"A diversidade indiana não cabe toda naqueles compartimentos exíguos, mas há uma boa amostra", escreve Francisca Gorjão Henriques nesta crónica inédita, onde recolhe as suas impressões em complemento do vídeo que realizou sobre a viagem de 3715 quilómetros, 77 estações, 77 horas no Himsagar Express: o comboio que parte a Índia ao meio atravessando-a de norte a sul, atravessando nove estados.
O Himsagar Express apareceu com a forma de uma inevitabilidade: a linha mais longa de toda a Índia, um corte de Norte a Sul no mapa, de Caxemira ao Tamil Nadu. Não são apenas os mais de 3700 quilómetros, ou os nove estados que se vão eclipsando da janela. São as várias Índias que se juntam ali, nas carruagens de um comboio, a falar, falar, falar. E a comer, comer, comer.
A diversidade indiana não cabe toda naqueles compartimentos exíguos, mas há uma boa amostra.
O funcionário público vindo do Uttar Pradesh para visitar a família em Kerala, a mulher que deixa o marido soldado em Caxemira para rever os pais no Tamil Nadu, os rapazes vindos do Assam para tentar a vida como engenheiros informáticos no Maharashtra. Muçulmanos, hindus, cristãos.
A Índia não é o que se vê da janela. É a que temos mesmo aqui ao lado e não pede licença para se deitar no nosso beliche; a que aceita as nossas bolachas mesmo quando estão a acabar; a que nos oferece um chá depois de dois dedos de conversa; a que partilha o filho com uma estrangeira que se conhece há um dia.
A linha chegou ao fim mas há quem continue connosco. Fica a canção de Sehar e os seus grandes olhos castanhos. A moeda com a santa Afonsina da irmã Ambrosia. O sabor dos bolos enrolados em sésamo do casal Tiwani. A linha chegou ao fim mas a viagem não acabou.
[Esta crónica é um complemento inédito da grande reportagem de Francisca Gorjão Henriques, "Há várias Índias a bordo do Himsagar Express", publicada na revista Pública de Domingo, 13 de Março de 2011 - disponível para assinantes do PÚBLICO aqui]