Fugas - Viagens

Vamos desenhar Bolonha (com neve)

Por Rita Pimenta (texto), Bernardo Carvalho (vídeo e ilustrações)

Neve e ruas quase desertas foi o que o ilustrador português Bernardo Carvalho encontrou em Bolonha no início de Fevereiro. De nariz no ar, esperou que as pessoas saíssem à rua para as fixar na sua cidade de papel. E fez um livro para a Feira Internacional do Livro Infantil.
Durante uma semana, o ilustrador Bernardo Carvalho andou por Bolonha de caderno e lápis na mão. Objectivo: desenhar a cidade a preto e branco. As cores? As crianças iriam escolhê-las mais tarde, quando recebessem o livro de 16 páginas. Gratuito. Um projecto da associação cultural italiana Hamelin, integrado na Feira Internacional do Livro Infantil e que se chama Bologna a Testa in Su.
 
No início de Fevereiro, Bernardo Carvalho passeou então "de cabeça no ar" ou, numa tradução mais livre, "de nariz no ar" pelas ruas de Bolonha, para assim captar a atmosfera da cidade. E reproduzi-la no papel.

"Apanhei um nevão fantástico, nunca me tinha acontecido", conta entusiasmado à Fugas, no aeroporto de Bolonha, no dia em que se inaugurava a feira (19 de Março) que tinha Portugal como país convidado.

O estado do tempo acabaria por condicionar o processo criativo do ilustrador: "Durante o dia estava uma temperatura de dez graus negativos. Foi aquela semana de um gelo incrível na Europa. Não havia um sítio para encostar nem sentar, estava tudo molhado ou cheio de neve. Não conseguia desenhar na rua. Acabava por ir para casa e desenhar de memória." No entanto, conseguiu capitalizar a intempérie, "os bonecos agasalhados até ficaram mais engraçados, foi muito giro".

O mau tempo não surpreendeu apenas o ilustrador, mas também os habitantes da cidade. "As ruas estavam quase desertas. Não havia aulas, ninguém ia trabalhar. As pessoas andavam nas ruas a organizarem-se em grupos para abrir caminho pela neve. Não é uma cidade habituada àquele tipo de nevões. Via-se as pessoas com pás, mas eram todas novinhas em folha. Para elas, também foi uma semana completamente diferente do habitual."

A cidade são as pessoas
À falta de gente, o ilustrador ainda chegou a pensar em desenhar animais pelas ruas, mas depressa abandonou a ideia. A sua maior preocupação foi a escala, numa cidade em que a monumentalidade arquitectónica pode esmagar tudo à volta: "Quando se tenta retratar os edifícios, são tão grandes que tudo o resto fica mínimo." Além disso, não lhe interessava o rigor, "não queria pôr a janela no sítio certo, com o pormenor tal no lugar tal...", explica o fundador do Planeta Tangerina, editora que nasceu de um grupo de amigos que estudaram juntos na Faculdade de Belas-Artes da Universidade de Lisboa.

Assim que Bernardo Carvalho chegou a Bolonha, mostraram-lhe os primeiros dois livros do projecto Bologna a Testa in Su, assinados por Joelle Jolivet (França) e Kitty Crowther (Bélgica). Seria com esta última que iria partilhar a exposição na Hamelin no dia 20 de Março, já que no ano anterior os trabalhos da ilustradora ficaram retidos na alfândega durante dois meses, impossibilitando a inauguração no período da feira de 2011.

Depois, como os responsáveis da Hamelin andavam ocupados com um festival de BD e comics, deixaram-no "completamente à vontade, sozinho pela cidade", recorda o ilustrador. "Disseram-me: ‘Anda por onde quiseres e faz o que quiseres.' Foi óptimo, não me incomodaram nada. Zero."

Foi então que começou "a desenhar uns trajectos", mas "não queria fazer uma coisa turística". Ainda pensou em reproduzir percursos de camioneta, mas pareceu-lhe "um bocado ‘seca' para os miúdos".

Mais do que os edifícios, a cidade, para Bernardo Carvalho, "são as pessoas que lá vivem". Diz ter encontrado " imensas personagens engraçadas a andar naquelas ruas" e por isso quis criar aquilo a que chama "uma mini-história". Acabou por imaginar "uma série de personagens e arranjar uma ideia que as interligasse no final". Assim, o livro "vive mais à volta das personagens do que da paisagem em si".

Pretendeu que "cada sítio fosse reconhecível pelas pessoas de Bolonha, mas que estas surgissem em primeiro plano". Acredita que "há três ou quatro géneros clássicos de pessoas daquela cidade".

"São pessoas à toa, não têm ligação nenhuma. Só na última página é que se encontram todas para beber um copo, ou qualquer coisa assim. Uma história muito simples", explica o ilustrador, já em Lisboa. Os trabalhos finais escolhidos "foram já uma terceira ou quarta vaga de desenhos".

Livrarias e restaurantes

O ilustrador gosta muito de Bolonha, mas não queria viver lá: "Faz-me um bocado de confusão por ser assim numa planície com muito calor no Verão e muito frio no Inverno. Mas é um sítio incrível."

Bernardo Carvalho, 39 anos, tem dificuldade em avaliar o seu próprio trabalho, por isso, quando se lhe pergunta se está satisfeito com o resultado do livro, responde que sim, mas com pouca convicção: "Está fixe. Raramente sei dizer se gosto das coisas que faço. Andas à volta daquilo, fazes e depois estás farto."

Nunca perdeu de vista o público-alvo da iniciativa, as crianças: "Inicialmente, segui um certo estilo que até me agradou, mas achei que não tinha interesse para os miúdos. E quis fazer uma coisa mais gira. Se calhar perdi uma oportunidade de criar algo mais artístico. Mas assim está bem. Acho que estou contente."

Muitos cadernos, desenhos e esquissos que não entraram no livro puderam ser vistos na inauguração da exposição de originais na sede da Hamelin (Via Zamboni), assim como um filme que o ilustrador realizou durante o período de pesquisa. Aí, são bem visíveis os efeitos do nevão de inícios de Fevereiro. E não era possível desenhar o branco.

De entre os lugares preferidos de Bernardo Carvalho na cidade de Bolonha, destacam-se as livrarias, mas também os restaurantes. Um deles, o Osteria dell' Orsa, "foi o quartel-general" da suaminha estadia na cidadeaqui", conta. Situado na Via Mentana, perto do bairro universitário, tem mesas corridas de madeira, público animado e refeições baratas.

Foi aí que, durante o jantar na véspera do regresso a Portugal, o ilustrador elogiou "o pessoal da Hamelin", considerando-o "cinco estrelas", palavras ditas enquanto ia desenhando no toalhete da mesa que partilhou com a Fugas, a Orfeu Negro, a Planeta Tangerina, a Lusa e os blogues Bicho dos Livros, Jardim Assombrado e Palácio da Lua. Mais tarde, diria: "Fiquei muito contente por me terem convidado, mas ainda nem sei bem por que é que fui eu."

5 sítios preferidos de Bolonha

1. Osteria del Sole (entre a Via degli Orefici e a Via Pescherie Vecchie)

É uma espécie de restaurante, mas são os clientes que levam a comida. O estabelecimento só dá de beber. E nada de pedir "suminhos" porque eles ficam ofendidos. É gerido há várias gerações pela mesma família, tem fotografias, pinturas e desenhos lindos nas paredes. Há um bom ambiente e vive-se uma espécie de piquenique gigante dentro de casa.

2. Bertinni

É mesmo um restaurante, também gerido por uma família clássica e pelo próprio senhorr. Bertinni, que ainda anda por lá, já com "uns 100 anos", agora sempre sentado num cantinho a tomar conta do negócio. Dantes, era ele que passeava entre as mesas, com um carrinho cheio de carnes, ora assadas ora cozidas, mas com acompanhamentos maravilhosos.

3. Livraria e bar Modo IOosDOdo infoshop (Via Mascarella, 24)

Só altos livros ilustrados e não só, com espaço para conversas entre as prateleiras e de copo na mão, visto a porta ao lado ser o bar da livraria. É dos poucos sítios que dão para ouvir música de jeito e beber umas "birras a la spina" sem ser no meio de 200 putos universitários excitados. Na porta ainda mais ao lado, temos o Lortica, o segundo bar mais fixe da cidade.

4. Squadro stamperia galleria d'arte

Galeria e estúdio de serigrafia, tudo misturado. Podemos observar uma exposição enquanto os artistas estão a trabalhar e a imprimir os trabalhos no meio da sala.

5. As ruas de Bolonha

Lojas e montras cheias de presuntos, massas, queijos e vinhos. Só apetece mergulhar de cabeça lá para o meio.
 
 
Guia Prático

Como ir
A Ryanair voa do Porto para Bolonha com preços que podem rondar os 20€ por trajecto. De Lisboa, há voos da TAP por cerca de 100€ por trajecto.

Onde Ficar
A oferta de hotéis em Bolonha é vastíssima e é fácil encontrar alojamento a preços muito variados, desde hostels a unidades mais caras. A Fugas recomenda aqueles que conhece. No caso, o Hotel Metropolitan (três estrelas). Está muito bem localizado, a uns cinco minutos a pé da Piazza Maggiore, e oferece quartos cómodos e espaçosos. Tem também disponíveis alguns apartamentos e um pequeno-almoço mais do que aceitável para um três estrelas. Preços por duplo a partir de 120€.

Hotel Metropolitan 
Via dell' Orso, 6 
Tel.: +39 051 229393 
booking@hotelmetropolitan.com 
www.hotelmetropolitan.com

Onde comer
Não é à toa que chamam a Bolonha La Grassa. A gastronomia é notável e não faltam, por isso, bons lugares onde experimentá-la. Ficam apenas algumas sugestões.

Eataly- Librerie Ambasciatori 
É um corner of specialities instalado numa livraria, por sua vez instalada numa antiga sala de cinema. Ideal para refeições ligeiras ou para um aperitivo ao fim do dia. Livros e comida convivem (e combinam) bem. Uma tábua de queijos e enchidos, com vinho a acompanhar, pode ficar por cerca de 15€.

Via degli Orefici, 19 
Tel.: +39 051 0952820 
www.eataly.it

Ristorante Biagi - Osteria della Lanterna 
A mortadela é maravilhosa, os tortelinni muito saborosos - e pode contar sempre com uma surpresa do chef. 
 
Via Savenella 9 
Tel.: +39 051 4070049 
www.ristorantebiagi.it

Cantina Bentivoglio 
É um restaurante gigantesco e em muitas noites tem música ao vivo - jazz, sobretudo. A comida é agradável. Contar com 40€.

Via Mascarella, 4 
Tel.: +39 051 265416 
www.cantinabentivoglio.it

Sette Tavoli 
Refeições a rondar os 30€.
Via Cartoleria, 15 
Tel.: +39 051 27 2900

Ristorante da Cesari 
Uma frase curta pode resumir o Cesari: é tudo bom. Desde a comida até ao vinho, passando ainda pelas sobremesas. Uma refeição com tudo a que temos direito pode sair por 60€, mas há a garantia de qualidade.

Via de Carbonesi, 8 
Tel.: +39 051 237710 
www.da-cesari.it
--%>