Fugas - Viagens

À descoberta da natureza da Colômbia com os índios kogi

Por Sousa Ribeiro

Durante anos foi palco de conflitos entre as FARC e os grupos paramilitares, com ambos a cobiçarem a área para estabelecer uma base para o processamento e o contrabando de cocaína. Hoje, o Parque Nacional Natural Tayona é, justamente, promovido como uma das maravilhas desta Colômbia cansada de guerras, com as suas praias, os seus trilhos que rasgam a densa vegetação e os indígenas com quem Sousa Ribeiro se foi cruzando ao longo da sua incursão.

- E a tua mãe, Juan, onde está?

O menino, com os pés descalços, preguiça num rudimentar banco de madeira, uma tábua lisa apoiada em dois troncos de árvore na qual começarão a ser expostos, a meio da manhã, os artigos de artesanato dos kogi. Juan permanece indolente no meio da clareira, depois ergue o braço esquerdo onde se destaca uma pulseira de corda, sintoniza o transístor na Rádio Punto Cinco e ergue na minha direcção aqueles olhos escuros e tristes sob as sobrancelhas pouco espessas.

- A minha mãe está lá em cima, no céu.

O sol doura-lhe a face esquerda e a sacola a tiracolo, também de corda mas com duas listas vermelhas na horizontal, pende-lhe das costas. No meio daquela calma matinal, o sono apodera-se dele e contagia o cão que lhe faz companhia. Juan parece meditar no momento em que passa uma sombra pelo seu rosto inocente, coloca as mãos a servir de almofada, depois aumenta o volume do pequeno aparelho e olha-me de novo, agora com um interesse renovado.

- Vivo no pueblocito com o meu avô, o meu irmão e a minha irmã.
- E como se chamam os teus irmãos, Juan?
- Lorenzo e Maria.

A criança agita-se e uma madeixa do cabelo lustroso cai-lhe sobre os olhos.

- E o teu pai, onde vive?
- Noutra aldeia.
- Sozinho?

Juan levanta a antena do aparelho radiofónico e o cão inquieta-se Ao longe, já se perscrutam vozes.

- Não. Vive com mais três irmãos meus.
- E tu gostas de viver aqui, com o teu avô?

Juan lança-me agora um olhar expressivo e acena com a cabeça.

- Sim. Mas queria a minha mãe que está no céu.

A alma de Juan parece transbordar de recordações. Sinto-me enfeitiçado por aquela demonstração óbvia de sinceridade. Ouvem-se passos ao fundo da vereda que rasga a vegetação tão exuberante.

- Sandy, Sandy!

Juan chama a rapariga no momento em que ela passa por nós. Na mão esquerda, leva um livro de Nick Hornby, Alta Fidelidade. No rosto, onde sobressaem uns olhos pequenos e delicados, um sorriso genuíno.

- Sim, Juan.
- Onde vais?

Sandy, com um cabelo negro que lhe desce pelas costas, fala mansamente com o pequeno.

- Vou à praia, Juan, a Arrecifes.

Ele não responde, cai novamente naquela modorra e as pálpebras fecham-se. Sandy integra a equipa que se responsabiliza pela preservação do parque, incluindo os índios kogi.

"Nós, os habitantes da Sierra Nevada, os kogi, os ika, os sanha, os kankuania, vivemos em constante harmonia com a natureza, com a Terra, a nossa Mãe. Há muitos anos, quando o homem carregado de armas chegou pelo mar para nos fechar no coração do planeta, comprometemo-nos a não mudar, e a nossa alma permanece intacta desde então. Mas agora a montanha sofre pelos erros dos outros. As árvores são cortadas e queimadas, os rios secam e as línguas de gelo minguam. Alguns de vocês entenderam os perigos. Sabem, como nós, que são responsáveis por este infortúnio. E que se a Sierra de Santa Marta sofre, a Natureza, a mãe de todos, morrerá."

A mensagem da comunidade indígena da Colômbia não deixa dúvidas quanto ao grau de respeito que tem pela natureza e os kogi, últimos descendentes dos maias e dos astecas, formam o grupo mais tradicional e importante de todos quantos habitam na serra colombiana, que se eleva, como uma espécie de pirâmide, desde o mar até 4000 metros de altitude, naquela que é a mais alta montanha costeira do mundo. Situada sobre uma placa tectónica e apartada dos Andes, revela uma estrutura única na qual é possível encontrar os diferentes climas do planeta, como se cada zona ecológica se reflectisse num espelho e se projectasse neste microcosmos, permitindo, desta forma, que a maioria dos animais e das plantas ali encontrem o seu espaço natural.

O sol espreita por trás das copas das árvores vestidas de cima a baixo e Sandy, caminhando ao meu lado, com um passo ávido e dançante, interrompe, de quando em vez, aquele sossego de ouro.

- Para os kogi, que hoje não serão mais de cinco mil, a terra e o mar são sagrados. Apenas caçam e pescam em pequena escala.

De acordo com a mitologia deste grupo étnico ameríndio, a Grande Mãe, que criou o mundo, é a razão de todas as suas crenças. Os seus líderes espirituais, os mamos, começam a ser preparados desde muito novos e crescem na mais completa obscuridade até aos 18 anos, altura em que estão prontos para comunicar com a aluna, um processo de pensamentos que forma e mantém a realidade, a fonte da vida e da inteligência. Estes sacerdotes, com poder para decidir sobre todos os aspectos da vida quotidiana, mais do que os chefes da tribo, dialogam com os espíritos através da água, do pensamento e da concentração. Segundo os mamos, mediadores entre as forças místicas e os homens, a vida depende do ciclo constante da água em movimento entre os mares e as lagoas de água doce e os rios.

A frescura matinal já se evaporara e o fumo da neblina já se desprendera das árvores quando um pássaro de um azul muito forte, atravessando veloz como um risco, rompeu aquele silêncio íntimo como quem deseja cumprimentar a manhã. Eu continuo a acompanhar Sandy e a escutá-la com um interesse verdadeiro.

- Os kogi acreditam que a Grande Mãe lhes concedeu o privilégio de actuarem como verdadeiros guardiões da natureza. Na sua crença, eles são os Irmãos Maiores, a quem compete proteger a terra, e os brancos, por terem chegado depois, os Irmãos Menores, os responsáveis pela contaminação do meio ambiente. Para eles, quando temos um comportamento exemplar em relação à natureza, a chuva cai em tudo o que cresce na terra.

A chegada dos hippies

A viagem começara muito antes, em Santa Marta, junto ao mercado, quando a penumbra ainda baloiçava sobre a cidade dormente. No interior do autocarro que rapidamente se encheu, pontificava, atrás do lugar do motorista, uma fotografia de Jesus Cristo pendurado na cruz. Apeei-me em El Zaíno, enquanto a buseta, morta de cansaço, prosseguiu a sua marcha até Palomino. De imediato me dirigi à pequena casa de madeira onde são vendidos os bilhetes, não sem antes ser alvo, eu e todos os outros turistas, de uma revista minuciosa à minha mochila por parte dos militares - as drogas são expressamente proibidas no Parque Nacional Natural Tayrona. Uma buseta, ainda mais pequena e mais gasta, conduz os visitantes até um parque de estacionamento que marca o final da estrada de terra batida. Mas também podia optar, se fosse esse o meu desejo, por percorrer o trajecto a pé em menos de meia hora.

Preferi a buseta, para ganhar tempo ao tempo.

Enrique, apenas 16 anos, uma cara redonda e um nariz de pugilista, ajuda a família a cuidar do estábulo onde 27 cavalos aguardam a chegada dos turistas para os levarem, a troco de 16.000 pesos, até Arrecifes. Nas mãos, tem um exemplar do Aja e Qué, um diário que naquele dia oferece uma fotografia de Fary com os seus fartos seios à mostra sob as letras garrafais "Estou desejosa de ti", certamente para tornar a moldura mais harmoniosa. A dois passos, remetido ao silêncio, está um índio kogi, com as suas galochas pretas, o seu chapéu branco com uma fita negra que lhe cobre parte da testa, o cabelo desalinhado, as maçãs do rosto salientes, o habitual saco a tiracolo e roupa que já foi imaculada.

- Os kogi são desprendidos dos bens materiais, pouca ou nenhuma importância têm para eles. Apenas substituem os seus objectos, pessoais ou comunitários, quando já nada podem fazer deles. Mas são muito ricos espiritualmente - haveria de contar, lá mais para a frente, quando a manhã já ia adiantada, Sandy.

O indío kogi, sempre silente, continua sentado numa pedra lisa, em frente ao estábulo. Dele me aproximo, lentamente, até perceber que mostra uma expressão vazia.

- Julian!

Diz o nome e murmura algumas palavras desconexas, em castelhano, mais parecendo colonizado pela timidez. A língua dos kogi, da família chibchá arawak, é cada vez menos falada entre os aborígenes que habitam a vertente norte da Sierra Madre de Santa Marta.

- Vou para a cidade.

Julian gosta de fotografia e muito menos de falar. Olha para mim, agora com os seus olhos coruscantes, como um Irmão Menor. Não por temeridade mas apenas porque qualquer kogi evita o contacto com o homem branco para preservar as suas tradições. Mas há excepções, como nos conta Sandy.

- Na década de 1970, alguns hippies, vindos de Cali e Bogotá, chegaram aqui em busca da paz espiritual e com o intuito de partilhar com os kogi a sua cultura. O início não foi nada fácil. Os mamos recusavam-se a aceitá-los e proibiram mesmo os indígenas de se relacionarem com eles. A par da distância imposta pelos índios, fiéis às suas tradições e nada receptivos a revelar os seus segredos, também o conflito armado, anos mais tarde, motivou o regresso da maior parte desses hippies à cidade.

Até há bem pouco tempo, Tayrona estava mais associado à guerra civil e ao negócio do narcotráfico do que ao turismo. Durante anos, o parque transformou-se num campo de batalha para as FARC e os paramilitares, cobiçado por ambos para o processamento e o contrabando de cocaína. Em 2003, grupos armados chegaram a raptar oito turistas durante uma incursão e nos anos que se seguiram três directores do Tayrona foram mortos - incluindo uma mulher, Marta Lúcia Hernández, alvejada, aparentemente, por se recusar a ceder às exigências dos grupos paramilitares que pretendiam transformar o parque num verdadeiro entreposto de cocaína. Já com Álvaro Uribe na presidência, a situação sofreu uma mudança radical, baseada numa repressão militar que debilitou os esquadrões da morte e confinou as FARC à zona sul da selva. Hoje, a exemplo do que acontece um pouco por todo país, o Tayrona é um lugar seguro e, neste caso, legitimamente promovido como um paraíso para o turismo.

Sandy interrompeu a conversa por instantes, para dialogar com um amigo que com ela se cruzou, mas não perdeu o fio à meada. Passa a mão pelo cabelo sedoso e prossegue o raciocínio:

- Esses foram tempos muito difíceis, mesmo para os kogi, obrigados a deslocarem-se para aldeias mais seguras. Dos hippies, de todos quantos chegaram à procura da paz espiritual, apenas três resistiram e ainda hoje vivem, perfeitamente integrados, no parque. Mas só ao fim de mais de cinco anos foram aceites pelos mamos, passando então a participar em rituais funerários ou matrimoniais, já depois de terem aprendido a tecer, a cultivar as terras e a construir as suas casas. Com o tempo, começaram também a ensinar as crianças a ler e a escrever.

Julian lança o chapéu branco com uma fita preta para trás e acena-me com um olhar meigo no momento em que o sol bate uniformemente no seu rosto. Os 27 cavalos continuam à espera dos turistas e Enrique vira, finalmente, a página para onde os seus olhos não deixavam de resvalar.

Uma actriz mal preparada

- Lady, se tu deixas, elas comem-te viva.

O aviso parte da tia e a mãe da jovem, de apenas 19 anos, acena com a cabeça em sinal de concordância. Uma árvore quebrada sobre as águas onde se projectam retalhos do céu serve de passagem para uma miríade de formigas incansáveis que transportam fragmentos de folhas.

- Não acreditas, Lady? Olha que te comem mesmo, viva!

Um vigilante do parque, parado como um espectador num cortejo, jura, através daquele olhar insinuante, que as formigas não seriam as únicas. Lady vem de Bogotá, veste um top em tons de azul que apenas lhe cobre os seios, uma saia justa que lhe realça as curvas e calça uns sapatos prateados com uns saltos altos que se espetam, como agulhas, na terra arenosa. Ao ombro, tem uma mala preta e branca. Assemelha-se a uma actriz num palco a representar um papel para o qual não está minimamente preparada. Mas ela encarna apenas o fascínio que os colombianos sentem pelo Tayrona, que chega a receber, entre Dezembro e Fevereiro, mais de duas mil pessoas por dia.

Uma família de macacos agita os ramos das árvores que recebem os raios solares estilhaçados e desperta a atenção de Lady. Ela prossegue, naquele penoso caminhar, até se deter para observar um jacaré que, sentindo a presença humana, levanta a cabeça dourada pelo sol. Tayrona, com uma área de 150 km2, incluindo 30 de área costeira, acolhe mais de 100 espécies de mamíferos e 300 espécies de pássaros. Alguns turistas, muitos deles provenientes do Chile, passam por nós a cavalo e todos, ou quase todos, depositam um olhar nem sempre discreto nos saltos dos sapatos cuja cor prateada não é mais do que uma recordação.

- O avô é o último da fila mas será o primeiro a chegar.

Álvaro Gimenez, bem perto dos 70 anos, guia no parque há mais de 20, leva na mão direita um cajado e caminha num passo vigoroso, numa clara demonstração de robusta virilidade. Acompanha dois casais neste passeio até Arrecifes.

- Precisas de transporte para regressar a Santa Marta?

Respondo que não e agradeço. Lady sorri.

- Que saúde, avô!
- Faço isto diariamente, mais do que uma vez se for preciso.

A jovem parece invejar as sandálias que Álvaro Gimenez leva calçadas numa altura em que o traçado começa a tornar-se mais difícil. A água sulcou a terra e Lady, naquele equilíbrio precário, assemelha-se a um trapezista em cima de uma corda sem rede. Mas irradia simpatia por todos os poros e uma total disponibilidade para o diálogo que vai mantendo ao longo do percurso.

O avô volta à carga. Pergunta-me:

- E onde vais dormir?
- Vou até Pueblito, depois desço até Calabazo e espero regressar a Santa Marta ao fim do dia.

Ele sorri.

- Não é possível. A partir daqui, do lugar onde nos encontramos, precisas de pelo menos dois dias para chegar ao outro lado, a Calabazo.

Eu sei que ele mente, que mente com quantos dentes lhe assomam na boca, que não são mais do que três.

- Ajudas-me?

Dou a mão a Lady para vencer um pequeno obstáculo. Fala com orgulho do seu país:

- Já foste a Medellin? Não? Tens de ir.

A tia interrompe:

- E tens de ir a Providencia. Que lugar mais encantador.

Um casal de turistas ultrapassa-nos, ela com o filho às costas, ele com uma enorme mochila. Uma outra criança, de cabelo muito loiro, tronco nu, caminha descalça. Lady imita-a e tira finalmente os sapatos que estão agora cheios de lama. Aproveito para me despedir e seguir o meu caminho mas ainda a oiço dizer:

- Que Deus te abençoe.

Não sei se o fará, se terá mesmo essa intenção, mas reconheço, com uma certa gratidão, que foi bondoso quando, dali a meia hora, o trilho começa a ziguezaguear por entre a relva e se revelam umas cabanas e umas palmeiras que, fustigadas ao de leve pelo vento, se erguem aos céus pintados, aqui e acolá, com nuvens brancas e encaracoladas.

- Como foi? Bonito?

Reencontro-me com Sandy em Arrecifes e escuto atentamente o que tem para me dizer:

- Cuidado com a praia. Não corras riscos.

A poucos metros do lugar onde agora nos despedimos, uma tabuleta emoldurada por troncos de árvores toscos confirma os receios de Sandy. "Nesta praia já morreram afogadas mais de 200 pessoas. Não queiras fazer parte da estatística. Pensa nisso antes de entrar na água." Na areia, há restos de coco espalhados. Próximo da zona de rebentação, uma mulher medita e aceita, despreocupadamente, os lençóis de borrifos que jorram do mar onde o sol oscila. À sua direita, as ondas respiram de forma ofegante e batem contra as rochas lisas. Para trás, as nuvens brancas, pálidas como o leite, fundem-se com as montanhas de contornos suaves e uma casa de madeira, pintada de verde, surge dissimulada no meio da densa vegetação.

Caminho ao longo da praia, escutando a respiração possante do mar, observo as garças que, quase submissas, permitem a minha aproximação, até chegar, daí a instantes, à Piscina, uma baía onde as águas se mostram mais dóceis. Estendo a toalha e perscruto, de modo assombrado, a infinitude daquela beleza que entra pelos meus olhos, enquanto escuto vozes quase indistintas dos poucos turistas deitados na areia húmida. Há muitos anos, mesmo muitos, muito antes da chegada do turismo, os kogi visitavam este lugar para prestar o seu tributo à Grande Mãe e, assim, manter o equilíbrio planetário.

A subida até Pueblito

O Cabo San Juan de la Guia, a poucos mais de vinte minutos, é o destino que se segue, sempre ao longo da praia. Tendas coloridas mancham o verde da paisagem, parecendo minúsculas sob a sombra que emana das palmeiras dançantes. Aqui, onde nada se pensa, onde nada se deseja, não é permitido ingerir bebidas alcoólicas. A partir de um campo de futebol, com as suas balizas imperfeitas, avista-se um promontório onde repousa uma cabana com tecto de palha. Uma língua de areia dá lugar, antes da subida, a um conjunto de rochedos e a alguma vegetação. De um lado e do outro, formam-se duas baías. As ondas vêm namorar a areia na mais completa quietude, permitindo que um barco repouse serenamente naquelas águas onde uma mulher mergulha silenciosamente. No interior da cabana, por onde entra uma brisa fresca, há redes espalhadas um pouco por todo o lado, umas ocupadas por turistas, outras órfãs na sua solidão. O mar, agora de cor prateada, recebendo os raios fragmentados do sol, perde-se no horizonte e eu faço o caminho de volta, para entrar naquelas águas, na expectativa de me sentir revigorado para percorrer o longo caminho que ainda me falta para chegar a Calabazo.

De repente, lembro-me de Álvaro Gimenez e mais o recordo quando leio numa placa, uma vez mais em madeira, que não é aconselhável passar daquele ponto depois da uma da tarde. Olho o relógio e verifico que são quase duas. Mais temerário me mostro quando, numa outra, me avisam: "Se amas mais os teus sapatos do que o trilho, não vale a pena caminhar." Não sinto qualquer adoração pelo que levo calçado mas na minha imaginação começa a pintar-se a dificuldade que me espera. Deixo as bananeiras para trás, com as suas bananas ainda verdes, e não tardo a perder o rasto da vereda. Escuto o marulho da água e recuo, não mais de duzentos metros, até quase ao ponto de partida. E volto a ler. "O caminho até Pueblito fazia parte de uma complexa rede de comunicações que ligava os pântanos e as baías com os povos da Sierra Nevada."

A subida é íngreme, as pedras escorregadias mas quando faço uma pausa, já depois de percorridos uns metros, o que avisto à minha frente, o mar azul e a densa vegetação, o que escuto, o piar de um pássaro ou o borbulhar da água que corre num riacho, assola-me uma sensação de prazer quase insano. Uma borboleta volteja no ar e um sinal indica-me que 70 por cento do trajecto foi completado. Por baixo das letras desenhadas a verde, alguém escreveu, não se sabe quando, que não aguentou mais e teve de voltar para trás. Um esquilo come em cima de um ramo de uma árvore, da qual pende a cauda. Fita-me com indiferença quando o fotografo.

Ao fim de menos de duas horas, suando como se estivesse no deserto, num dia de intenso calor, chego ao Pueblito, para os kogi conhecido como Chairama. Entre os anos 450 e 1600 d.C. aqui viveram cerca de duas mil pessoas, num conjunto de 250 fundações - algumas delas ainda de pé - que eram utilizadas como estruturas de armazenamento e de suporte para vivendas e casas de reunião. Sem que se possa comparar com a Cidade Perdida, que deixo para outra ocasião devido à distância, Pueblito não deixa de ser um lugar agradável, muito limpo, com os seus muros e as suas ruas em pedra, semelhando-se a um jardim viçoso.

- Ainda tens pela frente mais três horas.

A mulher, com um cabelo loiro-canário, caminhando no sentido contrário ao meu, quase me deixa apreensivo. Na selva, a noite cai mais cedo, bem sei. A bom ritmo, olhando aqui e ali, insistindo para além dos meus limites, sinto que será possível chegar antes do anoitecer a Calabazo. Passo por uma modesta loja de artesanato kogi e coloco os olhos naquelas palavras sobre desenhos feitos por crianças. Zenyate Nanikue é uma mensagem simples e sincera, apenas reveladora da forma como a tribo olha para os brancos - obrigado irmãos menores. Inicio agora o percurso descendente e não tardo a avistar, no alto de uma colina, uma galinha que parece fazer questão de se apresentar. Por trás, quase passa despercebida uma aldeia kogi, com as suas casas de troncos de madeira e de folhas secas de palmeira. São, por norma, seguindo as tradições seculares, concentrações que se caracterizam pela conservação de um modelo de casas pré-colombinas - bohios -, redondas e com um telhado de ervas cónico. Estas cabanas envolvem uma superior, a casa dos homens, destinada às funções cerimoniais e com acesso vedado às mulheres - na cultura kogi, homens e mulheres vivem separados.

De repente ouço passos vindos na minha direcção. Duas crianças kogi, de mãos dadas, pés descalços, vêm ao meu encontro, com um sorriso que irá perdurar para sempre na minha memória.

- Chamo-me Francisa.
- Que idade tens?
- Oito.
- E tu?
- Rosa.
- E quantos anos tens?
- Não sei.

Francisca, seguramente mais velha, sem dois ou três dentes, cheia de colares à volta do pescoço, com um cabelo e uns olhos quase tão negros como o carvão, recebe nas mãos os lápis que lhe ofereço.

- Sabes escrever?
- Não.

Rosa é mais tímida e entretém-se a brincar com as folhas das plantas. Mas fica também imensamente feliz com os lápis e por se deixar fotografar ao meu lado. Francisca fala dos irmãos, de Simon, "más grande", de Raul, "más chiquitito".

- E o que gostas de fazer?

A expressão é agora mais bonita do que nunca.

- De ir com a minha amiga Tâmara à Playa Brava.

Quase me esqueço das horas, tão embrenhado estava naquele encontro feliz. Sinto que uma lágrima me corre pelo rosto. E deixo que ela siga o seu curso normal, porque é uma lágrima de felicidade.

A floresta tropical abre-se agora para o céu mais azul e para algumas casas no topo das colinas, que funcionam como templos e lugares de retiro para os mamos. O sol estival do fim de tarde adquire tons dourados. De vez em quando, cruzo-me com um kogi, com as suas calças e túnicas bege-desmaiadas. Calabazo, onde chego ao fim de duas horas, já se avista. Sentado num bar, na margem da estrada, bebo uma cerveja, outra ainda, e entro na buseta com uma sensação tonificante que não se desmorona nos dias que se seguem.

A noite já caiu sobre Santa Marta e os candeeiros espalham uma luz ocre que os passeios devolvem. Olho o céu cheio de estrelas. Não parece faltar nenhuma. Algures, entre elas, está a mãe de Juan.

 

Quando ir
A Colômbia, com um clima que sofre poucas variações, pode ser visitada em qualquer altura do ano. Sem ter, propriamente, uma temporada alta ou baixa, os períodos de maior afluência de turistas correspondem aos meses de Dezembro e Janeiro, à época da Páscoa e das férias escolares (em Junho e Julho). Santa Marta, localizada na costa das Caraíbas, raramente tem temperaturas inferiores a 25 graus.  


Como ir
A Lufthansa e a Ibéria voam para Bogotá, com escala em Frankfurt e Madrid, com preços que rondam os 1000 e os 1200 euros. A esse valor há ainda a acrescentar o trajecto entre aquela cidade colombiana e Santa Marta, que poderá custar, para um bilhete de ida e volta, aproximadamente 170 euros. A opção mais em conta é, no entanto, através da Avianca, companhia aérea que faz a ligação entre Madrid e Santa Marta por menos de 600 euros. Tendo sempre como exemplo o mês de Novembro, poderá ligar Lisboa a Madrid, em low-cost, por cerca de 50 euros, uma vez mais para um bilhete de ida e volta.

O que fazer
Além do Parque Nacional Natural de Tayrona, Santa Marta, sede do Departamento de Magdalena e a mais antiga cidade da Colômbia (é a segunda da América do Sul), é um lugar aprazível, com vestígios da era colonial que começam a ser recuperados de forma gradual. O Parque Santander, a Plaza Bolívar e a marginal, com as suas esplanadas (quase obrigatórias nas noites quentes para receber a brisa do mar) são locais a não desprezar. Se os seus interesses forem ao encontro da história, vale sempre a pena espreitar a Quinta de San Pedro Alejandrino, onde Simon Bolívar viveu os seus últimos dias, bem como a catedral – as cinzas do Libertador das Américas foram aqui depositadas antes de serem trasladadas para a Venezuela. Para os apreciadores de praia, há duas opções: Taganga, a escassos quilómetros, com os seus barcos de pesca e muitas horas de quietude, ou El Rodadero, também nos arredores, zona onde a construção não pára e muito procurada pelos colombianos mais ricos. Barranquilla (célebre pelo Carnaval) e Cartagena das Índias (a mais bem preservada cidade colonial da Colômbia) ficam a relativamente curta distância. Mais próxima está situada Aracataca, que se orgulha de ter visto nascer o escritor Gabriel Garcia Marquez.

Onde comer
Santa Marta tem uma oferta variada de restaurantes e, de uma forma geral, não há razão para o estômago se queixar da qualidade. Para quem conta os tostões, as casas de comida caseira são uma alternativa a considerar. Na rua 10C, recomenda-se o Brisas del Mar, que também serve bons pequenos-almoços a preços apelativos. A outro nível, mais dispendioso, o Donde Chucho, no Parque Santander, a curta distância do mar, é seguramente o melhor restaurante da cidade. O marisco e o peixe, sempre frescos, são as especialidades num lugar acolhedor onde também é possível, ao fim da tarde, beber um cocktail. No Parque, em alguns dos lugares descritos, há um ou outro restaurante.

Onde dormir
Uma vez mais as opções são múltiplas e, exceptuando os períodos de férias, não é difícil arranjar um quarto disponível em Santa Marta. A Residência San Jorge, também na rua 10C, tem um ambiente familiar e uma óptima localização. Para quem procura um pouco mais de luxo, o La Casa, um hotel boutique na rua 18, afigurase como a melhor alternativa. Em La Rodadero, a evitar para quem viaja com baixos orçamentos, pode ficar no Hotel La Sierra. Também é possível arranjar alojamento no parque, em tendas ou em cabanas.  

Informações
Um euro equivale a 2420 pesos colombianos e é perfeitamente possível fazer umas férias baratas neste país da América do Sul. O visto para entrar no país pode ser obtido no aeroporto, necessitando apenas de apresentar um passaporte com o mínimo de seis meses de validade. Mantenha na sua posse um formulário que terá de preencher à chegada, sob pena de ser multado na hora de partir. O acesso ao Parque Nacional Natural Tayrona, a partir de Santa Marta, é muito fácil: basta apanhar um autocarro junto ao mercado, na esquina da carrera 11 com a calle 11, na direcção de Palomino e pedir ao motorista para o deixar em El Zaíno. A Colômbia é hoje, apesar da má reputação, um país relativamente seguro, muito mais do que alguns dos seus vizinhos da América do Sul. A exemplo do que acontece em muitas outras cidades, apenas deve evitar ostentar objectos de valor e ignorar algumas zonas à noite. Em Santa Marta, na marginal e nos lugares mais concorridos, como o Parque Santander, faz todo o sentido o slogan lançado há bem pouco tempo pelo governo para atrair turistas a este país de quase 50 milhões de habitantes: o único risco é querer ficar.  

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