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Petra: Era uma vez uma rosa no deserto

Por Sousa Ribeiro

O desfiladeiro parece querer engolir-nos e de repente compensar-nos pelo esforço daquela caminhada, quando surge a visão tão bela quanto enigmática do Tesouro: Petra mostra-se enfim. Duzentos anos depois da sua redescoberta por Johann Ludwig Bruckhardt, fomos à procura da sua magnificência.

O menino, com o gorro azul na cabeça e um blusão da mesma cor que o protege do frio, dá a mão ao pai e ambos se recortam contra o desfiladeiro que parece disposto a engoli-los. Juntos e como que enfeitiçados por aquelas paredes que se erguem a mais de 100 metros, cúmplices de um desejo comum de descoberta, caminham naquele silêncio matinal, naquele silêncio tão íntimo.

Eu acompanho-os com o olhar, à distância, sob um céu que vai adquirindo diferentes tonalidades na manhã prestes a despontar. Na minha imaginação pinta-se uma história que aquelas pedras, se falassem, me poderiam contar melhor do que ninguém, testemunhas que foram de aventuras desde tempos imemoriais.

- Quer um táxi com ar condicionado?

O homem, com um farto bigode, tez tisnada pelo sol, olhos negros como o carvão e um keffiyeh vermelho e branco na cabeça, vigia um camelo com um ar submisso.

Eu rejeito a oferta, oiço os meus passos tranquilos e deixo o olhar vaguear por aquele purgatório tão estreito que daí a instantes me irá levar ao céu, não ao que agora se tinge de uma certa sonolência mas a um outro, tão perfeito que parece irreal. Nas alturas, as pedras, com contornos bem definidos, eternas e inacessíveis, cheias de vontade de rasgar o firmamento, dão a sensação de se tocarem sob uma luz ainda moribunda e fazem de mim um ser frágil como um passarinho.

O Siq, como é conhecida a garganta, àquela hora ainda envolto num manto de sombra, estende-se por mais de um quilómetro e é o único acesso natural às verdadeiras jóias que durante séculos viveram afastadas dos olhares curiosos dos viajantes. Talvez padecendo do mesmo fascínio que eu, com uma expressão de êxtase no rosto, em 1812, há precisamente 200 anos, este caminho cheio de pedregulhos nus e com pequenas nuvens de poeira tocadas por um fio de vento foi percorrido por Johann Ludwig Burckhardt, que se tornou no primeiro europeu a poder entrar em Petra.

O jovem explorador suíço, convertido ao islamismo, havia ouvido rumores, durante a viagem entre Damasco, na Síria, e o Cairo, no Egipto, sobre uma fabulosa cidade abandonada à sua sorte há séculos no coração do deserto. Mas Johann Ludwig Burckhardt sabia também, de tanto escutar os nativos, que as fantásticas ruínas, camufladas algures nas montanhas de Wadi Musa, estavam vedadas aos estranhos.

Os beduínos que habitavam naquela zona acreditavam que a cidade escondia enormes tesouros e não permitiam a aproximação de ninguém, com receio, por um lado, de ficarem desprovidos dessas riquezas e, por outro, de verem o seu modo de vida afectado pela presença de estrangeiros.

A luz, agora menos mortiça, começa a iluminar o desfiladeiro. Pai e filho seguem de mão dada à minha frente e ao meu ouvido apenas chegam vozes indistintas.

Durante anos, Johann Ludwig Burckhardt, nascido em Lausanne, preparou a sua viagem tão a sério que foi aprendendo a língua e os costumes das gentes desse território inexpugnável e misterioso. Como um qualquer mercador sírio, na pele do Sheikh Ibrahim Bin Abdullah, trajando a rigor e pondo em risco a sua própria vida, o explorador logrou chegar à cidade proibida utilizando o argumento de que pretendia cumprir uma promessa no santuário de Aarão, no monte com o mesmo nome. Acompanhado de um guia e sem gerar qualquer desconfiança, o suíço, revelando grande astúcia, conseguiu convencer o homem a conduzi-lo por um desvio através dos vales e das rochas do deserto de Musa.

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