O Museu dos Corações Partidos foi criado pelo artista plástico Drazen Grubisic e pela produtora de festivais Olinka Vistica, na ressaca de uma relação amorosa que se finou ao cabo de quatro anos. O projecto começou por ganhar forma num contentor repleto de tralha, colocado à entrada do salão anual do Sindicato Croata de Artistas, edição de 2006.
Cada um dos despojos reunidos no contentor foi recolhido num lar desfeito. Explica Drazen Grubisic: "Começou como um projecto de arte que tinha em vista criar um espaço para as pessoas em situação de separação se desembaraçarem de objectos marcantes, que se tornam facilmente alvos de emoções negativas. Era para ser uma instalação efémera, mas logo os órgãos de informação pegaram na história e começámos a ter solicitações de vários pontos do mundo".
Promovido a exposição temporária, o Museu dos Corações Partidos passou por 14 cidades, incluindo Belgrado ou Singapura e Istambul e Londres, ao longo dos anos (e continua). Em todas as escalas da tour internacional, o ex-casal croata começa por colocar pequenos anúncios em jornais locais a pedir símbolos de felicidade quebrada. Seguem-se reuniões com os dadores, a recolha de objectos e das respectivas narrativas sem final feliz.
É desta classe de doações que se têm alimentado as exposições itinerantes, mas também a colecção permanente, um fundo que vai actualmente em 800 peças. Cerca de uma centena - uma espécie de best of - está em exposição no piso térreo de um palácio da Cidade Alta de Zagreb, desde Outubro de 2010. A instalação singular converteu-se assim em exposição temporária e agora permanente, ou seja, o Museu dos Corações Partidos tornou-se finalmente um museu propriamente dito.
"Descobrimos este espaço livre no centro histórico da cidade e conseguimos alugá-lo com dinheiro que pedimos emprestado a um amigo." "O edifício", recorda o curador, "estava em condições deploráveis e fui eu mesmo quem se ocupou do design e da maior parte das obras". A exposição segue uma lógica emotiva com núcleos temáticos dedicados ao Desejo e à Luxúria, à Fúria e à Raiva e ao Sofrimento.
Os objectos são expostos sob ténues luzes brancas, num dédalo de salas intimistas sempre acompanhados de legendas incluindo título, identificação da procedência e explicações do doador. Já a identidade destes fica por revelar, acrescenta Drazen: "Nunca quisemos que isto fosse um hall de celebridades. Se me perguntar se nós temos cá coisas de celebridades, respondo que sim, mas não serei eu quem as vai identificar. Isso seria cair numa armadilha comercial." Os mentores do Museu dos Corações Partidos não querem, e provavelmente também não precisam, de fazer compromissos mercantis. A ruptura sentimental do casal croata não lhes terá trazido felicidade, mas o seu fruto artístico ultrapassou em muito as expectativas. Podemos passar horas a inventariar causas para este sucesso instantâneo, mas o factor experiência é incontornável.
Drazen reflecte: "Há pessoas que pensam que é uma exposição para adolescentes, mas está longe de se reduzir a isso. Um adolescente de 15 anos que teve um namoro de uma semana pode achar piada, mas não aprecia realmente o que está em causa. Ao passo que alguém que tem, digamos, 65 anos de idade e teve uma experiência sentimental importante que acabou mal, dificilmente é capaz de ficar indiferente. As pessoas são as únicas criaturas que sentem empatia pelas outras e este é o local para o verificar. Não há mariquices conceptuais, isto não poderia ser mais directo".
Uma história maior
Uma pilha de bugigangas, peças de roupa usadas e mais tralha fazem do Museu dos Corações Partidos o único no mundo com um espólio completamente desqualificado, que também poderia estar à venda na Feira da Ladra. Drazen concorda, mas junta: "Se se tomarem os objectos expostos só por si, é claro que não são arte. Mas associados às legendas, ou no contexto de histórias pessoais, passam a ser arte.
Porque o que a arte deve fazer é despertar emoções. Quando somos confrontados com um quadro ou uma escultura de qualidade sentimo-lo, não é uma coisa racional. E este é o tipo de museu que faz as pessoas chorar e rir".
Os objectos são, portanto, uma espécie de teaser, que despertam a curiosidade e, às tantas, levam o visitante a querer adivinhar que tipo de história lhe está associada. Haverá alguns óbvios (um machado = uma vendetta perpetrada na mobília de um amante traiçoeiro), mas na maior parte é impossível descobrir a história subjacente sem ler a legenda. Começa pela imagem, aparentemente neutra, de um coelho de corda fotografado algures num deserto rochoso. É a única peça doada pelos próprios criadores do museu e uma espécie de divisa da sua fi losofi a: era suposto o coelho dar volta ao mundo na bagagem deles, mas não foi mais longe que o descampado em causa, algures nas montanhas do Irão.
Há histórias dramáticas, quase sórdidas, como a que se associa à exibição de uma prótese de uma perna: o proprietário é um inválido da guerra servo-croata, que se envolveu com uma funcionária de um hospital de Zagreb. "A prótese durou mais que o amor", conclui o dador, "porque é feita de material mais rijo". Ou aquela outra, que nos relata Drazen, relativa a uma das doações mais recentes: "Nunca estivemos na Arménia, mas acabo de receber um envelope de uma senhora de Yerevan de 65 anos, que enviou cartas e fotografias de um homem que a pediu em casamento há 30 anos, mas morreu num acidente de carro no dia a seguir a ter-se declarado".
Mas o Museu dos Corações Partidos não é forçosamente uma experiência depressiva. O reverso da medalha é o humor que parece ser tanto mais apurado quanto mais curta a mensagem: um ferro de engomar usado para passar um vestido de casamento de que é o único sobrevivente; o telemóvel de um amante, oferecido pelo próprio, de modo a ela não lhe voltar a ligar; as chaves de casa dele oferecidas ao museu para ela não sofrer a tentação de lhe voltar a entrar em casa, ou ainda o líquido de partes íntimas dele, agora usado pela mãe para encerar os móveis.
Coincidência ou talvez não, a maior parte das doações são de assinatura feminina. Drazen acha normal: "As mulheres são mais de 70 por cento do museu. É uma coisa cultural: não é suposto os homens sofrerem ou pelo menos mostrarem dor numa situação de separação." Mas, logo acrescenta, as coisas estão a mudar, até onde menos se espera: "O único sítio onde tivemos mais doações de objectos de homens foi, para surpresa geral, em Istambul. Eles procuraram explicar este fenómeno com as mudanças vertiginosas na sociedade turca dos últimos 15 ou 20 anos. Os homens é que de algum modo estão em perigo porque foram educados no sistema tradicional e agora têm de lidar com mulheres que têm carreiras e querem ser independentes."
Destituído de veleidades académicas, o Museu dos Corações Partidos acaba por ter um inegável valor documental. É uma vertente que o artista croata gosta de destacar e que poderá ditar a orientação futura do projecto: "Por este tipo de exposição também se pode perceber o que se passa socialmente num país ou num território. Aconteceu por exemplo nas Filipinas, onde há muitas separações por causa de tanta gente se ver na contingência de trabalhar no estrangeiro. Por isso gostava de ir mudando as coordenadas do projecto e, por exemplo, fazer coisas diferentes em Marselha, apontando para um grupo específico, como por exemplo os taxistas de origem africana. Será uma maneira de contar uma história pessoal e ao mesmo tempo contar nas entrelinhas uma história maior".
The Museum Of Broken Relationships
Cirilometodska 2
Tel: +385 1 4851021
10000 Zagreb - Croácia
www.brokenships.com
Aberto das 9h às 21h (10h30 no Verão, confirme outros horários)
Bilhetes a 4€ (2016)