa expressão à casta Loureiro e se portou à altura. No mais optou-se pela potência e complexidade de um reserva Douro da Quinta dos Aciprestes, já que tal exigia o conduto.

O serviço é diligente e simpático, copos correctos, sala ampla e as mesas devidamente aparelhadas com toalhas e guardanapos de algodão. Em noite amena, optou-se por saborear as sobremesas na esplanada exterior, para um final prazenteiro e que se tornou ainda mais agradavél com a simpatia da casa, que decidiu presentear-nos com um Porto LVB da casa Dow"s.

Restaurante Pedra Furada
Rua Stª. Leocádia, 1415
755-392 - Pedra Furada, Barcelos
Tel: 252 951 144 / 917 838 144
Cartões: aceita
Estacionamento: fácil
Encerra às segundas ao jantar

--%>