Fugas - Viagens

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Somos todos eurodeputados na sala de visitas da Europa

Por Luís Maio (texto e fotos)

Visita ao Parlamentarium, novo centro de visitantes do Parlamento Europeu que, com uma exposição de entretenimento educacional, explica aos europeus por que não devem virar costas 
à União. Ficamos mais excitados do que estavamos à espera e pelo caminho descobrimos outras preciosidades de Bruxelas.

Os sinais de alarme dispararam em 2005, depois da rejeição francesa e holandesa do então chamado Tratado Constitucional da União Europeia. Aí as elites eurocratas parecem ter finalmente despertado para o que era já uma evidência para meio mundo: a tendência de uma parcela significativa (maioritária?) da demografia comunitária para ignorar, suspeitar ou mesmo diabolizar as instituições da União. Nem de propósito, Sir Julian Priestley, então Secretário-geral do Parlamento Europeu, chegou de Washington na mesma altura, maravilhado com o centro de visitas do Senado, na Colina do Capitólio.

O Parlamentarium - Centro de Visitantes do Parlamento Europeu, inaugurado em Bruxelas em Outubro, nasceu assim como uma resposta do bureau parlamentar aos avanços do vírus eurocéptico. Era (e é) urgente chegar mais perto dos cidadãos, mas porquê investir na promoção do Parlamento Europeu em vez de celebrar outros organismos comunitários? Justamente porque o Parlamento é a única instituição da União eleita por sufrágio directo dos cidadãos europeus. Representa cerca de 500 milhões de habitantes nos 27 estados-membros e, longe de ser uma coisa mais ou menos decorativa, tem vindo a ganhar crescente protagonismo na (co-) decisão dos orçamentos e de legislação da União.


Europa versão multimédia

21 milhões de euros é, em qualquer dos casos, muito dinheiro investido em comunicação. Um desperdício de fundos, um insulto para os contribuintes europeus, sobretudo na presente conjuntura de crise, apressaram-se a proclamar em coro os apóstolos da austeridade (com os conservadores britânicos na primeira fila). Os promotores contrapõem: o Museu Hergé (Louvain-La-Neuve), também recente mas privado, custou 15 milhões de euros, enquanto o centro de visitantes na Colina do Capitólio, em Washington, ficou em 421 milhões de euros.

Entretanto, o Parlamentarium abriu portas e o dinheiro que foi lá gasto não é recuperável, até porque a entrada é gratuita, o que torna essa esgrima financeira bastante fútil. Mais pertinente se afigura agora apurar se o centro funciona, quer a título de veículo de aproximação popular à instituição também conhecida como Capricho do Deuses, quer de atracção turística, capaz de animar o deprimente Bairro Europeu em que se inscreve, em Bruxelas. Se pensarmos que nós, portugueses, somos 11 milhões, que apenas uns 500 mil saem de portas ao ano, que desses só uma ínfima minoria já visitou ou planeia visitar a capital belga e menos ainda na companhia da família (que é o público-alvo), vamos achar que o novo centro não fica na "nossa" Europa, mas algures noutra galáxia.

Essas e mais objecções não chegam, porém, para retirar mérito ao Parlamentarium, uma peça de genuíno entretenimento educacional (também lhe chamam edutainment), que mexe connosco numa época em que o euro e a própria comunidade atravessam a sua maior crise de sempre. O novo centro de visitantes ocupa uma área de 5400 m2 distribuídos por três pisos num desses edifícios cinzentos que compõem os quarteirões europeus. Neste caso pelo menos compensa o que se encontra lá dentro: um conjunto de atracções interactivas, multimédia e plurilingues, dinamicamente postas ao serviço do marketing parlamentar.

Estes brinquedos audiovisuais são do mais original e sedutor que até hoje se inventou no ramo das tecnologias de comunicação. Se fossem aplicados a um tópico mais popular, o Parlamentarium seria certamente um parque de diversões, porventura na linha do Futuroscope em Poitiers (França). Em contrapartida, este novo centro concebido para Bruxelas pelo atelier alemão Bruckner (museu BMW, em Munique) consegue o milagre de tornar um assunto para muita gente tão agreste quanto o funcionamento do Parlamento Europeu em algo interessante, por vezes mesmo empolgante.

Um exemplo privilegiado é a Projecção do Hemiciclo a 360º. Os visitantes são convidados a sentar-se no centro de um gigantesco ecrã digital de 360 graus, onde durante uns dez minutos vão sendo projectadas imagens de debates e de votações de sessões plenárias. Tudo se passa como numa projecção Imax, capaz de induzir no espectador a sensação de passar para o outro lado do ecrã, o que neste caso significa vestir a pele dos eurodeputados e participar dos trabalhos parlamentares.

Tão ou mais estimulante é o Jogo de Representação para jovens em idade escolar. Temas delicados, como tomar decisões perante uma situação de cheia ou de tremor de terra, ou debates desses que afectam toda a gente, como o preço dos medicamentos ou a idade da reforma, são lançados aos participantes, que assumem a pele de eurodeputados. Os jogadores entram a partir daí numa roda-viva de contactos e negociações, enfrentam súbitas mudanças de rumo dos acontecimentos e uma chuva de opiniões interesses divergentes. Acabam por tomar posição em matérias que antes pouco lhe interessaram e a defender acaloradamente posições, como se a sua vida dependesse disso - e, na verdade, às vezes depende mesmo.

Outra atracção menos frenética, mas que vale imenso a pena, chama-se Pessoas de Toda a Europa. Aí os visitantes podem ouvir 54 relatos de europeus sobre a sua experiência de integração, isto num ambiente de lounge audiovisual.

Já outras aplicações parecem ser menos conseguidas, como a Viagem Virtual pela Europa, centrado num mapa da Europa de 200 metros quadrados com mais de 90 pontos interactivos, guias multimédia e uma instalação de luz a três dimensões, suspensa do tecto. Aqui há tantas coisas a faiscar ao mesmo tempo e a distrair a atenção do visitante que, às tantas, este já deve ver mais estrelas que as da bandeira europeia.


Da Bruxelas burguesa ao Bairro Europeu

Se a finalidade principal é explicar o Parlamento aos europeus, pelo caminho o Parlamentarium também quer ajudar a arrancar outro espinho cravado na imagem da União - essa espécie de depressão urbana causada pela concentração de instituições comunitárias no chamado Bairro Europeu de Bruxelas. Quando há sessões de trabalho no Parlamento e demais sedes europeias ainda se vê gente (de fora) a circular nas ruas, sobretudo nos cafés e restaurantes em redor da antiga Estação do Luxemburgo. De resto, aos fins-de-semana, não se vê vivalma nos quarteirões europeus.

O Parlamentarium, aberto todos os dias da semana, deverá chamar gente ao Bairro Europeu e, em simultâneo, revalorizar os tesouros que persistem em redor, ofuscados marginalizados por dois núcleos de sedes comunitárias. Vieram roubar espaço ao que era uma das vizinhanças mais aprazíveis da capital belga, o Bairro Leópold, estância de veraneio no século XVIII e área residencial burguesa em meados do século seguinte. Desta época data igualmente o frondoso Parque Léopold e um colar de praças elegantes (Marie-Louise, Ambriorix, Marguerite), emoldurados por um precioso conjunto de edifícios de habitação.

Trinta desses prédios centenários estão classificados, incluindo três com a assinatura de Victor Horta, figura tutelar da Arte Nova belga. O destaque vai, no entanto, para a casa Saint-Cyr (nome do artista que a encomendou ao arquitecto Gustave Strauven), um dos edifícios mais contorcidos e extravagantes alguma vez construídos nesse estilo.

Fica a dois passos dessa espécie de cortina de tédio que é Berlaymont, a sede da Comissão Europeia. A combinação da fantasia das casas Belle-Époque com o cinzentismo das instituições e os abismáticos buracos agora cavados para construir mais formam uma paisagem surreal. Algo inquietante, sem dúvida, mas nem por isso menos estimulante no quadro dos debates sobre os destinos europeus.

A colagem paisagística do alto arvoredo do Parque Léopold com o Parlamento propriamente dito e um par de vivendas antigas, ainda habitadas pelo meio - gente que resiste à invasão europeia com a bandeira belga à janela - é outra visão espantosa que dá pano para mangas em termos de debate europeu. A convivência (forçada) do Bairro Léopold com o Bairro Europeu não prima certamente pela harmonia, mas funciona como um quebra-cabeças cultural que merece ser explorado, sobretudo agora que a União parece caminhar para o precipício.


Bruxelas exótica

O alto do Parque Léopold acolhe dois museus formidáveis, até aqui um pouco fora de circuito. O Museu das Ciências Naturais é um edifício que começou por ser construído em finais do século XIX, nas imediações do lugar onde antes havia um jardim zoológico (a colecção inclui o elefante embalsamado do antigo zoo). O museu veio a ser ampliado, logo em 1905, para acolher aquela que se tornou na sua principal estrela: a galeria dos iguanodontes (gigantes herbívoros, rondando as 4,5 toneladas), descobertos um quarto de século antes por uma equipa de mineiros em Bernassart.

A galeria, que tem 300 m2, foi recentemente restaurada na sua arquitectura original, mas com uma nova jaula de vidro, onde se exibem dez esqueletos inteiros de iguanodontes, em duas ou quatro patas. O chão é também envidraçado, permitindo já vislumbrar no piso inferior mais onze esqueletos apresentados na posição em que foram primeiro encontrados. Para além de fósseis e esqueletos de dinossauros, o museu rebobina a história da evolução através de uma colecção que integra 37 milhões de espécimes, incluindo 11 milhões de insectos e 10 milhões de conchas, o que a certifica como a quarta mais importante do mundo.

O Museu das Ciências Naturais de Bruxelas é notável, mas corresponde mesmo assim a um figurino replicado pelo mundo fora. Já o vizinho Museu Wiertz é único, um verdadeiro exclusivo de Bruxelas. Antoine Wiertz (1806-1865) foi um pintor, escultor e escritor fortemente excêntrico, que conseguiu convencer o então ainda jovem estado belga a financiar este estúdio-museu, contra a oferta póstuma do conjunto das suas principais obras - esse contrato é, aliás, a primeira bizarria. De resto, para evitar alienar as suas principais criações, Wiertz ganhava a vida aceitando encomendas de retratos.

Quando se entra neste museu monográfico a primeira coisa que surpreende é a monumentalidade dos quadros, parte dos quais ocupam paredes inteiras da sala principal com 35 metros de comprimento, 15 de largura e 15 também de altura. Destes, uns representam episódios bíblicos, outras cenas da mitologia grega, sempre num estilo de academismo clássico de envolvência romântica, muitas vezes de simbolismo enigmático. A qualidade destas obras não era na época nada consensual (foram sistematicamente recusadas pelos salões de arte parisienses) e hoje mesmo atraem porventura mais pelo insólito do que pelo valor artístico.

Mais estranhos são, porém, os quadros pendurados nas outras duas salas mais exíguas, que ilustram as preocupações sociais e filosóficas do artista. Há um quadro com uma mão a sair do caixão, a mão de alguém que foi enterrado antes de tempo. Outro representa uma mulher enlouquecida pela fome, que se alimenta do seu próprio rebento. Mórbido, esquisito, alienígena (o pintor foi sempre rejeitado pelos salões parisienses), a obra de Wiertz e o seu atelier-museu são um inesperado fôlego de estranheza na Bruxelas europeizada.

 

Informações

Parlamentarium - Centro de Visitantes do Parlamento Europeu
Edifício Willy Brandt
Rua Wiertz 60, Bruxelas
www.europarl.europa.eu
Aberto todos os dias da semana. Dias úteis sempre a partir das 9h, encerra às 18h às quintas e sextas, 
e às 20h às terças e quartas. Sábados e domingos das 10h às 17h e segundas das 13h às 18h. Gratuito. 

Le Musée Antoine Wiertz
Rue Vautier, 62
Tel. : +32 (0) 26481718
25083333
www.fine-arts-museum.be
Terça a sexta, 10h-12h e 13h-17h; aos fins-de-semana só para grupos com reserva prévia. Entrada gratuita

Muséum des Sciences Naturelles
Rue Vautier, 29
Tel.: +32 (0) 2674238
Segunda a sexta, 9h30-17h; sábados e domingos, 10h-18h
Adultos: 7€, 6-17 anos: 4,50€


Como ir

Nos sites de low costs encontram-se ligações a Bruxelas a partir de Lisboa por 79€ e a partir do Porto desde 29€ (só ida). A tarifa mais comum para ida e volta entre qualquer das cidades portuguesas e a belga, nessas companhias e nesta altura do ano, ronda os 170€. O autocarro 12 liga o aeroporto de Bruxelas à Praça do Luxemburgo, parando mesmo à porta do Parlamento Europeu. O mesmo trajecto pode ser feito em comboio + metro, mas sai mais caro e leva mais tempo.

O que ler
Bruxelas Percursos, de François Schuiten e Cristine Coste, edição ASA  PÚBLICO (8,90€) e Pocket Guide Visit Brussels, à venda nos postos de turismo da cidade (4€, inclui itinerários nos bairros Leópold e Europeu)


Mais Informações

Brussels International
Rue Royale 2-4 Koningstraat-1000 Brussels
Tel.: +32 (0) 5138940
www.fine-arts-museum.be

A Fugas viajou a convite 
do Parlamento Europeu

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