Fugas - Viagens

À descoberta da natureza da Colômbia com os índios kogi

Por Sousa Ribeiro

Durante anos foi palco de conflitos entre as FARC e os grupos paramilitares, com ambos a cobiçarem a área para estabelecer uma base para o processamento e o contrabando de cocaína. Hoje, o Parque Nacional Natural Tayona é, justamente, promovido como uma das maravilhas desta Colômbia cansada de guerras, com as suas praias, os seus trilhos que rasgam a densa vegetação e os indígenas com quem Sousa Ribeiro se foi cruzando ao longo da sua incursão.

- E a tua mãe, Juan, onde está?

O menino, com os pés descalços, preguiça num rudimentar banco de madeira, uma tábua lisa apoiada em dois troncos de árvore na qual começarão a ser expostos, a meio da manhã, os artigos de artesanato dos kogi. Juan permanece indolente no meio da clareira, depois ergue o braço esquerdo onde se destaca uma pulseira de corda, sintoniza o transístor na Rádio Punto Cinco e ergue na minha direcção aqueles olhos escuros e tristes sob as sobrancelhas pouco espessas.

- A minha mãe está lá em cima, no céu.

O sol doura-lhe a face esquerda e a sacola a tiracolo, também de corda mas com duas listas vermelhas na horizontal, pende-lhe das costas. No meio daquela calma matinal, o sono apodera-se dele e contagia o cão que lhe faz companhia. Juan parece meditar no momento em que passa uma sombra pelo seu rosto inocente, coloca as mãos a servir de almofada, depois aumenta o volume do pequeno aparelho e olha-me de novo, agora com um interesse renovado.

- Vivo no pueblocito com o meu avô, o meu irmão e a minha irmã.
- E como se chamam os teus irmãos, Juan?
- Lorenzo e Maria.

A criança agita-se e uma madeixa do cabelo lustroso cai-lhe sobre os olhos.

- E o teu pai, onde vive?
- Noutra aldeia.
- Sozinho?

Juan levanta a antena do aparelho radiofónico e o cão inquieta-se Ao longe, já se perscrutam vozes.

- Não. Vive com mais três irmãos meus.
- E tu gostas de viver aqui, com o teu avô?

Juan lança-me agora um olhar expressivo e acena com a cabeça.

- Sim. Mas queria a minha mãe que está no céu.

A alma de Juan parece transbordar de recordações. Sinto-me enfeitiçado por aquela demonstração óbvia de sinceridade. Ouvem-se passos ao fundo da vereda que rasga a vegetação tão exuberante.

- Sandy, Sandy!

Juan chama a rapariga no momento em que ela passa por nós. Na mão esquerda, leva um livro de Nick Hornby, Alta Fidelidade. No rosto, onde sobressaem uns olhos pequenos e delicados, um sorriso genuíno.

- Sim, Juan.
- Onde vais?

Sandy, com um cabelo negro que lhe desce pelas costas, fala mansamente com o pequeno.

- Vou à praia, Juan, a Arrecifes.

Ele não responde, cai novamente naquela modorra e as pálpebras fecham-se. Sandy integra a equipa que se responsabiliza pela preservação do parque, incluindo os índios kogi.

"Nós, os habitantes da Sierra Nevada, os kogi, os ika, os sanha, os kankuania, vivemos em constante harmonia com a natureza, com a Terra, a nossa Mãe. Há muitos anos, quando o homem carregado de armas chegou pelo mar para nos fechar no coração do planeta, comprometemo-nos a não mudar, e a nossa alma permanece intacta desde então. Mas agora a montanha sofre pelos erros dos outros. As árvores são cortadas e queimadas, os rios secam e as línguas de gelo minguam. Alguns de vocês entenderam os perigos. Sabem, como nós, que são responsáveis por este infortúnio. E que se a Sierra de Santa Marta sofre, a Natureza, a mãe de todos, morrerá."

A mensagem da comunidade indígena da Colômbia não deixa dúvidas quanto ao grau de respeito que tem pela natureza e os kogi, últimos descendentes dos maias e dos astecas, formam o grupo mais tradicional e importante de todos quantos habitam na serra colombiana, que se eleva, como uma espécie de pirâmide, desde o mar até 4000 metros de altitude, naquela que é a mais alta montanha costeira do mundo. Situada sobre uma placa tectónica e apartada dos Andes, revela uma estrutura única na qual é possível encontrar os diferentes climas do planeta, como se cada zona ecológica se reflectisse num espelho e se projectasse neste microcosmos, permitindo, desta forma, que a maioria dos animais e das plantas ali encontrem o seu espaço natural.

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