Os pequenos pássaros são colocados em sacos de pano e levados para a mesa de anilhagem, onde são pendurados num cabide cujos braços têm a identificação de cada rede específica: CL1, CL3, CL2A, Pinhal, Matos, Sebe. Só por esta listagem dá para perceber a multiplicidade de paisagens que por aqui se encontram. "Numa área pequena, temos uma enorme diversidade de habitats", confirma Vítor Encarnação.
Esta manhã não haverá grandes sobressaltos. Não aparece qualquer raridade, o trabalho decorre em ritmo moderado, ao contrário do que acontecera nos dois dias anteriores, quando o vento Norte trouxe consigo muitos migradores e as redes se encheram. Cada ave que sai do saco recebe uma anilha com um código as que não têm, porque algumas são recapturas. Paulo recorda um guarda-rios (Alcedo atthis) que, no ano passado, fez questão de cair na mesma rede todos os dias, pela mesma hora...
A conversa vira-se para os esforços de formação que aqui se fazem. Quase todos os anilhadores credenciados em Portugal (são 191, mas só umas duas dezenas exercem com regularidade) passaram pela Lagoa de Santo André. No entanto, não há nenhum da terra. "Houve uma, mas 'migrou' para Aveiro", brincam. Filipa, no entanto, é mesmo de Santo André. Acabou o curso de Biologia. E agora? "Estou a ver o que faço da minha vida", lança. "Ela anda é a pensar fugir para Espanha..." Ganhar asas pode ser um efeito secundário de lidar com aves.
O quarto elemento à mesa é António Manuel Marques. Tem um café-pastelaria em Faro e está aqui porque tirou uns dias. A sua formação está praticamente completa e nota-se a desenvoltura com que identifica as espécies. Em breve terá a sua credencial de anilhador. Por agora, levantase e dirige-se a outra das redes, para regressar pouco depois com cartaxos, felosas, bicos-de-lacre, rouxinóis. Eles, claro, conhecemnos pelos nomes científicos e este procedimento tem uma lógica científica: a mesma espécie pode ter nomes comuns diferentes nas diversas regiões do país. Assim não há dúvidas.
Há já algum tempo que um ruído arrastado se avoluma no pinheiro que nos faz sombra. "Lá está ele, não falha!", comenta Paulo Encarnação. "Ele" é uma corujado-mato (Strix aluco) macho, que o vigilante do ICNB alimentou desde pequeno e que agora, meses depois, começa a ganhar autonomia. "Já se afasta, já caça, mas quando a coisa não corre bem vai fazer barulho para o pé da casa [ali perto, que serve de base à estação ornitológica], a pedir comida. Em pequeno vinha para cima desta mesa e tentava atirar-se às aves que libertávamos... agora já se mantém mais à distância".
Para quem se propõe visitar o local e conhecer melhor os segredos da anilhagem de aves, a visão de Snowball, que ainda não aprendeu a recear os seres humanos, pode ser um bónus emocionante. Mas, mesmo adivinhando apenas a presença desta jovem ave de rapina por cima das nossas cabeças, há qualquer coisa de magnético no seu apelo.
Marcar com antecedência
Para além da recepção a escolas e das acções no âmbito do programa Ciência Viva, a Estação Ornitológica Nacional do Monte do Outeirão também receberá visitas particulares, num dia por semana ainda a definir. Estas, no entanto, terão de ser marcadas com antecedência, por mail (monteouteirao_eon@sapo.pt), ou telefone (269708063). Outras informações estão disponíveis na página do ICNB (http://portal.icnb.pt/ICNPortal/vPT2007/).