"Há tantos castelos por aqui que às vezes os encontramos por acaso". Aqui são as Terras de Riba Côa, onde encontramos Derek Miller, inglês de Bristol reformado no Castelo do Sabugal. Este "milionário do tempo", como se auto-define, está numa viagem por Portugal, à boleia de uma auto-caravana, maravilhado pelo "cenário rude e agreste" do interior português e encantado com os castelos que encontra pelo caminho. Portugal nunca teve castelos grandiosos, concede o professor de História da Faculdade de Letras da Universidade do Porto Mário Jorge Barroca, porque nunca foi um reino muito rico, mas eles encontram-se por todo o lado: de Norte a Sul do território, solitários ou em malhas urbanas. E têm algo de mágico, estes castelos que continuam a recortar as paisagens portuguesas e atrair visitantes regularmente - "sobretudo os mais emblemáticos", sublinha Mário Barroca.
"Vou onde for preciso só para ver castelos", afirma Carlos Bernardo, brigantino e membro da Associação Amigos dos Castelos, com quem nos cruzamos numa manhã de sexta-feira no Castelo de Lanhoso - onde não conseguiu entrar porque este fechou recentemente para obras. Olha a muralha e não está impressionado - "Este. Quem visita muitos [castelos] acaba por achá-los todos iguais, muralhas, ameias, torres". "Especialista-amador", não tem dúvidas em distinguir os castelos dos templários como os mais impressionantes: "Impõem respeito, tem algo muito específico". O de São Jorge, em Lisboa é, diz, exemplar, "pela forma como está conservado, pela área que tem. Pode-se estar o dia inteiro lá"; ao de Guimarães reconhece o valor de "referência", mas, considera, "não é dos mais interessantes". Ao de Almourol já chegou caminhando pelas águas, impaciente de mais para esperar o barco.
Nós não fomos à boleia de Carlos Bernardo, mas de Mário Barroca, autor de extensa obra sobre o tema, a quem pedimos uma lista de seis castelos importantes para descobrir o país e a nossa história. Começámos pela Póvoa de Lanhoso a descobrir cronologias anteriores à nacionalidade (séculos X-XI); passámos por Tomar no tempo da reconquista cristã e espreitámos o lado muçulmano em Silves (segunda metade do século XII); em Lisboa detivemo-nos na alcáçova régia (século XIII); no Sabugal vimos o triunfo do gótico depois do triunfo das fronteiras definidas (século XIV); e chegamos a Vila Viçosa com a pirobalística (século XVI).
Sabíamo-lo teoricamente, agora sabemo-lo empiricamente: em Portugal, nunca estamos muito longe de um castelo. Porque o provámos na prática, ficámos a tratar por "tu" a Direcção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais (DGEMN), que nos anos 30 e 40 do século XX levou a cabo uma ampla reconstrução deste património: mais ou menos controversa, o certo é que deu novamente corpo à história e devolveu torres e ameias às paisagens portuguesas. E é, então, atrás delas que partimos de Norte a Sul.
Póvoa de Lanhoso
Terá outras histórias o Castelo de Lanhoso mas escolhemos as ligadas a D. Teresa para começar e a explicação vem já. Ainda estamos em tempos do Condado Portucalense, porém já se conspirava para a independência quando D. Teresa, a mãe do fundador da nacionalidade, ali se refugiou para escapar ao assédio das tropas da sua irmã, D. Urraca. O cerco acabou num impasse - D. Teresa não consegue sair, D. Urraca não consegue entrar - que resultou no Tratado de Lanhoso, em 1121, inesperadamente vantajoso para D. Teresa. D. Teresa teria outras passagens pelo castelo, mas é esta escolha que é reveladora. "Para mim é um claro indício que era o castelo que ela considerava mais forte ali no território à volta de Braga", afirma Mário Barroca. Era, aparentemente, inexpugnável, no cimo de um colossal monolítico granítico, que alguns apontam como o maior da península.
Para quem chega vindo de Braga, das curvas da estrada cá em baixo o primeiro vislumbre do Castelo de Lanhoso é o de um ninho de águias, indiferente nas alturas. São estas alturas (385 metros) o motivo da existência do castelo, construído numa época em que a melhor defesa era a topografia alta. E a época da edificação o motivo por que está nesta lista: Mário Barroca aponta o século X e é difícil encontrar castelos (visíveis) tão antigos no país.
Até à década de 30 e à intervenção da DGEMN, a única entrada no castelo era através de umas escadas escavadas na rocha - que havemos de descer por nossa conta e risco. Mas agora é a Rua do Horto que nos leva até lá acima, entre vestígios do castro posto a descoberto na altura em que a estrada foi rasgada. E a entrada primitiva passa despercebida no maciço rochoso, que não mais nos vai largar. Está sobretudo entranhado no espírito do local e está no solo - é o granito que trepa a esplanada até ao castelo.
Porque já estamos dentro da muralha, pontuada por uma série de torreões - sobretudo na zona a ladear a entrada primitiva - e alguns terraços de terra com mesas de piquenique. É um recinto grande onde a primeira visão que temos é do Santuário de Nossa Senhora do Pilar, construído no século XVII. A alcáçova do castelo está mesmo no fim da linha - no extremo do monólito, escondido pela igreja e é aqui que tudo se torna verdadeiramente vertiginoso. E (mais) rude, (mais) primordial.
A sua muralha não impressiona, vista assim, é necessário começar a contorná-la (até onde é possível) e vê-la em confronto com os desníveis: aí, a muralha confunde-se com os rochedos e percebemos que não é necessário mais, uma vez que seria virtualmente impossível superar esse declive - é local privilegiado para escalada e rappel.
O que vemos agora não é, inteiramente, o castelo "de" D. Teresa - desse, pré-românico, existem troços, mas a sua face foi transformada. A principal alteração foi a destruição das três torres laterais e sua substituição por uma torre de menagem central - obra de D. Dinis, que também arrasou a residência senhorial que existia no interior. Das torres primitivas (e da sapata), restam os alicerces postos a descoberto pelas obras de restauro da década de 40, que, perante as ruínas e sem perceberem a estrutura original, fecharam o castelo no ponto errado.
Mas já antes de D. Dinis, também D. Pedro, bispo de Braga, tinha feito obras de reconstrução - ainda que respeitando a estrutura pré-românica. Dessas obras há "notícia" na inscrição de uma pedra que ainda sobrevive na entrada do castelo - estreita, ladeada de duas torres quadradas.
Passamos a porta e no pátio interior deparamo-nos com uma oliveira solitária que se ergue "de" um estrado de madeira (colocado recentemente para espectáculos), observando as quatro bases dos pilares da antiga residência que ali se erguia. O espaço é exíguo, os adarves são baixos: é a torre de menagem que se destaca. Lá dentro funciona o núcleo museológico, inaugurado em 1996, com peças (ou réplicas) encontradas no castro.
Ainda se pode subir ao terraço da torre, com caminho de ronda e, claro, a melhor vista da região - do vale do Ave ao vale do Cávado, do castelo roqueiro de São Mamede de Penafiel à Serra da Cabreira. Mas não se duvide: o Castelo de Lanhoso é um castelo sempre à beira do abismo.
Castelo de Lanhoso
Póvoa de Lanhoso
Tel.: 253 639 708
Fax.: 253 631 435
E-mail: casa.botica@mun-planhoso
www.avedigital.pt/museus/nmpl
Horário: A alcáçova do Castelo de Lanhoso fechou para obras no final de Setembro (recuperação de um piso da Torre de Menagem e iluminação exterior) e deverá reabrir em Março de 2011 com o horário anterior: de terça-feira a domingo, das 10h00 às 12h30 e das 14h30 às 17h30.
Preços: €1; €0,50 para reformados e estudantes.
Sabugal
Agora atravessamos o rio Côa como se nada fosse, há 800 anos atravessá-lo era entrar em território inimigo - no reino de Leão e Castela. Atravessamo-lo para chegar ao Castelo do Sabugal, que antes de ser português foi leonês; que foi construído como resposta a um castelo português, o de Sortelha, naquela lógica de "política de diálogo de fronteira", refere Mário Jorge Barroca - e que até obrigou a uma "transferência", do "Sabugal Velho" (há ruínas) para o "Sabugal Novo". Este onde chegamos por estes dias e que passou a ser português em 1296, com D. Dinis - confirmado em 1297, na assinatura do Tratado de Alcanices.
Ainda atravessamos no mesmo sítio onde D. Dinis o fazia. Quase que abraçada pelo rio, a elevação onde se situa o castelo é diminuta e sobe-se por ruas que receberam recentemente nomes históricos - D. Sancho I, Aljubarrota... No topo, uma praça de empedrado novo, com pelourinho do Estado Novo e plátano crocitante, deixa-nos face a face com as muralhas do castelo - as da povoação foram desaparecendo: a Torre do Relógio, ninho de cegonhas, é a parte mais visível dessa muralha que foi quase oval, ao lado da Câmara Municipal (também ela erguida em parte da fortificação). Na verdade, o próprio castelo não resistiu totalmente a essa voracidade construtora e está também espalhado em pedras e cantaria por todo o Sabugal, mas a intervenção dos anos 40 da DGEMN recuperou-lhe a silhueta.
Mas ainda estávamos com D. Dinis, que conquistou o Sabugal e dentro da muralha leonesa construiu o castelo. Em zona baixa, sim, logo "sem condicionalismos topográficos", refere Mário Jorge Barroca, e com "determinados mecanismos de defesa" que lhe permitem a sobrevivência - e validade. Um castelo novo e pensado. "Um bom exemplo do castelo gótico" - a saber, planta geométrica, distribuição muito racionalizada das construções no interior, quatro torreões e uma torre de menagem única: pentagonal.
Para chegar à torre das quinas, passamos primeiro a barbacã (do século XIV), muralha baixa que circunda a fortaleza e passamos pela recepção/posto de turismo, edifício recente de ferro e vidro. Pela porta principal, desembocamos na praça de armas, espaço rectangular amplo agora coberto de terra amarela - excepção para o pequeno anfiteatro de xisto virado para um palco, que aproveita a boa acústica do espaço.
Nas muralhas, notam-se as marcas das construções que outrora aí estiveram encostadas, na cor das pedras (silhares) - mas esses edifícios, arruinados, foram completamente arrasados quando, no século de XIX, o castelo serviu de cemitério, depois da proibição de enterramentos nas igrejas.
Há quatro escadas de pedra que permitem a subida ao adarve, que se percorre ininterruptamente em piso de xisto restaurado, entre merlões largos e outros mais estreitos que terminam em pirâmides (nos torreões) - estes, têm apenas frestas para a utilização de arco e flecha, os outros já tem troneiras, o que indicia uma adaptação às armas de fogo (possivelmente do reinado de D. Manuel I): a fresta tem na base um buraco cónico, porque o pequeno canhão era pousado no chão (e na barbacã até existem dois níveis de tiros).
O acesso à torre de menagem faz-se pelo adarve, quase por cima da porta principal: o escudo manuelino na frontaria e duas salas abobadadas (os arcos de fresta unem-se em escudos de quinas apoiados em grossas colunas) em cada andar, no primeiro, piso de pedra vermelho, no segundo de madeira - a mesma madeira que faz outro andar em varanda, uma mão estendida para as abóbadas. Antes de sair para o terraço em quinas, espreitamos os balcões (quase varandas mas que cobrem uma pessoa), com orifícios em baixo, para o tiro vertical - são uma solução "tipicamente gótica", estes balcões com matacães.
Do topo da torre de menagem, vê-se o rio e as suas margens arranjadas, praia fluvial incluída, e o casario que tem um pouco do castelo e não só - há aras romanas em casas e na parede exterior da Igreja São João; noutra casa, um miliário também romano é decoração. E, depois, há casas com janelas manuelinas descaracterizadas. Nem todas as pedras têm o mesmo valor no Sabugal.
Castelo do Sabugal
6320 Sabugal
Tel.: 800 262 788
E-mail: geral@cm-sabugal.pt
http://web.cm-sabugal.pt/
Horário: De Outubro a Março das 9h30 às 13h00 e das 14h00 às 17h30; de Abril a Setembro, das 10h00 às 13h00 e das 14h00 às 18h00. Encerra à segundas e feriados.
Preço: €1
Tomar
Se Carlos Bernardo tivesse de eleger o seu castelo preferido de Portugal seria o de Tomar. É verdade que a parte que mais o arrepia é o Convento de Cristo visto da Porta do Sol, mas apostamos que concordaria com Mário Jorge Barroca, que diz que "o Castelo de Tomar tem importância europeia, se for devidamente interpretado e valorizado". Coisa que nem sempre tem sido: "Quando se tem coisas vistosas ao lado, o que é mais austero passa despercebido".
O que está ao lado é o Convento de Cristo com a sua a Janela do Capítulo, manuelina, mas antes de tudo isso existia um castelo, onde até se mantém a mais antiga torre de menagem portuguesa, de 1160 - e só por isso é importante. Mas, claro, não se pode falar do Castelo de Tomar sem falar dos templários: foi construído para ser a sede da ordem em Portugal e (também) por isso foi tão inovador.
Passamos o primeiro pano de muralhas e estamos na barbacã a dar a curva para a Porta do Sol, a principal. É impossível não reparar na estrutura rampeada na base da muralha do nosso lado direito - é um alambor, influência directa do Próximo Oriente (trazida pelo mestre da ordem na altura, Gualdim Pais, que esteve cinco anos nas cruzadas) e o que torna o castelo "verdadeiramente importante", considera Mário Barroca. Noutros castelos voltará a ser utilizado, mas em dimensão muito menor - aqui, está em toda a fortificação, protegendo de escalonamentos ou de uso de máquinas de guerra.
Atravessamos a grande porta dupla de madeira para uma avenida longa ladeada de jardins ("acrescentados" na década de 40). Ao fundo, a charola e uma das paredes do convento, onde nos dirigimos para descobrir que ali, das escadarias que acedem à esplanada da igreja (e à recepção do convento - tão escondida que os visitantes perguntam onde é), que nem existia à data da inauguração do castelo, se tem a melhor visão do cenário que percorremos: a porta, enquadrada pelas muralhas douradas que descem no terreno intervaladas por torreões quadrados e circulares e pelo castelejo, que encerra a torre de menagem; o pátio fechado por ruínas de um lado e debruçado numa varanda sobre a almedina de outro - é um castelo, mas a tranquilidade dir-seia monástica.
Esta é uma fortificação típica do Sul, por isso esqueçam-se os recintos amuralhados exíguos do Norte cristão. O pátio faz a transição entre a alcáçova e a almedina (daqui apenas copas frondosas de árvores) - três grandes espaços, portanto, autónomos. A alcáçova era o espaço mais simbólico e tinha dois extremos: o castelejo (pólo militar) e a charola fortificada (pólo espiritual). Entre eles, o recinto dos freires, mais tarde paço do Infante D. Henrique - Maria da Luz, que nos guia, di-lo melhor: "O castelo tem o coração na alcáçova e a alma na oratória. E quem os uniu foi o infante D. Henrique".
A alcáçova está fechada a visitas livres. É uma chave gigantesca que abre as suas portas: caruma cobre o chão e à nossa volta ruínas e outra muralha - o castelejo. Nova porta para a ele aceder, por escadas estreitas, e mais ruínas de construções posteriores aos templários (de D. Catarina, viúva de D. João III que "deixou" bancos de namorados na muralha com vista para a cidade), e a Torre de Menagem, severa, separada da muralha, construída com pedras de várias proveniências, incluindo aras romanas a "outros" deuses.
Do outro lado, as ruínas do antigo paço do infante, que foi mestre da Ordem de Cristo (que substitui a do Templo) e aqui viveu. É um esqueleto oco, onde se preparam escavações e a recuperação do espaço para servir de recepção. Que já foi na charola, inspirada na Cúpula do Rochedo - um oratório com tambor central octogonal e deambulatório de 16 faces exteriores que D. Manuel decorou intensamente: as pinturas sobre pedra, estuques e madeira ainda impressionam, sobretudo pelo tamanho.
Fora da alcáçova (e do convento), os visitantes têm livre-trânsito: para circular no pátio e descer à almedina (por onde se acedia directamente pela chamada Porta do Sangue), onde se localizou primeira povoação de Tomar - pós-romana, pelo menos. Quando se dá a conventualização, com D. Manuel I, a população é obrigada a sair, e hoje passeamos pela antiga rua principal coberta por caramanchão, vemos a porta dos Cavaleiros (de acesso ao pátio) entaipada e distinguimos as casas pelas marcas da muralha - está tudo coberto de vegetação.
Não é apenas um conjunto arquitectónico belo: este Castelo de Tomar era resistente (afi nal, era castelo de fronteira). Teve prova de fogo em 1191, quando os exércitos de Al-Mansor o cercaram durante cinco dias. E teve voto de confi ança de D. Sancho I, que ali guardou parte do tesouro régio. Agora, é ele próprio um tesouro - e constitui, com o Convento de Cristo, Património da Humanidade da UNESCO.
Castelo de Tomar
2300 Tomar
Tel.: 249 313 481
E-mail: convento.cristo@igespar.pt
http://www.conventocristo.pt/
Horários: De Outubro a Maio das 9h00h às 17h30; de Junho a Setembro das 9h00 às 18h30 (última entrada às 18h00).
Preços: Entrada gratuita no castelo.
Convento de Cristo, €6. Bilhete conjunto Rota do Património Mundial (Alcobaça, Batalha e convento), €15. Descontos especiais.
São Jorge
Quando se levou a cabo a reconstrução do Castelo de São Jorge, nas décadas de 30 e 40 do século passado, as pessoas começaram por chamar-lhe "castelo de mentira", porque parecia surgir do nada. Na verdade, emergiu da cápsula que diversas construções ao longo dos séculos ali criaram e testemunham a polivalência do monumento português mais visitado. Limpos os "excessos", revelaram-se as fundações do século XI (do período islâmico, embora a ocupação da colina lisboeta esteja confirmada desde pelo menos 600 a.c.) e devolveu-se a coroa à colina mais alta da capital.
É para lá que subimos, pela Rua de Santa Cruz do Castelo, encaixada entre as muralhas da alcáçova e as ruelas da freguesia do Castelo: a mais antiga de Lisboa, que vive, como habitualmente, entre os turistas e as roupas a secarem nas janelas, portas abertas, gaiolas nas paredes e fado que se desprende de aparelhagens - garantimos que não é (só) cliché. E com um pé no Castelo, que para muitos foi o pátio de todos os recreios. D. Paixão entra antes de nós, cabisbaixa. "O que se passa, está cansada?", saúda a segurança. "Venho só um pouco à esplanada", responde. "A sua amiga já entrou." Vêm sempre, D, Paixão e a amiga, habitantes do Castelo e sem precisar sequer de parar na casa partida - portas escancaradas pelo cartão de residentes da freguesia - enquanto outros confundem a caixa multibanco com a venda de bilhetes.
Da Praça de Armas, D. Afonso Henriques, que conquistou Lisboa em 1147, continua de atalaia ao castelejo, ao paço real e até ao bairro residencial muçulmano, envolvidos aqui pelas muralhas da alcáçova. Começamos pelo paço régio, com as grandes abóbadas restauradas para lá da entrada sob arcos ogivais, onde funciona agora o Núcleo Museológico, feito do espólio encontrado nas escavações feitas aqui. Afinal, é este paço, que já existia em tempos islâmicos, o motivo do destaque de Mário Barroca - a partir de D. Afonso III (século XIII), que transferiu a capital para Lisboa, o castelo passou a ser residência real ofi cial (até que D. Manuel I se mudou para o Paço da Ribeira). E, como tal, foi testemunho de episódios marcantes da história nacional: as comemorações do regresso de Vasco da Gama da Índia, a apresentação da primeira peça de teatro portuguesa, para citar os mais óbvios.
No castelejo, fugimos à tentação da entrada mais fácil - até porque as nossas guias nos dizem que é uma espécie de "remendo", rasgada por motivos pragmáticoturísticos na barbacã. A original fica mais à frente e atravessamos a ponte levadiça sobre um fosso seco para dobrar a esquina impetuosa da barbacã (para evitar transição fácil) e entrar finalmente no "castelo". A música anda no ar - e não é figura de estilo: é a guitarra de Pedro Godinho, um dos músicos "residentes", que nos acompanha pelos dois pátios - enquanto caminhamos pelo adarve, que não se limita à muralha e se aventura sem "trapézio".
Cumpre-se o "cruzamento" central e desemboca-se quase por cima da porta principal, com direito a passagem na "Câmara Escura" da Torre de Ulisses (onde funcionou o arquivo do Tombo), para a experiência de um Big Brother nas ruas de Lisboa com o auxílio do periscópio aqui montado. Segue-se para bingo para chegar à miragem da Torre de São Lourenço, assente já a fugir na encosta inclinada ligada por uma couraça ao castelejo (lógica: permitia a saída da cidade subitamente cercada) e passagem pelas torres da Cisterna e do Paço, antes da Torre de Menagem, num dos extremos da muralha povoada por gatos, vemos agora. Já ajudaram a controlar os pavões tão característicos de São Jorge, agora todos convivem pacifi camente: os gatos preguiçam, os pavões exibem-se mais à frente.
Seguimos para o Núcleo Arqueológico e, admiramonos, não saímos do castelejo. A única entrada obriga a seguir pelo adarve, uma vez que um parque de estacionamento - para os residentes da freguesia - se implantou entre as duas secções da alcáçova. É, portanto, do alto que vemos a intervenção de Carrilho da Graça que lhe valeu o Piranesi Prix de Rome 2010, que premeia trabalhos de valorização do património arqueológico através de projecto contemporâneo.
Está delimitada por painéis de aço e no seu interior reúne vestígios da Idade do Ferro, das ruínas do Palácio dos condes de Santiago (séculos XV a XVIII) e do período islâmico - e aqui está o destaque: percorremos uma rua do século XI (no fi nal da qual se encontrou uma espécie de "frigorífico" colectivo) e entramos em duas casas, bem preservadas em termos de planta, às quais a intervenção do arquitecto deu sensação de espaço. Ambas se distribuem em torno de um pátio central, com delimitação da zona mais íntima - ainda há restos de estuques decorados (com o "cordão da felicidade": dourado sobre fundo vermelho) e restos do chão de argamassa.
Hoje, uma neblina estendeu um manto suave sobre a cidade. Mas, garantem-nos, em dias limpos vêse até ao Castelo de Palmela, bem do outro lado do Tejo. Dos terraços nas traseiras da alcáçova, pontuado de canhões onde todos se querem fotografar, espreitamos o casario até ao Terreiro do Paço, o Cristo Rei e a Ponte 25 de Abril. Lisboa é a única capital europeia com um castelo do século XI no seu centro, ouvimos. Que bem lhe fica.
Castelo de São Jorge
1100 -129 Lisboa
Tel.: 218 800 620
E-mail: info@castelodesaojorge.pt
http://www.castelodesaojorge.pt/
Horário: De 1 de Novembro a 28 Fevereiro das 9h00 às 18h00; de 1 Março a 31 Outubro das 9h00 às 21h00
Preços: €7; estudantes, séniores e famílias, €3,50. Outros descontos.
Vila Viçosa
Não é muito fotogénico, o Castelo de Vila Viçosa, mas apela logo à imaginação: quando nos detemos junto à entrada da fortificação, vemos uma ponte levadiça de madeira e mecanismo de ferro enferrujado sobre um fosso (que foi sempre seco) - não importa sequer se é a entrada mais pequena (ao lado, a porta é maior, era a da artilharia e cavalaria, mas não tem ponte). Imaginamos sempre pontes levadiças em castelos, mas este é mais fortificação pura e dura - esqueçam-se ameias, por exemplo, porque o parapeito é corrido (com intromissão de canhoeiras) e todo o edifício é maciço, diríamos quase atarracado, levemente inclinado e quase sem aberturas.
À porta do castelo, deixamos um parque que envolve ruínas - há parte da muralha da vila, há arcos para lado nenhum, escadas sem partida ou chegada. E mais para baixo está a Igreja de Nossa Senhora da Conceição e o que resta da vila intra-muros, mandados erguer por D. Dinis e rasgados por três portas. Mas o castelo abaluartado onde entramos agora está indissociavelmente ligado à Casa de Bragança, antes mesmo de esta ser a família reinante em Portugal, quando era "apenas" a casa nobre mais poderosa do país.
O Castelo de Vila Viçosa como o vemos hoje é o produto desse poderio e da sua ostentação. Do castelo de D. Dinis pouco resta - entre 1525 e 1537, transformou-se em fortificação preparada para os desafi os da pirobalística. Vêse na estrutura - o quadrilátero tem dois torreões semi-circulares, em ângulos opostos e quatro níveis de disparo, três no interior e um no adarve: "Com uma notável economia de meios, conseguia fazer-se tiro ao longo da totalidade das muralhas", nota Mário Jorge Barroca. Destacam-se os pontos em comum com uma planta de Leonardo da Vinci - e Mário Barroca sublinha a ainda semelhança com um castelo norueguês mandado erguer por um bispo que viveu em Itália -, porém, da autoria desta obra de transição não há documentos conclusivos.
A entrada é em cotovelo e por aqui já se vêem as suas preocupações defensivas - reforçadas pela ronda interior ao nível do rés-do-chão. Por momentos, saímos para o pátio central, inesperadamente branco e tipicamente alentejano (sob o qual cruzam os canais de mármore da cisterna) para onde abrem as janelas, setecentistas, dos três andares que aqui se vislumbram. Mas já voltamos a entrar, para percorrer o emaranhado de salas e galerias, originais ou improvisadas a partir de armazéns, cozinhas ou prisões, abobadadas ou nem tanto, seguras por colunas mais ou menos graciosas, com mais ou menos mármores - onde, nos dois primeiros andares, funcionam o Museu de Arqueologia e o Museu da Caça: vemos colunas romanas e jóias da Idade do Bronze, peças egípcias e marcos das propriedades dos Braganças, parte do Tesouro de Juromenha e túmulos; um crocodilo embalsamado e hastes de veados e gamos; muitas cabeças de animais (alguns exóticos), armas de fogo e de caça à baleia.
No percurso, cruzamo-nos com o caminho de ronda interior e desembocamos nos torreões (nos dois primeiros andares, o terceiro está fechado) para encarar as canhoeiras que permitiam os tiros flanqueados e rasantes à parede e observar as chaminés de onde saíam os fumos resultantes dos disparos de canhão - espaços de amplas abóbadas, habilmente reformulados, onde o cenário bélico também pode ser visto como pano de fundo das exposições. E para encontros verdadeiramente imprevistos - os morcegos que vivem por ali.
No adarve, que não dá volta completa, mais espaço para canhoeiras e para toda a planície alentejana. Ao fundo, com boa vontade, vê-se o Alqueva, mas a tapada real (mais antiga e maior do que a de Mafra) está às portas de Vila Viçosa, as pedreiras abrem feridas na paisagem e a fachada do Paço Ducal está mais azul do que nunca.
A cerca da vila está quase aos pés da fortificação, interrompida pela construção desta, que a delimita em dois momentos - "parece que caiu uma bomba", havia descrito Mário Barroca. No adarve, a vista da Porta de Évora, a principal, flanqueada por duas torres e ladeada por dois canhões no jardim que ali começa, está quase em simetria com a Praça do Município (espécie de linha divisória entre a cidade velha e a nova); andando um pouco mais, descobrimos a torre de menagem, também do lado de fora da muralha. Do lado de dentro, mantém-se o cemitério - à entrada, o túmulo de Florbela Espanca.
Castelo de Vila Viçosa
7160-243 Vila Viçosa
Tel.: 268 980 128
http://www.fcbraganca.pt/
Horário: De Outubro a Março, terça-feira das 14h00 às 17h00: quarta a sexta-feira das 10h00 às 13h00, das 14h00 às 17h00; fim-de-semana das 9h30 às 13h00 e das 14h00 às 17h00.
Preços: €3
Silves
É quase impossível esquecer o Castelo de Silves, por muitos castelos que se vejam: a sua cor avermelhada - da pedra utilizada na sua construção, o grés de Silves - fica na retina quando todas as outras memórias se desvanecem. Do mesmo modo, pode ser uma estátua de D. Sancho I, que nos recebe à entrada, mas é impossível esquecer quem fundou o castelo que se tornou definitivamente português em 1253, com D. Afonso III, mas que mantém a arquitectura base. É uma fortaleza islâmica na sua raiz - e é na reforma do fi nal do século XII, início do século XIII, que ganha o perfil que ainda mantém, explica Mário Jorge Barroca - e quanto mais se escava mais se desenterram as glórias de Xelb, capital de duas taifas (reinos autónomos).
Desta, destruída em conquistas e reconquistas, o que não há nas ruas, sobra na literatura: Xelb, centro cultural de charneira, pólo de atracção para artistas, intelectuais, músicos, escritores, cidade próspera por cujos bazares passavam objectos de todo o mundo então conhecido (alguns restos podem ser admirados no Museu Municipal de Arqueologia), maravilha arquitectónica coberta de palácios - o mais esplendoroso de todos, o "Palácio das Varandas", repetidamente referido na poesia árabe, nomeadamente de Al-Mutamid e Ibn Anmar.
Vamos chegar lá depois de passarmos a porta principal da alcáçova, bem no topo da cidade alva, que outrora foi protegida por outros três panos de muralhas - dois sucessivos e uma couraça a uni-los -, abrangendo a almedina (12 hectares), dos quais restam o Torreão da Porta da Cidade e pequenos troços (como o que está na biblioteca municipal). Antes passámos pela sé, que terá sido construída em cima da mesquita, também ela marcada pela pedra avermelhada na sua frontaria.
Duas torres protegem a entrada - que, na verdade, é dupla e alberga a recepção (onde se podem levantar áudio-guias para o castelo e cidade) e loja - e depois de uma pequena rampa chegamos ao enorme pátio. Vêem-se ruínas de um lado, do outro jardins em construção recente, como a tijoleira denuncia - e ambos são resultado da mais recente intervenção no castelo, concluída em 2009. As ruínas são vestígios de construções islâmicas - o Palácio das Varandas é uma das possibilidades, dado o fausto e o requinte que as escavações de Rosa Varela Gomes revelaram - agora arranjados de forma a serem visitáveis. Há um percurso entre elas e uma reconstrução pequena, branco a contrastar com o vermelho dos originais, do que teria sido um arco do palácio.
É necessário menos imaginação para "ver" os jardins do palácio: o arranjo paisagístico recria um jardim de raiz muçulmana, as cores e os cheiros sobretudo, e por isso agora avançamos em pequenos caminhos entre pimenteiras, romãzeiras, loendreiros, laranjeiras, limoeiros, figueiras, alecrim, mirtilos, hortelã, roseiras e até canas-de-açúcar (cuja plantação foi ensaiada nestas paragens por altura dos Descobrimentos) - hoje não vemos a água, que deveria correr pelos estreitos canais e sob a nova casa de chá, e ainda faltam as placas informativas com indicação dos nomes das plantas, origens e o motivo de estarem aqui.
A enorme tília do outro lado do pátio está aqui desde antes da reconstrução, é emblema do castelo, e fornece sombra às ruínas e a uma parte da muralha, onde subimos. Do caminho da ronda, pontuado por várias torres, vêemse os laranjais nas traseiras do castelo (e, já na colina, percurso recente que permite a ascensão à fortaleza em passadiço de madeira ziguezagueante), a serra de Monchique de um lado e Portimão do outro, seguindo o curso do rio Arade, que já foi navegável.
E vêem-se sobretudo as torres albarrãs - a palavra de origem árabe é explicativa, "do lado de fora": as torres estão construídas do exterior e unidas à muralha por um arco. Quem está a defender o castelo faz tiro sobre a muralha - sobre os atacantes, portanto - como se estivesse fora. "Uma solução muito engenhosa", considera Mário Jorge Barroca.
Engenhosa é também a cisterna: abóbadas impressionantes e alvura imaculada que visitamos sobre água, num piso transparente. Diz-se que tinha autonomia para um ano e até aos anos 90 ainda abastecia a cidade. Diz-se também que todas as noites de São João se ouvem aí os lamentos de uma princesa moura.
No segundo monumento mais visitado do Algarve (a seguir à fortaleza de Sagres), ainda se vislumbra a capital do Garb-Al-Andaluz.
Castelo de Silves
8300-144 Silves
Tel.: 282 445 624
Horário: De 16 de Setembro a 14 de Julho, das 9h00 às 17h30; de 15 de Julho a 15 de Setembro, das 9h00 às 19h00.
Preços: bilhete normal, €2,50; bilhete 50% (para maiores de 65 anos, estudantes, possuidores de cartão jovem e crianças com mais de 10 anos), €1,25; bilhete de grupo (mais de 20 pessoas), €2; bilhete conjunto (Castelo e Museu Municipal de Arqueologia), €3,60.