Se as grandes marcas dominam, por exemplo, o mercado dos fatos, já com as pranchas as coisas são diferentes. Ter uma prancha feita em Portugal é garantia de ter uma prancha personalizada. É, aliás, isso que fazem os Budd, pai e filho, sul-africanos instalados numa pequena fábrica perto da Ericeira.
Quando chegamos, só está o pai, Cyril, 58 anos, bem-disposto, aperto de mão enérgico, inglês com sotaque sul-africano. "O meu filho é que é o shaper", vai dizendo, enquanto nos leva para o interior da fábrica e conta que quando era miúdo e vivia na África do Sul tinha pouco dinheiro e começou as fazer as suas próprias pranchas, no quarto de casa dos pais. Mais tarde abriu um negócio em Durban, depois em Espanha, e agora Portugal. O filho, Luke, está para chegar. Vamos conhecendo a máquina computorizada com a qual Luke desenha as pranchas. "Portugal tem o melhor surf da Europa", garante Cyril. "Há muita gente a vir de toda a Europa, sobretudo do Norte, e muitos americanos também."
Luke aparece, caracóis loiros, olhos claros, bronzeado dos dias de praia e surf. Explica o que os clientes esperam de uma prancha: "Normalmente querem que seja rápida, fácil de virar, adequada ao peso deles. Aparecem aqui com uma prancha de que gostam, dizem o que não funciona e eu tento aproveitar os pontos bons e melhorar os maus." Na África do Sul, Luke chegou a ficar em 5.º lugar num campeonato de surf. E o que tem para dizer da Ericeira é aquilo a que, por esta altura, já nos habituámos a ouvir: "É a melhor costa da Europa. Aqui, em 30 minutos de bicicleta, temos oito bons sítios para fazer surf. Ericeira is very unique."
António Batalha, 18 anos, sabe isso desde pequeno. Nasceu aqui, o pai foi "um dos primeiros a fibrar pranchas" e ele aos dez anos começou a andar nas ondas. "Para mim, foi muito bom porque o surf acalma muito." Estamos sentados no pátio da casa, o mar lá ao fundo e António está a contar como ao princípio teve aulas com Ulisses. Há já três anos que dá aulas também. Gosta sobretudo de ensinar as crianças - como aquela menina que "no início nem conseguia pôr os pés na água", mas que António conseguiu que "fizesse uma onda, em pé, sozinha".
O surf mudou a Ericeira, isso é certo. Mas até onde poderá ir? "Não há muito tempo a vila era dividida e os de um lado andavam à pancada com os do outro", recorda. "Somos um país que sobrevive graças ao turismo, e o turismo ligado ao mar. Acho que é positivo e deve ser aproveitado ao máximo. Se era para transformar isto num segredo, num milagre do surf, isso era há algum tempo. Já passámos essa fase. Agora devemos aproveitar o melhor possível." Como fez Peniche, por exemplo, ao apresentar-se como a Capital da Onda. O caminho é por aí, acredita António. "Mas se continuarmos a usar slogans do tempo da monarquia, como "Ericeira, onde o mar é mais azul", não conseguimos atrair a juventude."
Ondas Ericeira
Uma das grandes vantagens da Ericeira é a grande variedade de ondas que é possível encontrar num pedaço de costa relativamente pequeno. Há fundos de areia, os chamados beach break (São Julião, Foz do Lizandro), que são ideais para quem está a começar; e fundos de rocha/point break ou de recife/reef break (na Pedra Branca, onde o swell/ondulação vem de águas profundas, o que torna a onda muito forte, no Reef, e na Ribeira d'Ilhas, uma das ondas mais compridas da região). A Crazy Left, na praia dos Coxos, que quebra sobre uma bancada de pedra, é tubular e é uma das ondas mais admiradas da Ericeira. E há ainda São Lourenço, com fundo de rocha coberta com areia.
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