Os passos de João Diogo Correia e Inês Ferrão já percorrem o continente africano. De Lisboa a Mombaça foram três dias de viagem, com duas noites em Londres, uma espécie de prólogo, na verdade.
A viagem, aquela que a mãe do João Diogo temia, começou no Quénia, e vai até Moçambique, o país a que a mãe da Inês Ferrão aconselha a prestar atenção. São viajantes-prospectores, estes portugueses, quase que recém-saídos da universidade.
A viagem é importante, mas o destino é que conta mesmo – e aqui, o destino é o turismo comunitário e a escrita de viagens, projectos de vida. Ele é jornalista, ela assistente social, contaminados mutuamente nos seus interesses, que já tinham um vértice em comum, as viagens.
Afinal, "as viagens sempre estiveram entre eles", brinca Inês. Na verdade, deles é caso para dizer "no início era a viagem". Em Itália, um ano de desencontro e ele a acabar a viver no apartamento que tinha sido dela, também à boleia do programa Erasmus, uma amiga comum como intermediária. Depois conheceram-se e o resto é história, com um capítulo importante a escrever-se nos próximos meses.
Uma viagem a dois, que é também uma maneira, "talvez invulgar", reflectem, de se iniciarem no mercado de trabalho. A "sério" porque, para esta viagem, fizeram um pouco de tudo nos últimos seis, sete meses: vigiaram ecopontos, fizeram teatro em italiano, serviram em bares, entusiasmaram-se "com as coisas mais estranhas". Mas quem trabalha por gosto não cansa e eles nunca hesitaram; têm um plano a longo prazo que começa em África. Deram o nome de "dois por três" a esta viagem: são dois a percorrer três países: Quénia, Tanzânia e Moçambique.
Escolhas "emocionais" (ambos já tinham ido a África e sentido o seu encantamento) e "racionais". O João tem como meta publicar textos de viagem; a Inês quer explorar a área do turismo comunitário. E esta rota que agora vivem é como um laboratório de aprendizagens para um dia criarem "um plano de intervenção a vários níveis", contam. A saber: a escrita de um livro de viagens e a implementação de um projecto de turismo comunitário.
Para conjugarem os dois aspectos tinham de viajar em países atraentes a viajantes internacionais e com (alguma) tendência para o turismo de massas – bem distante daquele que defendem: o turismo comunitário. Aquele que, consideram, "é o único a valorizar as duas partes envolvidas", os locais e as pessoas que lá vivem, protegendo as suas especificidades e beneficiando-os, e os viajantes, que têm acesso e contactam directamente com a realidade em vez de estarem como se em casa.
Nos próximos cinco meses vão trabalhar em sistema de Work Exchange (trabalho em troca de alojamento e alimentação, experiência que Inês já viveu durante três meses no Rio de Janeiro) e ao mesmo tempo vão visitar instituições (e, quando puderem, trabalhar) que se dedicam ao turismo comunitário. Sempre pela costa do Índico. "Para muitos significaria ficar na praia deitado numa espreguiçadeira, de caipirinha na mão", reconhecem, "mas existe mais para conhecer". Querem "conhecer histórias de vida, de famílias, de comunidades".
Sabem que vão enfrentar um choque – "temos conhecimento da pobreza e dificuldades sociais bem patentes em África" – mas querem entendê-lo. Nas viagens anteriores, com a família e amigos, estiveram um pouco mais distantes, embora na família de Inês, pais geógrafos e sempre uma grande viagem anual ("poupávamos o ano inteiro para a viagem de Verão", recorda), a preocupação do contacto com as comunidades locais e a realidade social tenha estado sempre presente. "Creio que foi o que me despertou o interesse para o turismo comunitário", reconhece.
Não sabem como será o futuro, mas querem que passe pela escrita de viagens e turismo comunitário. Nesta altura, dizem, não se imaginam com um emprego fixo. No futuro, dificilmente, mais que não seja porque "emprego para toda a vida já não existe". "O paradigma em Portugal mudou." Eles estão a mudar com ele.