Fugas - Viagens

Miguel Manso

Conhecer as aves na Lagoa de Santo André

Por Luís Francisco

Quem quiser pode inscrever-se para acompanhar o trabalho dos cientistas na Lagoa de Santo André, junto a Sines. Apanham-se aves, registam-se e colocam-se anilhas. E depois soltam-se novamente. "É a mensagem mais forte que queremos passar: ter um animal na mão e dar-lhe a liberdade". A Fugas experimentou e aprendeu muito mais do que apenas estranhos nomes em latim

"Acrocephalus scirpaceus é um 3, zero gordura, um músculo". Esperem, esperem... o quê?! "Asa 64, peso: 12,8." Hãã?!... "Pode seguir? OK". E lá vai um passarinho, voando, livre, sobre os canaviais que marcam o limite interior da Lagoa de Santo André, no Alentejo junto a Sines. Ao princípio parece que aterrámos num filme de agentes secretos que comunicam entre si num misto de código oral e discretos sinais físicos. Mas depressa o mundo da anilhagem de aves se torna interessante. Bastam meia-dúzia de explicações e um bocadinho de atenção.

O Acrocephalus scirpaceus é um passarinho, um rouxinol-pequeno-dos-caniços. Aqui está em casa ele é o símbolo da Reserva Natural das Lagoas de Santo André e da Sancha. Este, em particular, que acaba de levantar voo das mãos de Filipa, é um juvenil, ainda sem gordura acumulada, mas com bom tónus muscular. Tem 64mm de medida da asa e pesa 12,8 gramas. Todos os dados foram registados numa tabela que depois será descarregada para uma base de dados informática. E é assim que ficamos a saber mais sobre as nossas aves e as que nos visitam em determinadas épocas do ano.

São 7h30 da manhã e a neblina ainda se agarra teimosamente ao plano de água da lagoa. Em breve o calor do sol imporá a sua lei, mas, por enquanto, há humidade e frescura no verdejante horizonte que se desfruta daqui, deste enorme pinheiro a roçar o chão, protegendo, quase como uma tenda, a mesa de madeira sobre cavaletes metálicos e algumas cadeiras de plástico onde se sentam várias pessoas. Já ali estão há algum tempo, talvez mais de uma hora, altura em que estenderam longas redes de malha fina ao longo de carreiros traçados para o efeito por entre o canavial.

Está na altura de visitar as armadilhas pela primeira vez. Paulo Encarnação, 36 anos, vigilante do Instituto para a Conservação da Natureza e Biodiversidade (ICNB) e responsável pela Estação Ornitológica Nacional do Monte do Outeirão, lidera as operações. Desde os 11 anos que ele frequenta estas paragens, adivinhamos que na peugada do pai, Vítor Encarnação, coordenador da Central Nacional de Anilhagem. E que ficou à nossa espera na mesa.

A caminho das redes, Paulo explica que estamos em plena campanha outonal de anilhagem entre 1 de Agosto e 1 a 3 de Outubro, sozinho ou acompanhado, ele estende redes durante cinco horas, apanha as aves, identifica-as, mede-as, pesa-as e solta-as. "Conseguimos marcar entre 4500 e 5000 aves por ano", estima. Durante o resto do calendário, mantém-se a actividade em permanência, embora em menor escala. "Desde 1977, anilharamse aqui mais de 100 mil aves, de 170 espécies diferentes", há-de contabilizar Vítor.

Chegamos às redes. Algumas aves, todas de pequeno porte, estão emalhadas e é preciso ter muita experiência para não as magoar no processo de as retirar. Prendêlas pelas patas, desembaraçar a cabeça, segurar o bicharoco encaixando-lhe o pescoço no espaço entre os dedos médio e indicador, junto à palma da mão. Mais uma vez, parece difícil de explicar, mas Paulo faz com que pareça fácil. Filipa Paciência, que está a estagiar, é que sofre mais um bocadinho...

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