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Petra: Era uma vez uma rosa no deserto

Por Sousa Ribeiro

O desfiladeiro parece querer engolir-nos e de repente compensar-nos pelo esforço daquela caminhada, quando surge a visão tão bela quanto enigmática do Tesouro: Petra mostra-se enfim. Duzentos anos depois da sua redescoberta por Johann Ludwig Bruckhardt, fomos à procura da sua magnificência.

O menino, com o gorro azul na cabeça e um blusão da mesma cor que o protege do frio, dá a mão ao pai e ambos se recortam contra o desfiladeiro que parece disposto a engoli-los. Juntos e como que enfeitiçados por aquelas paredes que se erguem a mais de 100 metros, cúmplices de um desejo comum de descoberta, caminham naquele silêncio matinal, naquele silêncio tão íntimo.

Eu acompanho-os com o olhar, à distância, sob um céu que vai adquirindo diferentes tonalidades na manhã prestes a despontar. Na minha imaginação pinta-se uma história que aquelas pedras, se falassem, me poderiam contar melhor do que ninguém, testemunhas que foram de aventuras desde tempos imemoriais.

- Quer um táxi com ar condicionado?

O homem, com um farto bigode, tez tisnada pelo sol, olhos negros como o carvão e um keffiyeh vermelho e branco na cabeça, vigia um camelo com um ar submisso.

Eu rejeito a oferta, oiço os meus passos tranquilos e deixo o olhar vaguear por aquele purgatório tão estreito que daí a instantes me irá levar ao céu, não ao que agora se tinge de uma certa sonolência mas a um outro, tão perfeito que parece irreal. Nas alturas, as pedras, com contornos bem definidos, eternas e inacessíveis, cheias de vontade de rasgar o firmamento, dão a sensação de se tocarem sob uma luz ainda moribunda e fazem de mim um ser frágil como um passarinho.

O Siq, como é conhecida a garganta, àquela hora ainda envolto num manto de sombra, estende-se por mais de um quilómetro e é o único acesso natural às verdadeiras jóias que durante séculos viveram afastadas dos olhares curiosos dos viajantes. Talvez padecendo do mesmo fascínio que eu, com uma expressão de êxtase no rosto, em 1812, há precisamente 200 anos, este caminho cheio de pedregulhos nus e com pequenas nuvens de poeira tocadas por um fio de vento foi percorrido por Johann Ludwig Burckhardt, que se tornou no primeiro europeu a poder entrar em Petra.

O jovem explorador suíço, convertido ao islamismo, havia ouvido rumores, durante a viagem entre Damasco, na Síria, e o Cairo, no Egipto, sobre uma fabulosa cidade abandonada à sua sorte há séculos no coração do deserto. Mas Johann Ludwig Burckhardt sabia também, de tanto escutar os nativos, que as fantásticas ruínas, camufladas algures nas montanhas de Wadi Musa, estavam vedadas aos estranhos.

Os beduínos que habitavam naquela zona acreditavam que a cidade escondia enormes tesouros e não permitiam a aproximação de ninguém, com receio, por um lado, de ficarem desprovidos dessas riquezas e, por outro, de verem o seu modo de vida afectado pela presença de estrangeiros.

A luz, agora menos mortiça, começa a iluminar o desfiladeiro. Pai e filho seguem de mão dada à minha frente e ao meu ouvido apenas chegam vozes indistintas.

Durante anos, Johann Ludwig Burckhardt, nascido em Lausanne, preparou a sua viagem tão a sério que foi aprendendo a língua e os costumes das gentes desse território inexpugnável e misterioso. Como um qualquer mercador sírio, na pele do Sheikh Ibrahim Bin Abdullah, trajando a rigor e pondo em risco a sua própria vida, o explorador logrou chegar à cidade proibida utilizando o argumento de que pretendia cumprir uma promessa no santuário de Aarão, no monte com o mesmo nome. Acompanhado de um guia e sem gerar qualquer desconfiança, o suíço, revelando grande astúcia, conseguiu convencer o homem a conduzi-lo por um desvio através dos vales e das rochas do deserto de Musa.

E desta forma, ainda que tão superficial como muitos dos turistas perscrutam Petra, teve o privilégio de ser o primeiro europeu a poisar um olhar em alguns dos seus monumentos mais emblemáticos. Ao longo dos tempos, outros exploradores foram bebendo desta imponência e os seus relatos, desenhos e descrições, mais pormenorizados do que os apontamentos que Johann Ludwig Burckhardt pode recolher por força do zelo dos vigilantes da cidade, exibiram ao mundo um lugar que superava todas as expectativas iniciais.

O Tesouro

Como um rio a caminho do mar, o desfiladeiro, originalmente um bloco unido e mais tarde dividido por forças tectónicas, serpenteia e desemboca subitamente e como que por magia numa visão sublime, inquietante, bela e enigmática. Ali à nossa frente, esculpida nas paredes rosadas, imponente e tão apaziguadora da alma, está a mãe de todos os monumentos de Petra, o Tesouro.

O resplendor que irradia da sua elegante fachada e das suas colunas desvincula-me do mundo e envolve-me nas brumas de outra época, naquele eco do passado que soa como uma melodia. Permito que o olhar se fixe naquela rosa tão antiga como o tempo, para utilizar as palavras sábias do poeta escocês Dean Burgon, e gozo daquela indolência tão doce até ser assaltado por um único pensamento que deixo assomar aos lábios em voz alta:

- Depois de ver Petra já posso morrer.

O mais emocionante dos monumentos da cidade dos Nabateus, de clara influência helenística, foi talhado, de alto a baixo, numa única pedra no século I antes de Cristo e é um dos mais bem conservados num total de mais de 800 dispersos por uma área de quase 80 km2. Construído para servir de túmulo ao rei Aretas III e não para guardar um fabuloso tesouro escondido por um faraó egípcio, como se chegou a especular durante anos, o Kahzneh revela, entre tantos pormenores, uma estátua central que continua a ser fonte de controvérsia: alguns estudiosos acreditam que é uma assimilação da grande deusa egípcia Isis e da deusa nabateia Al-‘Uzza, enquanto outros defendem que se trata de Tyche, a deusa romana da sorte. Num plano inferior, surge o escudo de Petra, com a sua serpente, um símbolo da reencarnação, bem como um escorpião, que representa a morte.

- Precisa de um Ferrari?

O beduíno, sentado no chão onde a sombra se espalma, retira-me da minha preguiçosa meditação e provoca-me um sorriso quando cravo olhar no burro que tem como companhia. De repente, a atmosfera enche-se vozes e de rostos fascinados com aquela primeira impressão provocada pela visão do Tesouro. E o sonho dá lugar a um pesadelo quando a turba se precipita para a entrada onde se destacam as seis colunas com capitéis com motivos florais. Agora sob o fundo azul de cobalto do céu de um dia que se anuncia repleto de esplendor, prossigo na minha errância, uma vez mais numa quietude sonhadora, através da Rua das Fachadas, com os seus túmulos e casas construídas pelos Nabateus.

À distância, ostentando toda a sua beleza harmoniosa no momento em que recebe os raios dourados do sol, avista-se o anfiteatro cuja visita prefiro adiar para o final da tarde. Sentados nas bancadas, no meio daquela imponderável luminosidade, pai e filho parecem exprimir prazer com as suas brincadeiras e as fotografias que se encarregarão de perpetuar as memórias no instante em que as convocarem, memórias daquela cidade perdida que tanto os parece seduzir.

Ainda que orgulhosos do fascínio que Petra provoca nos viajantes, os Nabateus não foram os primeiros a instalarem-se nesta zona. Escavações levadas a cabo a dez quilómetros de Petra, em Al-Bheida, conduziram à descoberta de uma aldeia neolítica cujas origens remontam a sete mil anos antes de Cristo e que terá sido construída na mesma altura que Jericó. Como região habitada, nada mais se sabe até chegarmos à Idade do Ferro, 1200 anos antes de Cristo, período que dá conta da presença dos edomitas.

Originários do Sueste da Palestina, estabeleceram-se na região e fundaram a capital, Sela - que, tal como Petra, significa pedra. A Bíblia faz referência à cidade que inicialmente se julgava ter sido erguida no alto de uma fortaleza rochosa, em Umm al-Biyara, tese que tem vindo a perder força para uma outra, que aponta para a sua localização dez quilómetros a sul de Tafila. Mas foi em Sela, ainda de acordo com a Bíblia, que Amasias, rei de Judá, lançou do alto das falésias dez mil prisioneiros, conquistando a cidadela, 800 anos antes de Cristo.

As escadas íngremes sobem aos céus e, de quando em vez, no meu trajecto a caminho do Mosteiro, cruzo-me com beduínos que se fazem acompanhar dos seus táxis com ar condicionado. No céu, nem um farrapo de nuvens, o ar macio e o sol a cintilar lá em cima. Dissimuladas, um pouco por todo o lado, algumas sepulturas, a tal ponto que durante anos prevaleceu a ideia de que Petra era uma cidade-necrópole.

A teoria rapidamente caiu por terra e deu lugar a uma outra que aponta para a existência de uma cidade activa, cuja situação geográfica facilmente se explica: os seus primeiros habitantes eram nómadas e Petra, sendo muito fácil de defender de eventuais ataques, constituía um refúgio de excepção. Mas a maior parte das habitações, em terra crua, não resistiu à erosão e aos frequentes sismos, ao passo que a presença de um número elevado de túmulos com grande prestígio se deve ao facto da população ter uma ligação muito forte, do tipo religioso, ao lugar.

O Alto Lugar do Sacrifício

É a partir do século VI antes de Cristo que os Nabateus, um numeroso conjunto de tribos nómadas de origem árabe, provenientes do deserto arábico, se impõem na região, transformando Petra, ponto de passagem das caravanas, numa cidade próspera. Recorrendo inicialmente às pilhagens e instituindo, mais tarde, um sistema de portagens, os Nabateus controlavam todo o comércio de incenso (cujo valor chegava a multiplicar-se por cem ao longo do percurso) e mirra que eram transportados, em camelos, desde o Iémen ao longo da Rota do Incenso.

Em simultâneo, manipulavam o negócio das especiarias que eram canalizadas, de barco, para a Arábia e com procedência em lugares tão distantes como a Somália, a Etiópia ou a Índia. Nos subúrbios da capital, Petra, recebiam as caravanas e responsabilizavam-se pela logística, processando produtos, oferecendo serviços bancários e animais frescos para as mercadorias serem transportadas até aos portos de Gaza e de Alexandria (na época o centro económico e cultural do mundo) e logo embarcadas para a Grécia e Roma.

Um pássaro risca o céu e bate as asas para cumprimentar a manhã tão bonita e limpa que me desperta para uma sensação imediata e profunda. Apenas ouço a minha respiração ofegante mas logo vislumbro, ao fundo, recortados contra a cidade mineral, pai e filho, este último montado no dorso de um burro. Quando, finalmente, os nossos olhares se cruzam, trocámos sorrisos testemunhados por uma mulher com um dente solitário e a filha que conduz o quadrúpede e o menino com um cabelo loiro que lhe cai em anéis até aos ombros.

Provando ter um conhecimento técnico extremamente sofisticado, pouco habitual ou mesmo invulgar para uma cultura nómada, os Nabateus, grandes cavaleiros e proeminentes comerciantes, prosperaram durante mais de 500 anos, entre o século IV antes de Cristo e o século I depois de Cristo. Perante tamanha riqueza, os nómadas fizeram vir de Alexandria urbanistas e arquitectos que em muito contribuíram para o desenvolvimento da cidade.

Petra chegou então a ter uma população que ultrapassava as 30 mil almas, um número inusitado quando pensamos nos problemas gerados pela falta de água numa zona onde apenas chove uns dias por ano. Para aproveitarem cada gota preciosa, os Nabateus criaram um complexo sistema de cisternas, canais, canalizações e barragens, bem como um aqueduto com oito quilómetros de comprimento para alimentar o centro da cidade.

Tudo foi feito com tal minúcia que, ao longo das canalizações, os Nabateus não só garantiam o curso natural da água, como também a forçavam a penetrar nas frágeis parcelas de terra cultivadas neste mundo rochoso e árido. Ainda que desprovidos de um império militar e administrativo no verdadeiro sentido da palavra, os Nabateus dominaram uma vasta área que se estendia até Damasco e cuja influência se fez sentir, aos mais diferentes níveis, em Roma.

Eu continuo a subir, a sentir que estou cada vez mais próximo dos deuses, habitando aquele sonho agora que a frescura matinal se começa a evaporar. E, de repente, surgem dois obeliscos de pedra, com seis metros de altura, que assinalam a entrada do Al Madhbah, o altar, local de culto ao ar livre para as religiões semitas também conhecido como Alto Lugar do Sacrifício.

Assumindo o papel de tótemes, os obeliscos sacralizam a esplanada sacrificial, protegida pelas ruínas de uma fortaleza datada do tempo dos cruzados. Aqui e acolá, perscrutando atentamente, destacam-se os regos destinados a drenar o sangue dos animais e do alto do promontório avistam-se, no horizonte longínquo, sob os raios oblíquos e cada vez mais ardentes, a cidade antiga e a cidade nova.

Daqui, seguindo um trilho, chega-se ao Monte Aarão, para se admirar o mausoléu branco construído no século XIV sobre o túmulo do irmão de Moisés e onde Johann Ludwig Burckhardt pretendia sacrificar um carneiro na sua incursão, há 200 anos, por este lugar mágico. Em alternativa, um outro caminho conduz o viajante até ao Vale das Borboletas, passando pelo Monumento do Leão (onde se pode ver com era sofisticado o sistema de canalizações dos nabateus, já que a água, depois de encaminhada, era derramada de uma rocha que encima o monumento com cinco metros para cair perto da boca do leão talhado na pedra), por um conjunto de túmulos e vestígios de palácios, até culminar na Coluna do Faraó, a única que sobreviveu de um templo nabateu.

A subida ao Mosteiro

A prosperidade que marcava o dia-a-dia dos nabateus rapidamente começou a despertar cobiça entre outros povos e, em 312 antes de Cristo, Petra sofreu o primeiro ataque, pensado pelo governador selêucida Antigonus, que enviou para a região um grande número de cavaleiros. Órfã dos seus homens, ausentes algures, a cidade assistiu à matança de mulheres e crianças e ao saque de alguns dos seus bens mais valiosos.

Reza a história que, de regresso a Petra e às suas casas, os árabes não tardaram a pôr em prática um plano de retaliação que apenas terá poupado 50 dos 4000 cavaleiros. Uma nova tentativa de assalto, agora conduzida por Demétrio, filho do governador, redundou num fracasso mas Petra não haveria de esperar muito tempo até se dar conta das ambições dos romanos.

A minha ambição, muito mais humilde, passa agora por subir aqueles mais de 800 degraus que, de quando em quando, me obrigam a fazer uma pausa que aproveito para admirar as rochas sulcadas de rugas que impregnam tudo em redor. Em menos de uma hora, sob aquele sol quente que castiga a terra, chega a recompensa pelo esforço, um monumento colossal que surge como um espectro do passado.

Esculpido no flanco da montanha, o Mosteiro, com os seus 42 metros de altura e 50 de largura, é maior do que o Tesouro e terá sido construído no século III antes de Cristo, alegadamente dedicado ao soberano Obodas I. Assim baptizado devido às cruzes esculpidas nas suas paredes interiores, indiciando a utilização do edifício como igreja durante a ocupação bizantina, o Al-Deir, na sua expressão árabe, requer ser examinado, a relativa distância, com uma atenção afectuosa. Pleno de luz do sol que desce no céu, a contemplação do Mosteiro proporciona uma calma eterna e um impulso sentimental que nenhuma palavra pode descrever.

O imperador Pompeu, já com a Síria e a Palestina entre as suas conquistas, tenta apoderar-se de Petra em 63 antes de Cristo. Mas a tentativa redunda em fracasso perante a capacidade revelada pelo rei nabateu Aretas III para subornar as tropas romanas. Por um período, embora não muito longo, a cidade continua a gozar o estatuto de independente. Mas em 106 depois de Cristo, na sequência de outras incursões e do facto de os nabateus terem deixado de pagar tributo, como a tal estavam obrigados por terem ajudado os Partos na guerra com os romanos - que saíram vencedores -, a cidade cai finalmente e torna-se numa província de Roma. Mais do que a força ou o poder das armas, foi o facto de ter deixado de ser um lugar de passagem das caravanas que motivou o declínio de Petra - os mercadores passavam agora por Palmira, na Síria.

O odor flutua no ar, o lume anima e crepita na lareira e as chamas dançam no rosto da beduína que se abriga do sol no interior da gruta. Bebo um café com cardamomo e fotografo a jovem que me sorri com uns olhos que têm um brilho da luz outonal.

Infatigável como uma aranha, vou ao encontro dos Túmulos Reais, agora dourados pelo sol - podem-se contar mais de 78 cores em Petra -, admiro calmamente o Anfiteatro e um lagarto azul que parece aguardar um qualquer espectáculo. Passo pela Necrópole e subo até um promontório onde supostamente não vou encontrar um único turista e dali observo, ao fundo, como uma sentinela, o Tesouro, que me provoca um novo frémito de vida.

E, saboreando o silêncio absoluto, exausto mas ébrio de felicidade, por ali fico a lançar olhares ao Kahzenh, aquele monumento que habita o imaginário de tantos viajantes, tão importante para colocar Petra na lista de Património Mundial da Unesco (1985) ou entre as novas Sete Maravilhas do Mundo (em 2007, numa cerimónia que teve o Estádio da Luz como palco).

- Olá!

Assusto-me e viro-me instantaneamente para trás. A voz do menino, seguido pelo pai, rompe o silêncio. Olhamos agora os três, durante mais uns minutos, aquele edifício que despreza o tempo ainda mais do que nós. E para a noite, depois de um jantar retemperador, fica agendado um encontro num lugar especial.

Com o advento do cristianismo, as igrejas começaram a recortar-se na paisagem, mas com os sismos em 363 e 551 grande parte das habitações ruiu como um castelo de cartas, um cenário para o qual despertaram os muçulmanos durante as invasões no século VII. Envolta na obscuridade durante 500 anos, Petra - mas não as suas gentes - voltou a ser mencionada no século XII, quando os cruzados construíram dois fortes na região. Na sua solidão, a cidade era agora apenas conhecida pelos beduínos, que aqui permaneceram até 1984, altura em que o governo impôs a sua mudança para uma aldeia nos subúrbios.

A paz crepuscular cai sobre Petra e é nessa meia escuridão do crepúsculo que regresso ao hotel, para o abandonar no momento em que a lua já substituiu o sol. Sentados no bar onde a vida fervilhava em voz baixa, pai e filho oferecem-me um lugar na mesa que ocupam. Também aquelas paredes me podiam contar histórias com dois mil anos, desde o tempo em que serviu de túmulo. No Cave Bar, onde as tardes morrem e as noites nascem, fala-se de viagens, de projectos, de sonhos e de amizade.

- Mais do que pai e filho, somos bons amigos. Os melhores.

A criança, sempre com os caracóis caindo até aos ombros, sorri e aquiesce com a cabeça.

Caí na cama mais morto do que um morto, um morto em vida, e quando a noite se escapava pela janela, dando lugar à primeira alva do dia, pus-me de novo a caminho. Ao longo do Siq, essa enorme garganta que me engole, ouço os cascos dos cavalos pisando aquele chão esfarelado. De repente surgem dois cavaleiros e eu quero acreditar que aquela é uma cena do filme "A Última Cruzada", de Steven Spielberg. Sean Connery é seguido por Harrison Ford, que se mostra ao mundo como Indiana Jones. Pai e filho.

Quando ir

A altura ideal para visitar Petra é na Primavera, quando os dias são mais frescos, ou no início do Outono, com temperatura amena em comparação com o clima tórrido habitual nos meses de Verão, especialmente entre Maio e finais de Setembro. Mas mesmo nesse período é importante ter em conta que as horas médias do dia podem proporcionar um calor difícil de suportar, exacerbado pelo facto de que visitar a cidade perdida dos Nabateus implica longas caminhadas pelo meio de uma paisagem deserta.

O Inverno também se apresenta como alternativa mas as manhãs e as noites são frias e há sempre a possibilidade de nevar - as chuvas ocorrem com pouca frequência. Para quem pretende escapar ao turismo em massa aconselha-se a visita às primeiras horas do dia, garantindo uma certa distância quando todos ainda se detêm a admirar o Tesouro.

Como ir

Não há voos directos entre Portugal e a Jordânia, pelo que terá, obrigatoriamente, de fazer uma escala numa cidade europeia. Utilizando como referência preços para Janeiro de 2012, a opção mais em conta é oferecida pela Turkish Airlines (595 euros), seguida da Lufthansa (630) e da Air France (708). A partir de Amã, pode recorrer ao transporte público para chegar a Petra, utilizando a moderna frota de autocarros com ar condicionado da empresa Jett. As saídas, às 6.30 da manhã, fazem-se a partir do terminal de Abdali e o bilhete custa cerca de oito euros.

Através da auto-estrada do deserto, a viagem não demora mais de três horas. O autocarro pára mesmo à entrada de Petra e regressa a Amã às 16.30 horas, um serviço ideal para quem deseja passar apenas um dia na cidade. Em alguns hotéis, mesmo os mais modestos, vale sempre a pena perguntar se há outros turistas a viajar no dia pretendido entre a capital jordana e Petra. Além de atenuar as despesas, esta última opção permite visitar alguns dos lugares mais significantes ao longo do trajecto pela estrada conhecida como o Caminho dos Reis.

Onde comer

Uma vez deixadas para trás as bilheteiras, o viajante encontra apenas dois restaurantes em Petra, o Basin (Crowne Plaza Resort), que serve álcool, e o Jaima, gerido por beduínos e com um buffet à base da comida local por apenas sete euros. Um pouco por todo o lado, há snacks à venda e é sempre possível, aqui e acolá, beber um café ou um chá. Fora do recinto, na vila de Wadi Musa, há restaurantes simples mas que oferecem comida com qualidade a preços relativamente baratos. Valerá sempre a pena experimentar o Al-Arabi, o Rum Gate, o Al-Wadi ou o Al-Afandi, todos muito próximos uns dos outros.

Em Wadi Musa há alguns supermercados que o podem ajudar a idealizar um piquenique sentado num rochedo de Petra - e, pensando nos muitos quilómetros que terá de percorrer, não se esqueça de levar água suficiente. Se preferir um serviço mais requintado, com correspondência nos sabores, tanto árabes como internacionais, o Sahtain, no Sofitel Taybet Zaman, é o local ideal para uma refeição.

Onde dormir

Para aqueles que pretendem ficar às portas da cidade, nada melhor do que eleger o Movenpick Resort Petra. O hotel dispõe de piscina e sauna, componentes importantes para relaxar depois de uma jornada extenuante a caminhar. Construído em pedra e madeira, conta ainda com dois bons restaurantes onde pode gozar as delícias da gastronomia local, um tranquilo salão de chá e uma esplanada da qual pode contemplar um assombroso entardecer sobre Petra. O preço para um quarto duplo ronda os 150 euros.

A curta distância da antiga cidade fica situado o Crowne Plaza Resort, com uma extraordinária vista das multicoloridas montanhas, uma piscina exterior, jacuzzi e um restaurante que oferece uma não menos espectacular panorâmica. As tarifas variam consoante as épocas do ano, podendo ir dos 80 aos 140 euros. Ainda entre as opções mais dispendiosas seria um crime ignorar o Sofitel Taybet Zaman, construído em pedra de acordo com os traços de uma tradicional aldeia otomana, o que lhe confere um certo ar de ruralidade. Dotado de luxuosos quartos e localizado num espaço ajardinado onde se destacam algumas figueiras, o hotel integra também um razoável número de lojas de recordações, piscina e banhos turcos. O Sofitel Taybet Zaman fica situado em Tayyibeh, aldeia que dista apenas 10 quilómetros de Petra. Um quarto duplo custa aproximadamente 150 euros. Para os menos abonados, há múltiplas opções e nenhuma delas acima dos 20 euros, desde o Valentine Inn ao Cleopetra Hotel, passando pelo Rose City Hotel.

O que fazer

Uma visita nocturna a Petra, se bem que possa induzir uma ideia demasiado turística no viajante, permite tornar ainda mais mágica a experiência vivida. O desfiladeiro e o tesouro iluminam-se ao som da música e torna-se difícil resistir aos encantos das pedras silenciosas. O espectáculo de luzes tem lugar apenas às segundas, terças e quintas e as reservas podem ser feitas nas bilheteiras. O preço de uma entrada é de 12 euros.

Estando em Petra deixe-se guiar por um beduíno através do deserto de Wadi Rum e imagine a aventura de Lawrence da Arábia por estas bandas, uma vivência tão intensa e tão exemplarmente descrita nos Sete Pilares do Conhecimento, publicado no início do século passado. O transporte público entre Wadi Musa e a pequena aldeia de Rum, a curta distância da entrada do Centro de Visitantes, é muito raro. Táxi ou carro alugado são as melhores alternativas. Depois, montado num camelo ou guiado por um todo-o-terreno, limite-se à contemplação. Para os amantes da praia, Aqaba, alguns quilómetros a sul, é o cenário perfeito, com a particularidade de, duas vezes por dia, poder apanhar um ferry-boat e rumar a Nuweiba, no Egipto.

Mas, sendo a Jordânia um país relativamente pequeno, não faltam lugares para visitar durante a sua permanência, desde as ruínas romanas de Jerash, ao Mar Morto, desde o Monte Nebo (de onde se avista a Terra Prometida) ao castelo de Karak, passando por Madaba (com os seus mosaicos históricos) e por Al-Maghtas (onde Jesus foi baptizado no Rio Jordão).

Informações

Para entrar na Jordânia necessita de um passaporte com validade de pelo menos seis meses. O visto pode ser obtido numa embaixada do país ou simplesmente no aeroporto, à chegada, por 20 euros. Um dinar jordano equivale a um euro. Entre Portugal e a Jordânia há uma diferença de duas horas. O idioma oficial é o árabe mas o inglês é falado um pouco por todo o país.

Em termos de religião, a maior parte (95 por cento) é muçulmana, existindo também uma minoria (cinco por cento) cristã, dividida entre católicos e ortodoxos. Com uma superfície de 92 300 km2, a população da Jordânia chega quase aos seis milhões, dois milhões dos quais vivem em Amã. O país contabiliza ainda cerca de dois milhões de refugiados palestinianos registados oficialmente.

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