A 12 de Julho de 1863, Camilo Castelo Branco assinava o prefácio da sua obra Noites de Lamego, cujo título dedicou àquela terra, "a tantos respeitos interessante, e, sobre todos os respeitos, interessante pelos excelentes presuntos que a caracterizam na história da civilização culinária, a mais prestadia de quantas há".
Muito terá mudado em Lamego nestes 148 anos que nos separam da experiência de Camilo Castelo Branco, mas mantêm-se, certamente, a excelência dos presuntos, e o património "interessante", tanto histórico como natural, mesmo numa paisagem pintalgada por uma modernização urbana um pouco descuidada.
Separada, a Norte, do concelho vizinho do Peso da Régua pelo rio Douro, na sua versão de Alto e Vinhateiro, a cidade de Lamego tem uma oferta turística que acrescenta ao cenário idílico e sereno dos socalcos de vinhas entrançadas que caracterizam a região. O património edificado justifica um dia de passeio pelo seu centro histórico, embutido entre colinas inadequadamente adornadas de modernos edifícios em altura.
Recuemos ao século XII, altura em que foi construído o Castelo de Lamego (Monumento Nacional), quando esta localidade, um importante centro estratégico, estava já sob domínio português. O edifício, que se ergue no monte mais alto da cidade, é acessível através da passagem pelo pitoresco Bairro do Castelo, composto por pequenas casas tradicionais e ruas estreitas e acidentadas, e outrora abraçado pelas muralhas da cidade.
Os escuteiros locais são, actualmente, os responsáveis pelas visitas ao interior do castelo, pelo que convém certificar-se de que estes se encontram disponíveis para abrir os portões de entrada. Contudo, o programa de valorização e integração urbana do centro histórico de Lamego, Viver Lamego, financiado pelo QREN, promete "para breve" uma agenda de actividades e eventos culturais no Bairro do Castelo e apresenta na sua lista de projectos a "adaptação da Torre do Castelo e muralha primária para núcleo museológico militar e a criação de miradouro e passeio na muralha exterior".
O passeio continua no centro histórico da cidade. "A Sé de Lamego já existia quando Portugal nasceu", pode ler-se no interior desta catedral acessível através de um de três pórticos góticos, decorados com motivos florais.
De acordo com Instituto de Gestão do Património Arquitectónico e Arqueológico (Igespar), o edifício "que hoje conhecemos" começou a ser construído na segunda metade do século XII, "por patrocínio parcelar de D. Afonso Henriques". A igreja originalmente românica, que, hoje, caracteriza o Largo a que deu o nome, sofreu alterações nos séculos XVI e XVIII, e exibe uma fachada manuelina, complementada no seu extremo Sul por uma torre mais alta do que o restante edifício, que representa a única marca que permanece do período românico. Os frescos barrocos pintados no seu tecto arqueado têm a assinatura de Nicolau Nasoni, que aqui recorda cenas do Antigo Testamento.
Nas traseiras da Sé, no Largo de Camões, encontra-se o Museu de Lamego, instalado, desde 1917, no edifício que já foi paço dos bispos. A história do bispado de Lamego remonta, pelo menos, a 572, ano em que, segundo o Igespar, o bispo lamecense Sardinário esteve presente no II Concílio de Braga. O edifício, contudo, foi construído no século XVIII, a mando do bispo Manuel de Vasconcelos Pereira. Actualmente, o antigo paço hospeda uma exposição permanente ecléctica, composta por secções de pintura, tapeçaria e paramentaria (dos séculos XVI a XVIII), escultura (séculos XIII, XIV, XVII e XVIII), ourivesaria (séculos XV a XX), cerâmica e azulejaria (séculos XVI a XX), arqueologia (romana, medieval e barroca), capelas e altares (séculos XVII e XVIII), viaturas (séculos XVIII e XIX) e mobiliário (séculos XVII a XIX).
O mesmo tipo de arquitectura setecentista encontra-se no actual Teatro Ribeiro Conceição, situado no edifício que já funcionou como Hospital da Misericórdia e como Quartel do Regimento da cidade. Um incêndio reduziu-o a escombros em 1887, mas a fachada original foi mantida aquando da recuperação do edifício e fundação do teatro por José Ribeiro Conceição, em 1924. Depois de quase duas décadas de inactividade, o teatro reabriu em 2008 e recebe eventos de teatro, música, cinema, bailado e outras artes do espectáculo.
Do teatro avista-se, quase em linha recta, no topo da escadaria que se ergue no final da avenida, o ex-líbris arquitectónico da cidade, o barroco Santuário de Nossa Senhora dos Remédios, envolto na vegetação do bosque circundante. O percurso até ao início da subida convida a um passeio demorado pelo espaçoso separador central pedonal da avenida, decorado por manchas de relvado com canteiros de flores coloridas, ladeadas por frondosas árvores perfeitamente alinhadas.
A escadaria, decorada com vários chafarizes e esculturas de pedra, demorou 90 anos a ser construída (de 1778 a 1868). A subida é ritmada pelos diversos patamares, que permitem uma vista privilegiada sobre a paisagem arborizada envolvente e a cidade que cresce sobre os montes nas proximidades. A floresta que envolve o Monte de Santo Estevão, encimado pelo santuário, está equipada com inúmeras mesas de madeira preparadas para piqueniques sob a sombra do arvoredo. Se o dia estiver convidativo para uma refeição ao ar livre, não pode faltar, no cesto do piquenique, a especialidade culinária mais famosa de Lamego, o presunto, cujas variedades podem ser experimentadas na Presunteca, na própria encosta dos Remédios, juntamente com os vinhos da região. Outras especialidades locais são a bola de Lamego (de preferência, com presunto) ou os doces de amêndoa, conhecidos como lamegos.
No final de uma subida de 686 degraus, chega-se à Igreja de Nossa Senhora dos Remédios, toda trabalhada em granito. No seu interior, destacam-se os painéis de azulejo e coloridos vitrais, assim como o retábulo da capela-mor em talha dourada, dedicado à figura religiosa da Nossa Senhora dos Remédios.
Denominado, "a par do Bom Jesus de Braga, uma das igrejas barrocas de peregrinação mais significativas do país", pelo Igespar, o santuário apresenta muitas semelhanças arquitectónicas com a igreja bracarense e é o local perfeito para finalizar um dia de passeio pela cidade de Lamego.
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