Surrealizar por aí
O Museu da Art Bruta é um elemento estranho, quase destabilizador numa cidade em boa parte construída a régua e esquadro. Sobe-se ao segundo andar de um elegante palácio do século XVIII na Cidade Alta e, de repente, mergulha-se num mundo de fantasia mais ou menos ingénua, mais ou menos primitiva, mas decididamente moderna. A maior parte das salas é dedicada às visões de camponeses autodidactas da aldeia croata de Hlebine, mas nas cerca de 80 obras expostas (de uma colecção que vai quase em duas mil) há autores de muitas outras procedências e sensibilidades. Um dos pontos altos cabe ao servocroata Emerik Fejes (1904-1969), que depois de uma vida a fabricar botões se reformou para pintar monumentos sem sair de casa, recriando postais de lugares onde teria feito turismo se não vivesse no limiar da miséria. Recorrendo a fortes esquematismos, banindo a volumetria, empregando apenas cores elementares, Fejes reinventou a arquitectura e a ordem urbana. Depois do choque Fejes, as ruas de Zagreb parecem todas tortas.
Comer bio
O Dolec é o artigo genuíno: um mercado de frutas e legumes a céu aberto, puro e duro, sem mariquices gourmet, mesmo nas traseiras da Jelacic, ou seja, da praça principal da cidade. Aberto todos os dias da semana das sete da manhã até meio da tarde, o maior mercado deZagreb oferece a colheita da estação, ou mesmo do dia, do que na maior parte são camponeses com pequenas quintas nas vizinhanças da capital. Uma demografia ultrapitoresca onde sobressaem os roucos pregões masculinos, a roçar os cantos balcânicos, bem como os rostos sulcados e sorridentes das velhotas, localmente conhecidas por kumicas. Para além da confusão, do festim de cores e de aromas, também se faz uma óptima refeição ligeira por meia dúzia de euros.
Respigar no ferro velho
As marcas corporativas começam a ganhar terreno, mas por enquanto o comércio em Zagreb está longe de ser outra sucursal das multinacionais do costume. Um extenso ramalhete de pequenos negócios locais, tradicionais ou mesmo fora de moda vai sobrevivendo no centro da cidade, incluindo lojas de gravatas (uma invenção croata!), chapéus, relógios e vestidos de noiva com pilhas de lantejoulas e dourados. Estes e muitos outros artigos desalinhados podem ser encontrados nas duas feiras de velharias, onde Zagreb inteira vai passear aos domingos de manhã. O mercado de Britanskitrg é o típico mercado de coleccionáveis, onde se encontra desde bibelots e móveis de época a postais e discos em vinil (grande produção local nos anos 70 e 80), uma espécie de Portobello em versão ex-Jugoslávia. Já o mercado de Hrelic, cerca de dois quilómetros a oriente da ponte Mladost, é a declinação local da Feira da Ladra, onde se podem encontrar preciosidades por tuta e meio, no meio de pilhas de artigos prontos para a reciclagem.
Festejar à beira rio
Como tantas outras cidades europeias, Zagreb foi palco de desavenças entre os jovens empresários da noite e os velhos habitantes da Baixa. Não se pode dizer que a guerra tenha acabado, mas para já os negócios nocturnos transferiram-se em peso para sítios menos habitados, como sejam os quarteirões industriais à beira do rio Sava. Algumas das moradas mais interessantes, como AKC Medika e Mocvara, ocupam espaços gigantescos de antigos armazéns e fábricas abandonadas, convertidos em verdadeiros pavilhões multiusos, graças a programações extraordinariamente eclécticas, nem sempre fáceis de seguir. A última sensação nos tops indie ingleses pode estar em cartaz, mas também uma performance de uma troupe de artistas de rua locais, uma companhia de teatro alternativo ou uma festa tecno.
Passear entre memórias
Cidade interior, Zagreb oferece um caleidoscópio de pontos de fugas, incluindo praças arborizadas, um jardim botânico e até uma praia artificial. Nada se compara, porém, a Mirogoj, um cemitério que é a última morada de 300 mil, mas também um verdadeiro museu ao ar livre. Desenhado por Herman Bollé, o mesmo arquitecto alemão da Catedral, pertence à geração de grandes cemitérios monumentais europeus, como o Père-Lachaise, em Paris, ou o Stagliano, em Génova. Não rivaliza em celebridades com o francês, nem em ostentação burguesa com o italiano, mas a grande fachada ritmada por torreões majestosos, a elegante galeria abobadada nas suas costas e a esplêndida colecção de esculturas entre o romântico e o moderno formam um conjunto absolutamente delicioso. Sobretudo ao fim do dia, quando o sol vem dourar o comboio de galerias enegrecidas e já parcialmente cobertas de arbustos, assim criando uma atmosfera irreal, em tudo semelhante à aurora de outra vida.
Como ir
A TAP liga Lisboa a Zagreb em voos directos, ida e volta a partir de 278€ (mas pode chegar a mais de 400€ durante a temporada alta).
Onde ficar
Regent Esplanade
Mihanoviceva, 1 | Tel.: +385 1 25 66666 www.regenthotels.com/zageb
Inaugurado para receber os viajantes do Orient Express, em 1925, excelentemente recuperado em 2004. 200€ o duplo.
Best Western Premier
Petrinjska, 71 | Tel.: +385 1 48 08900 | www.betwestern.com
Restauro impecável dos interiores 1932 com reproduções de mestres croatas nas paredes. Os duplos começam nos 90€.
Buzz Backpackers
Babukiceva, 1b | Tel.: +385 1 23 20267 | www.buzzbackpackers.com
Moderno com dormitórios (18€) e quartos (45€), a dois quilómetros do centro da cidade.