Fugas - Viagens

Igreja de São Marcos

Igreja de São Marcos Luís Maio

Zagreb em dez andamentos

Por Luís Maio

A capital croata vive um pleno renascimento. É uma cidade para ver, mas sobretudo para estar, desde as esplanadas aos eléctricos, passando pelos mercados e galerias de arte. Sugerimos-lhe uma dezena de programas, num destino feito por medida para um fim-de-semana prolongado. E atenção às paixões do Museu dos Corações Partidos...

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Visita-se a Catedral, sobe-se até à Igreja de São Marcos, dá-se uma volta à praça Jelacic e não há muito mais. Ficam vistos os postais deZagreb, mas também se percebe pelo caminho que a capital croata tem muito mais para ver - e mais do que isso, para fazer. Não haverá nenhuma movida, mas há muita coisa nova a acontecer, em esferas que vão desde os circuitos da arte até aos da animação, que convivem e se podem combinar com programas mais tradicionais, mas originalmente croatas.

Marcar encontro na praça

Jelacic é a praça principal de Zagreb. Tem uma estátua equestre mais ou menos no centro, rodeada por uma feira de artesanato e emoldurada por prédios austríacos à mistura com modernices envidraçadas. Tudo isso não passa, no entanto, de cenário e o que realmente vale a pena é ver passar os eléctricos, ou mais precisamente quem os vai enchendo e esvaziando. Na verdade, os próprios eléctricos passam também a fazer parte do cenário, quando, ao entardecer, a praça se enche de jovens que não vão a parte nenhuma, ou pelo menos não mais longe que a contígua Ilica, a grande rua de montras da cidade. Jovens vestidos para impressionar põem-se a fazer sala, ali de pé ou sentados nos bancos por baixo dos candeeiros, degustando gelados e mais doçarias, flirtando ou já abertamente namorando. Não há nada de igual em mais nenhuma capital europeia e, apesar de os miúdos serem quase todos louros, altos e de olhos azuis, o "fenómeno" tem um cheirinho a rendez-vous teen oriental.

Fazer salão

A ocupação número um dos tempos livres em Zagreb consiste em abancar em faustosos cadeirões e sofás repletos de almofadas, frente a bebidas compridas, com os compichas à volta ou pelo menos a televisão (sintonizada em canais desportivos) por perto. E não é assim em todo o lado? Talvez, a diferença é que é as salas de estar preferidas dos habitantes da capital croata não ficam entre portas, mas no meio da rua, em pleno centro urbano. Que é como quem diz, são esplanadas montadas à porta de bares, cafés e restaurantes, que ocupam desde longas ruas pedonais, como a Tkalciceva (cobrindo o leito do rio que separava as cidades Alta e Baixa) ao pátio do Museu de Arqueologia - este último abençoado com uma esplanada na relva entre fantásticas ruínas romanas. Zagreb não é certamente das maiores cidades da Europa (menos de 800 mil habitantes), mas neste capítulo das esplanadas é virtualmente imbatível. E se é assim todos os dias da semana, desde que não chova e o vento Bora o permita, então ao sábado de manhã consegue ser mais forte que a missa, sobretudo nas esplanadas em redor do mercado de Dolac.

Acender uma vela

A Porta de Ferro, Kamenita Vrata, é a única das quatro entradas medievais no recinto amuralhado da Cidade Alta que hoje se conserva de pé. Lá no cimo da colina de Gradec mora o governo e tudo à volta é um museu quase sempre deserto, a que só as excursões de turistas vão emprestando alguma vida. Cá em baixo, por outro lado, há o mercado, as esplanadas, as ruas de comércio, uma cidade em constante efervescência. Passar a porta num ou no outro sentido é assim mudar de mundo, ou pelo menos de cidade. Talvez por isso a penumbra dessa encruzilhada seja um dos lugares mais espirituais da capital croata, onde a qualquer hora do dia há gente a acender velas, depositar flores e a rezar de pé e em surdina, frente a uma imagem da Virgem Maria, que se diz ter sido a única coisa que sobreviveu no local ao fogo devastador de 1731. As premissas religiosas podem não ter nada a ver, mas em termos de ritual lembra bastante os templos budistas de vão da escada, comuns às grandes cidades orientais.

Passear na ferradura

Um punhado de edifícios medievais e renascentistas, notáveis e bem conservados, destacam-se na Cidade Alta. Na Baixa encontram-se ilustres exemplares da corrente Bauhaus e da fase heróica do Modernismo, enquanto na Nova Zagreb há meia dúzia de iluminações pós-modernas, com destaque para a Arena Zagreb (2009), também conhecida por Dentes de Baleia. Neste caprichoso sortido arquitectónico, consequência natural das constantes reviravoltas da história croata, o que porventura acaba por mais se reter é o legado neoclássico (com outros neo à mistura), resultando da última fase de ocupação do Império Austro-Húngaro. O Teatro Nacional, inaugurado pelo próprio imperador Francisco José (1895) é imbatível, mas as três praças da Ferradura Verde, desenhadas na mesma altura, integram outras dignas istâncias do mesmo figurino Belle Epoque. Zagreb surge assim como declinação meridional de Viena, que é como quem diz, uma Trieste continental.

Sondar a fantasia

Zagreb é, portanto, uma cidade ecléctica, uma cidade com várias cidades lá dentro. Um dos melhores e mais surpreendentes exemplos é que a capital da Croácia tem também a sua East Side Gallery. Chama-se Branimirova e é um pouco mais curta que a congénere berlinense, alongando-se pela parede de cerca de meio quilómetro que liga a estação de comboios ao principal terminal de autocarros. Não tem o peso histórico e simbólico do Muro de Berlim, mas em contrapartida a parede de Zagreb não é refém do passado, tendo sido mais recentemente pintada em 2011 por 64 artistas dos mais de cem que concorreram ao evento chamado Museu de Arte de Rua. Não haverá melhor sítio para sondar o inconsciente e o futuro da cidade à beira do rio Sava.

Surrealizar por aí

O Museu da Art Bruta é um elemento estranho, quase destabilizador numa cidade em boa parte construída a régua e esquadro. Sobe-se ao segundo andar de um elegante palácio do século XVIII na Cidade Alta e, de repente, mergulha-se num mundo de fantasia mais ou menos ingénua, mais ou menos primitiva, mas decididamente moderna. A maior parte das salas é dedicada às visões de camponeses autodidactas da aldeia croata de Hlebine, mas nas cerca de 80 obras expostas (de uma colecção que vai quase em duas mil) há autores de muitas outras procedências e sensibilidades. Um dos pontos altos cabe ao servocroata Emerik Fejes (1904-1969), que depois de uma vida a fabricar botões se reformou para pintar monumentos sem sair de casa, recriando postais de lugares onde teria feito turismo se não vivesse no limiar da miséria. Recorrendo a fortes esquematismos, banindo a volumetria, empregando apenas cores elementares, Fejes reinventou a arquitectura e a ordem urbana. Depois do choque Fejes, as ruas de Zagreb parecem todas tortas.

Comer bio

O Dolec é o artigo genuíno: um mercado de frutas e legumes a céu aberto, puro e duro, sem mariquices gourmet, mesmo nas traseiras da Jelacic, ou seja, da praça principal da cidade. Aberto todos os dias da semana das sete da manhã até meio da tarde, o maior mercado deZagreb oferece a colheita da estação, ou mesmo do dia, do que na maior parte são camponeses com pequenas quintas nas vizinhanças da capital. Uma demografia ultrapitoresca onde sobressaem os roucos pregões masculinos, a roçar os cantos balcânicos, bem como os rostos sulcados e sorridentes das velhotas, localmente conhecidas por kumicas. Para além da confusão, do festim de cores e de aromas, também se faz uma óptima refeição ligeira por meia dúzia de euros.

Respigar no ferro velho

As marcas corporativas começam a ganhar terreno, mas por enquanto o comércio em Zagreb está longe de ser outra sucursal das multinacionais do costume. Um extenso ramalhete de pequenos negócios locais, tradicionais ou mesmo fora de moda vai sobrevivendo no centro da cidade, incluindo lojas de gravatas (uma invenção croata!), chapéus, relógios e vestidos de noiva com pilhas de lantejoulas e dourados. Estes e muitos outros artigos desalinhados podem ser encontrados nas duas feiras de velharias, onde Zagreb inteira vai passear aos domingos de manhã. O mercado de Britanskitrg é o típico mercado de coleccionáveis, onde se encontra desde bibelots e móveis de época a postais e discos em vinil (grande produção local nos anos 70 e 80), uma espécie de Portobello em versão ex-Jugoslávia. Já o mercado de Hrelic, cerca de dois quilómetros a oriente da ponte Mladost, é a declinação local da Feira da Ladra, onde se podem encontrar preciosidades por tuta e meio, no meio de pilhas de artigos prontos para a reciclagem.

Festejar à beira rio

Como tantas outras cidades europeias, Zagreb foi palco de desavenças entre os jovens empresários da noite e os velhos habitantes da Baixa. Não se pode dizer que a guerra tenha acabado, mas para já os negócios nocturnos transferiram-se em peso para sítios menos habitados, como sejam os quarteirões industriais à beira do rio Sava. Algumas das moradas mais interessantes, como AKC Medika e Mocvara, ocupam espaços gigantescos de antigos armazéns e fábricas abandonadas, convertidos em verdadeiros pavilhões multiusos, graças a programações extraordinariamente eclécticas, nem sempre fáceis de seguir. A última sensação nos tops indie ingleses pode estar em cartaz, mas também uma performance de uma troupe de artistas de rua locais, uma companhia de teatro alternativo ou uma festa tecno.

Passear entre memórias

Cidade interior, Zagreb oferece um caleidoscópio de pontos de fugas, incluindo praças arborizadas, um jardim botânico e até uma praia artificial. Nada se compara, porém, a Mirogoj, um cemitério que é a última morada de 300 mil, mas também um verdadeiro museu ao ar livre. Desenhado por Herman Bollé, o mesmo arquitecto alemão da Catedral, pertence à geração de grandes cemitérios monumentais europeus, como o Père-Lachaise, em Paris, ou o Stagliano, em Génova. Não rivaliza em celebridades com o francês, nem em ostentação burguesa com o italiano, mas a grande fachada ritmada por torreões majestosos, a elegante galeria abobadada nas suas costas e a esplêndida colecção de esculturas entre o romântico e o moderno formam um conjunto absolutamente delicioso. Sobretudo ao fim do dia, quando o sol vem dourar o comboio de galerias enegrecidas e já parcialmente cobertas de arbustos, assim criando uma atmosfera irreal, em tudo semelhante à aurora de outra vida.

Como ir
A TAP liga Lisboa a Zagreb em voos directos, ida e volta a partir de 278€ (mas pode chegar a mais de 400€ durante a temporada alta).

Onde ficar

Regent Esplanade

Mihanoviceva, 1 | Tel.: +385 1 25 66666 www.regenthotels.com/zageb
Inaugurado para receber os viajantes do Orient Express, em 1925, excelentemente recuperado em 2004. 200€ o duplo.

Best Western Premier
Petrinjska, 71 | Tel.: +385 1 48 08900 | www.betwestern.com
Restauro impecável dos interiores 1932 com reproduções de mestres croatas nas paredes. Os duplos começam nos 90€.

Buzz Backpackers
Babukiceva, 1b | Tel.: +385 1 23 20267 | www.buzzbackpackers.com
Moderno com dormitórios (18€) e quartos (45€), a dois quilómetros do centro da cidade.

Onde comer

Prasac
Vranicanijeca, | 6 Tel.: +385 1 48 51411
Mediterrânico, pratos a mudar todos os dias, feito por medida. Tem o requinte dos paladares.

Korcula
Testina, 17 | Tel.: +385 1 48 72159
Especializado em peixe, uma instituição de Zagreb muito antes de Zagreb ser moda.

Black Rock
Savska, 30 | Tel.: +385 1 48 20555
É daqueles que está na moda, sobretudo porque requer à clientela que cozinhe ela própria os seus alimentos sobre uma pedra vulcânica.

Ribice i tri tockice
Preradoviceva, 7/1 | Tel.: +385 1 48 72168
Informal, gostoso, tipo tasca, carta com maior queda para o peixe.

A Fugas viajou a convite da TAP e do Turismo da Croácia

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