Fugas - Viagens

Ana Rita Faria

Ceará - Esta é Jeri, uma das dez praias mais belas do mundo

Por Ana Rita Faria

Nunca ninguém disse que era fácil chegar ao paraíso ou, pelo menos, à versão aproximada do mesmo que é Jericoacoara, vila de pescadores cercada de areia, lagoas e mar. A Fugas foi descobrir este recanto do Nordeste brasileiro onde se vive ao ritmo do sol, das marés e da lenta caminhada nas dunas

O nome soa impronunciável. A mais rápida pesquisa na Internet mostra que é tudo menos fácil e rápido lá chegar. Não há os "resorts" luxuosos que inundam o restante Nordeste brasileiro, nem serviços hoteleiros especiais. Mas, assim que se coloca o pé em Jericoacoara, nada disto interessa, mesmo que o seu perfil de turista tenha muito pouco de aventureiro. Pequena vila de pescadores situada no Ceará, a cerca de 300 quilómetros de Fortaleza, Jeri (para os íntimos) nasceu para o turismo há apenas algumas décadas e permanece resguardada da procura em massa.

Por estar integrada num parque nacional, as suas ruas continuam a ser em areia, as construções não vão acima dos dois andares e a ausência de postes eléctricos faz com que, à noite, a vila fique apenas iluminada pelas luzes das casas, das velas e, claro está, da lua e das estrelas. Cercada por lagoas cristalinas, dunas gigantes e um mar manso, Jericoacoara ganhou fama ao ser eleita como uma das dez praias mais belas do mundo pela revista norte-americana "Washington Post Magazine", em 1994. E, apesar de os anos terem passado, o título ficou-lhe irremediavelmente associado.

Para quem pensa que há poucas alternativas aos banhos de sol e ao relaxamento num paraíso assim, desengane-se. Se quiser um dia preenchido, é só comprar uma das várias excursões aos povoados vizinhos, como Tatajuba e as Lagoas de Jijoca (ver texto ao lado), optar pela prática de "sandboard" nas dunas ou pelos passeios a cavalo. O vento constante entre Julho e Novembro tornou também Jericoacoara um dos melhores locais para a prática de desportos náuticos, como "surf" , "windsurf", "kitesurf" ou vela, e não faltam na vila ofertas de programas e de aulas para aprender a tirar partido das ondas de Jeri.

Quem preferir descontrair pode optar pelas caminhadas à beira-mar ou ceder às pequenas tentações de consumo locais: as várias lojas de artesanato espalhadas pelas ruas de areia, que vendem bijutaria, roupa, redes, loiça, objectos de artesanato, licores e bebidas da região. Mas obrigatório mesmo é deixar tudo para trás e, ao final do dia, ir ver o pôr-do-sol do alto da duna gigante que se ergue junto ao mar de Jeri.

Com cerca de 30 metros, a Duna do Pôr do Sol criou um autêntico ritual na vila. Todos os dias, dezenas de turistas e locais sobem o colosso de areia para ver o astro-rei desaparecer no mar. Por estar situada na ponta de uma baía aberta para o oeste, Jeri é dos poucos locais no Brasil onde o sol se põe no oceano. E nem mesmo os cães deixam de escalar a duna para assistir pacientemente a este espectáculo.

Ao ritmo de Jeri

Antes de seguir adiante pelas maravilhas de Jeri, um aviso à navegação: chegar a este vilarejo de pescadores perdido nas dunas não é fácil. Sem falar nas longas horas de avião até Fortaleza, conte com mais de cinco horas para fazer 280 quilómetros, num autocarro de turismo (ou mini-ônibus) até Jijoca.

A partir daqui, faltam ainda cerca de 20 quilómetros que podem demorar uma hora, pois são feitos por terra batida e dunas, em veículos 4x4, "buggies" ou, geralmente, jardineiras ou paus-de-arara (autocarros com bancos e carroçaria de madeira que chocalham por todos os lados). Mas, quando se chega, as peripécias do caminho passam à história.

A Rua Principal é o melhor ponto de partida para começar o reconhecimento do terreno e não é difícil descobri-la, visto que Jeri tem apenas três ruas principais. Concentrando a maioria dos restaurantes, bares, cafés e lojas da vila, esta artéria de areia que desemboca na praia é o ponto de encontro dos habitantes e dos turistas de várias nacionalidades. Além disso, é também onde começa a animada noite de Jeri, em torno das pequenas barracas de bebidas à base de frutas tropicais que começam a ser montadas mal o sol se põe, por volta das 18h00.

Contudo, a agitação nocturna começa bastante mais tarde em Jeri, ou seja, nunca antes da 1h00. As noites de forró no Recanto do Momento são muito populares e concorrem com outros estilos musicais como o rock, o reggae e a salsa, que tocam no bar Planeta Jeri ou na discoteca Mama África.

Mas uma coisa é certa: numa vila onde o sol se ergue por volta das 5h00, o melhor mesmo é esquecer os horários tradicionais e entrar no ritmo dos habitantes e "habitués" de Jeri, que fazem uma sesta depois do jantar e põem o despertador para a meia-noite. E, para recuperar da festa, nada melhor do que ir até à Padaria Santo António, que só funciona após as 2h00 e tem pão quente com queijo, nozes de coco, mel e banana a sair directamente do forno.

Durante a noite, é possível ver também os pescadores a saírem para o mar nas suas canoas, que regressam de manhã, com as redes carregadas de arraias e cavalas. Entre Maio e Junho, é altura da pesca do camarão e, em dias de sorte, pode ficar preso nas redes o camurupim, o maior peixe da região, cujas escamas são usadas no artesanato.

O passeio à Pedra Furada

Principal símbolo de Jericoacoara, a Pedra Furada não será certamente a atracção da vila a causar mais surpresa ao visitante, mas só pelo passeio até lá já vale a pena. A pé, pela orla marítima, são aproximadamente 40 minutos de caminho até chegar a esta rocha em forma de arco, onde o contorno do sol se encaixa à hora de se pôr, nos meses de Julho e Agosto.

Contudo, caso não esteja informado das horas da maré alta (como foi o nosso caso), pode acabar por ter de subir o Serrote, dois montes de cerca de 100 metros de altura formados a partir de grandes dunas que cristalizaram por acção do sal e das marés e que hoje impedem que as areias em movimento alcancem e cubram Jeri.

Se o seu destino for esse, prepare-se para andar aos "esses" por entre a vegetação rasteira até descer à Pedra Furada, uma brincadeira que pode custar mais de uma hora de caminho ou um semi-escaldão. Pode ser que, com sorte, encontre também o senhor José, que nos ensinou os atalhos pelo monte para regressar à vila, onde se desloca a meio do dia para recarregar a arca frigorífica com águas de coco e regressar à Pedra Furada para fazer novas vendas.

Uma maneira bem mais simples de chegar à famosa pedra é a cavalo, já que os veículos motorizados não podem subir o Serrote. Por 30 reais (cerca de 12 euros) por hora, aluga-se um cavalo e ainda um guia que, num outro cavalo, segue connosco no passeio. Contudo, a sensação de segurança por seguir acompanhada é aparente. Habituados a sentarem-se em cima do cavalo desde crianças, os habitantes de Jeri rapidamente colocam os turistas a cavalgar a toda a velocidade pela orla marítima. Uma sensação única de liberdade, desde que nos consigamos, claro está, manter em cima do cavalo (felizmente, eles são mansinhos).

De vila de pescadores a destino turístico

Baía das tartarugas e jacaré ao sol. As teorias dividem-se sobre a origem e significado do estranho nome de Jericoacoara. Graças à sua enseada de águas mansas, a vila consta das cartas náuticas do século XVI com a denominação de baía das tartarugas, o que resultaria da contracção das palavras indígenas "jurara" (tartaruga) e "coara" (buraco). Mas há uma outra teoria que remete para a forma que o Serrote tem visto do mar: as suas duas colinas parecem um jacaré ("jeri") deitado ao sol ou, no dizer local, que "quara" ao sol.

Hoje com 2000 habitantes, Jericoacoara não passava, até aos anos 80, de uma pacata vila de pescadores. As casas eram construídas com pedras do Serrote (rico em quartzito), a água era puxada de um poço e, como não havia energia eléctrica, não existia gelo, pelo que os peixes eram salgados e secos ao sol.

Nos anos 60 e 70, a própria actividade pesqueira, que sempre tinha dominado a economia da vila, estava em declínio devido ao afastamento do principal dono dos negócios da pesca, que controlava o canal de venda para Fortaleza, a capital do Ceará. Com crescentes problemas em escoar a sua produção, os pescadores começaram a trocar o peixe por produtos agrícolas de outras comunidades vizinhas, assegurando a sobrevivência.

O cenário acabaria por mudar com a chegada dos primeiros viajantes aventureiros, de mochila às costas, que espalharam Jeri de boca em boca e abriram a vila ao turismo. Logo em 1984 a vila era declarada uma área de protecção ambiental e, oito anos depois, eram impostos os primeiros limites à construção.

A inclusão de Jeri no "ranking" das praias mais belas do mundo, pela "Washington Post Magazine", fez disparar a sua popularidade e levou o Governo brasileiro, em 2002, a transformar a área de Jericoacoara num Parque Nacional, que ocupa quase 7000 hectares. Quatro anos antes apenas, chegava a energia eléctrica à vila, através de cabos subterrâneos para iluminar as casas e as pousadas que foram surgindo.

Contudo, apesar dos desenvolvimentos, há algo que nunca pára de mudar em Jeri e surpreende sempre o visitante que realiza o sonho de lá voltar: a paisagem. A intensidade da temporada das chuvas (entre Janeiro e Junho) forma lagoas de vários tamanhos e cores e as gigantes dunas vão-se moldando ao sabor dos ventos e das marés. Nos últimos 20 anos, a duna do Pôr-do-Sol passou por cima de um coqueiral, do qual restam dezenas de troncos a rebentar da areia. Mas, enquanto Jeri se mantiver agarrada à ecologia e empenhada em fugir do turismo de massa, só mesmo a natureza deverá ditar mudanças na paisagem.

Passeios obrigatórios

O berço das dunas e as lagoas cristalinas
Tire pelo menos um dia para um dos passeios de "buggy" às lagoas e à praia do Preá. Esta aldeia de pescadores tornou-se famosa por ter ventos fortes, ideais para a prática do "kitesurf", e pela árvore da preguiça, que sucumbiu à força do vento. É nesta praia que as correntes marinhas depositam os sedimentos que vão formar as dunas do Parque Nacional de Jericoacoara. Segue-se para Jijoca, conhecida pela sua lagoa que se divide em dois trechos a Lagoa Azul e a Lagoa do Paraíso. A primeira tem águas azuis cristalinas e está rodeada de areia branca, enquanto a segunda está mais desenvolvida para o turismo, com restaurantes e cafés.

A vila soterrada pela areia e o cemitério de mangues
O passeio a Tatajuba tem um pouco de tudo. Começa por um "rally" pelas dunas, lagoas e praias, que inclui a passagem pela zona do Mangue Seco (que parece um cemitério de manguezais). Segue-se um pequeno passeio opcional em jangadas onde se vêem cavalos-marinhos até cruzar o rio Guriú numa balsa para chegar a Tatajuba. Esta pequena aldeia de pescadores ficou encoberta pela acção das dunas e acabou por ter de ser reconstruída ao lado, com o nome de Nova Tatajuba. No passeio está ainda incluída a passagem na Lagoa do Funil, onde pode escorregar por uma duna gigante em pranchas de madeira, e uma paragem de algumas horas na Lagoa da Torta, onde pode tomar um banho ou descansar numa das redes mergulhadas na água.

Quatro dicas

1. Levar protector solar com factor alto. Com temperaturas constantes entre os 25 C e os 35 C mas com uma brisa marítima forte, nem se percebe que o sol queima em Jeri.

2. Levar dinheiro trocado porque em Jeri não há bancos ou caixas multibanco (ATM). Contudo, a maioria dos sítios aceita cartões de crédito (cuidado só com as clonagens, tanto em Jeri como em Fortaleza) e, mesmo que estes nem sempre funcionem nos terminais, os habitantes locais rapidamente o tranquilizam: "Não tem problema, amanhã paga".

3. Levar medicamentos (o posto médico mais próximo é em Jijoca, a 30 quilómetros) e lanterna (para percorrer algumas ruas de Jeri menos iluminadas à noite).

4. Se for ficar alguma noite em Fortaleza, mais vale guardar o dinheiro para as feiras de artesanato da capital cearense, onde pode encontrar muitos produtos iguais aos de Jeri mas mais baratos.

Como ir

Além de haver vários pacotes nas agências de viagem que incluem já Jericoacoara e todos os transfers envolvidos, há voos directos da TAP para Fortaleza todos os dias, desde 500 euros. A partir de Fortaleza há várias formas de chegar a Jeri: autocarro, jipe, carro, helicóptero ou avião (até Camocim, a localidade mais próxima).

Onde ficar

A oferta em Jeri é variada e, regra geral, acessível a vários bolsos.

Entre os locais mais afamados estão a Pousada Vila Kalango e o Hotel Mosquito Blue, onde há diárias em quarto duplo desde 100 euros. Além disso, há várias pousadas mais baratas, como a Blue Jeri, onde os preços partem de 240 reais (cerca de 90 euros, ao câmbio actual). Um ponto a favor desta pousada é o pequeno jacuzzi no telhado, de onde se pode ver o sol a pôr-se no mar. No "site" www.jeri-brazil.org, há uma lista extensa da oferta em Jeri.

Onde comer

Com uma forte presença da cozinha internacional (italiana sobretudo), Jeri tem também vários restaurantes onde pode saborear os pratos típicos da gastronomia cearense e brasileira em geral, como os mariscos e a carne. O restaurante Carcará é um dos locais a não perder, com bons pratos de carne e com as moquecas de peixe e camarão, e embora seja provavelmente um dos mais caros de Jeri, o preço médio por pessoa não ultrapassa os 15 euros. Outras opções mais em conta são a Casa das Trufas, o Lo Sfi zietto ou o Forno de Lenha.

--%>