Fugas - Viagens

Luís Maio

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Cemitério Père-Lachaise, o jardim-panteão de Paris

Tornou-se tão popular entre as mulheres que foi promovido a símbolo de fertilidade. Aquelas que colarem as suas partes íntimas às dele, beijarem os seus lábios e depositarem uma flor na cartola ao lado engravidarão, ou, de acordo com outras versão da lenda, encontrarão marido dentro de um ano. Entretanto, as partes em causa do conjunto escultório em bronze - mais os pés do jornalista, ao que parece empregues para outras brincadeiras sexuais - ficaram tão gastas que em 2004 a administração do cemitério decidiu colocar uma cerca à volta. Mas os protestos foram tantos que não demorou a vir abaixo.

Também da ordem do sobrenatural (ou da superstição?) é o culto que inspira Allen Kardec, um francês quase desconhecido em França, mas com livrarias que só vendem obras dele no Brasil. Kardec foi o "codificador" do Espiritismo, ou Doutrina Espírita, e a sua sepultura assemelha-se a um dólmen, forma coerente com a sua convicção de que vivera entre os druidas noutra encarnação. Os discípulos mais entusiastas acreditam que a sepultura tem uma mística especial, favorecendo o contacto com as almas dos que já não são deste mundo.

A glória dos desconhecidos

A clivagem da fama e da monumentalidade é um dos traços mais notáveis e provavelmente também mais surpreendentes do Père-Lachaise. Nomes maiores das artes e do espectáculo do século XX, como Edith Piaf, ou o casal Yves Montand e Simone Signoret, estão enterrados em campas singelas, enquanto outros igualmente famosos, como a bailarina Isadora Duncan e o cineasta Max Ophuls, são recordados por nada mais que uma lápide, entre os milhares que compõem as paredes do Colombário. Artistas de vidas extravagantes, como a actriz Sarah Bernhardt, que passou anos a dormir num caixão, acabaram por ser sepultados em campas rasas. Mesmo a última morada de Jim Morrison, o vocalista dos Doors, é bastante humilde e toda a distracção é proporcionada por meia dúzia de mensagens de fãs gravadas nas capelas vizinhas, quase discretas, comparadas com os graffitis e mais actos de vandalismo que durante anos lhe serviram de homenagem.

Figuras que a história depressa esqueceu destacam-se em contrapartida pela monumentalidade das obras funerárias que as invocam. É o caso por excelência da faraónica sepultura da princesa Deminoff (nascida Strogonoff), mausoléu de três andares, rematado com cabeças de lobos e de martelos esculpidos na pedra, a denotar a origem da fortuna da sua família aristocrata russa, proprietária de minas de ouro e de prata, na Ásia Central. Nesta especialidade da desmesura post mortem, o mais directo concorrente da princesa é o diplomata Félix de Beaujour, que para si só (não se casou, não teve descendentes) mandou construir uma chaminé de 22 metros, que largamente ultrapassa a altura dos muros do cemitério. Em tempos, o seu vasto subsolo serviu de pensão a muitos casais de namorados, agora é sobretudo um marco (de mau gosto) que distingue o Père-Lachaise no skyline de Paris.

Sepulturas de personagens menores ou mesmo de completos desconhecidos foram, por outro lado, talhadas em moldes tão extraordinários que ganharam os favores dos visitantes do cemitério. Pouco se sabendo deles em vida, as esculturas sob as quais repousam são agora motivo de mil efabulações por parte de quem passa. Assim sucede com as sepulturas de Croce-Spinelli e Sivel, dois balonistas que se esqueceram de levar oxigénio para as alturas, acabando por morrer asfixiados na sua ascensão de 1875. Têm, por isso, hoje direito a uma nota de rodapé na história da aeronáutica, mas na altura o estado francês fez questão de enterra-los como heróis nacionais, sob imponentes estátuas jacentes que os representam de corpo inteiro. Acontece também que estão de peitos nus e de mãos dados, dando assim a impressão de se tratar de um casal gay assumido na sua época, eventualmente célebre por isso mesmo.

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