Uma metade montanhosa, coroada por um vulcão e coberta de florestas tropicais. Outra metade mais plana e agrícola, bordada por estâncias turísticas. Uma grande cidade a crescer entre as duas metades. A descrição ajusta-se à Martinica, mas curiosamente também a Guadalupe, o segundo maior território das Antilhas Francesas. Para baralhar mais as coisas, a lista de nomes dos lugares é quase decalcada de uma ilha para a outra. Quer dizer que das cidades às praias, passando pelos rios, as designações são na maior parte iguais, mas distribuídas por outras latitudes nesses dois territórios insulares.
A grande diferença é que em Guadalupe a metade mais plana fica a norte e a montanha com o vulcão a sul, enquanto na Martinica se passa precisamente o inverso. Quando se transita de uma para a outra ilha, entre si separadas por 320 quilómetros e quatro horas de mar, é então bastante provável que a primeira impressão seja essa mistura esquisita de familiaridade e estranheza que se reconhece como déjà vu. Tudo se passa como se desembarcássemos no mesmo porto onde horas antes embarcámos, mas entretanto os sítios tivessem trocado de nomes e de lugares.
Depressa, no entanto, se começam a apurar as verdadeiras diferenças. Logo do ponto de vista topográfico, uma vez que a cintura de Guadalupe é muito mais estreita, ao ponto de nela se distinguirem duas ilhas, a Grande-Terre e Basse-Terre, separadas pela Rivière Salé, no estuário da qual cresceu a capital Pointe-à-Pitre. Também não demora muito a perceber que Guadalupe é mais negra e mulata (80% dos 450 mil habitantes descendem de escravos), menos francesa (só 5% de brancos, o resto veio sobretudo das Índias Orientais), e menos desenvolvida que a Martinica, no sentido europeu e urbano da expressão.
A relação de Guadalupe com a metrópole sempre foi mais distante e conflituosa, desde os tempos da Revolução Francesa, localmente aproveitada para declarar caça aos fazendeiros, até aos movimentos pró-independência nos anos 1960 e à greve de 44 dias decretada em 2009 em protesto contra a carestia da vida. Diz-se hoje ainda que os da Martinica são mais hospitaleiros (com os turistas franceses), mas isso são clichés que valem o que valem. A grande questão para os curiosos será de outra ordem.
Entre a Martinica e Guadalupe qual das duas escolher como destino de férias? Ou valerá a pena comprar um pacote que concilie as duas? Voltamos ao princípio: as duas ilhas são aparentadas, quase gémeas em muitos aspectos. Ambas são genericamente formosas, versáteis e prazenteiras. É verdade, porém, que a Martinica é mais europeia, enquanto Guadalupe tem praias (ainda) mais bonitas e um património natural mais exuberante. Uma coisa é certa: nesta segunda ilha os sítios onde vale realmente a pena perder tempo estão quase todos na Basse-Terre.
A caminho do vulcão
Junto à costa e nas planícies da metade sul da ilha dominam as pastagens e as grandes plantações (café e cana-de-açúcar), substituídas por bananeiras e outras árvores de fruto nos morros que crescem para o interior. As terras de cultivo passam a rarear à medida que se avança para o miolo da Basse-Terre, dando lugar a extensas manchas de floresta tropical, que cobre quase por completo os quatro maciços com mais de mil metros, alinhadas na ponta meridional da ilha. Há uma estrada larga (por vezes com duas faixas para cada lado) que circunda todo o litoral, mas para o interior as línguas de asfalto tornam-se mais exíguas e tortuosas, acabando algures a meio das ladeiras, onde deixa de haver casas.
A única excepção, ou seja, a única estrada que atravessa a Basse-Terre no sentido este-oeste, chama-se justamente Route de La Traversée (D23). Percorrê-la é programa mínimo obrigatório para todo o turista em Guadalupe, sobretudo para aqueles que querem dizer "Eu estive lá!" sem se meterem em grandes aventuras. A estrada, que os locais também designam de Route des Mamelles, são 30 quilómetros sinuosamente recortados numa mancha de floresta tropical protegida, com um generoso punhado de desvios pelo meio. O mais popular é a Cascade Aux Écrevisses, uma pequena queda de água que se precipita num lago, perfeitamente recomendado para banhos. Convidativos são também os trilhos sinalizados que se embrenham no mato a partir da vizinha Casa da Floresta.
A Route de La Traversée e a Cascade Aux Écrevisses são muito agradáveis, mas acabam por ser diversões ligeiras se comparadas com a experiência forçosamente mais radical de subir o Soufrière. Elevando-se a 1467 metros, é o ponto mais elevado da Basse-Terre e, na verdade das Pequenas Antilhas. Como vulcão é relativamente jovem e mantém-se activo (erupções em Julho de 1976 e Março de 77). Alcança-se em duas horas de trilho de exigência moderada (a partir do estacionamento de Bains-Jaunes), atravessando uma paisagem que começa por ser de floresta tropical cerrada e depois, em geral acima das nuvens, exibe uma vegetação mais rara e escassa. Actualmente, e por razões de segurança, não se pode percorrer o caminho em volta da caldeira.
Uma excelente alternativa consiste em rumar às Cascatas do Carbet (a partir de Saint-Sauveur). São três quedas de água que se elevam a 20, 110 e 115 metros de altura no meio da floresta, uma visão espectacular sobretudo em dias de céu limpo, quando contracenam triunfalmente com a chaminé do vulcão. A segunda queda é a mais impressionante e alcança-se em vinte minutos de caminhada pelo meio da floresta com algumas pontes sobre cursos de água pelo meio. O acesso à plataforma da cascata está infelizmente interditado, devido aos deslizamentos de terra, mas pode-se sempre saltar a cancela e chegar mais perto quando ninguém estiver a ver.
Uma nota de rodapé sobre as "cidades do vulcão": Basse-Terre, a antiga capital colonial, e a vizinha Saint-Claude não serão cidades monumentais, mas têm centros urbanos castiços, onde se passa bem um par de horas sem se dar por isso, até porque a recepção costuma ser calorosa.
Tesouros submarinos
Guadalupe é um dos destinos de mergulho mais famosos da Antilhas. Os seus fundos marinhos são, porém, uma maravilha ameaçada, justificando que os ambientes mais sensíveis estejam hoje classificados como áreas protegidas. Admitem visitantes, ou seja, mergulhadores, mas a pesca submarina e outras actividades susceptíveis de interferir com os referidos ecossistemas são estreitamente proibidas.
Deste colar de delícias submarinas as mais populares são, sem dúvida, as ilhas Pigeon, que ficam um quilómetro ao largo da praia de Malendure, na costa ocidental da Basse-Terre. São mais conhecidas como Reserva Cousteau, designação apelativa, sem dúvida, mas também bastante equívoca. Tudo o que Jacques Cousteau tem a ver com o assunto é ter comentado, algures nos anos 1960, que "as ilhas Pigeon são um dos dez melhores sítios de mergulho do mundo". Na verdade, nem sequer é uma reserva, mas um parque submarino de 400 hectares, o primeiro declarado em França. Agora recebe 80 mil visitantes em média por ano - o que, apesar do caderno de boas práticas, acaba por ser uma pressão excessiva para um paraíso aquático, onde crescem corais, esponjas, lagostas, tartarugas e um batalhão de peixes de espécies diferentes.
Menos célebre, mas nem por isso menos preciosa, é a reserva natural do Grand Cul-de-Sac. São 15 mil hectares de uma laguna que se estende desde o Vieux-Bourg na Grand-Terre a Sainte-Rose, na Basse Terre. Nela se sucedem vários ecossistemas, desde a barreira de coral ao mangal, passando por zonas pantanosas e planícies húmidas, habitadas pela profusa fauna marinha correspondente. De assinalar ainda os ilhéus inabitados da Petite Terre, que serve de morada a 10 mil iguanas. O acesso é difícil, o número de visitantes diários é limitado e não se pode lá pernoitar.
As ilhas da ilha
O sítio mais internacional de Guadalupe não fica na ilha principal, mas em Les Saintes. Ou melhor, na Terre-de-Haut, uma das duas ilhas habitadas (a outra é Terre-de-Bas), deste pequeno arquipélago de oito escaninhos de terra, ao sul da Basse-Terre. Abençoada com uma das baías mais bonitas do mundo, onde o mar turquesa contracena com uma fiada de casinhas coloniais de todas as cores, a Terre-de-Haut é o verdadeiro postal turístico das Antilhas. O género de local onde os ricos e famosos gostam de atracar os iates de luxo, mas também (e pelas mesmas razões) onde o "povo" dos cruzeiros desembarca a toda a hora.
Já Marie Galante é bem menos glamourosa. Fica 25 quilómetros a sudeste da ilha principal e tem uma superfície de 158 km2, o que faz dela a maior das ilhas-satélite de Guadalupe. Votada à exploração agrícola desde os primórdios da colonização, hoje ainda é um pedaço de terra insular pouco turística, onde a maior parte vive do cultivo da cana-de-açúcar, que continua a ser cortada à mão. Os clichés de Marie Galante rezam, assim, coisas como "A Guadalupe há 50 anos" e "O melhor rum das Antilhas Francesas", mas as suas praias longas e pouco frequentadas não são menos dignas de louvor.
Les Saintes terá as praias mais cosmopolitas, Marie Galante as mais selvagens, mas o que também não falta na ilha principal são praias fantásticas. Na costa sul da Grande-Terre sucedem-se os areais de brancura imaculada e águas tépidas, bordadas de estâncias e divertimentos turísticos. Pequenas conchas de areia, fustigadas pelo mar revolto, marcam o acidentado litoral nas pontas norte e leste da ilha, onde se vai mais para passear ou praticar surf. Já na Basse-Terre os areais tendem a ser mais cinzentos ou mesmo negros, de origem vulcânica, mas a moldura dos morros e da floresta tropical que os cobre, assim como a escassa frequentação de boa parte das suas praias, não as torna menos atractivas.
Guia prático
Como ir
A Air France liga Lisboa a Point-A-Pitre quatro vezes por semana para lá, dez vezes por semana para cá, sempre com escala em Paris, para lá com passagem pelo aeroporto Charles-De-Gaulle, para cá também por Orly. O bilhete de ida e volta em económica custa 1064€, em classe Premium (mais 40% de espaço em relação ao assento de económica) são 1837€ e em executiva (poltrona de 2m por 61cm, sistema de divertimento on demand) são 3242€, sempre com taxas incluídas. Mais detalhes sobre horários e tarifas em www.airfrance.pt, ou através da central de reservas 707202800.
Onde ficar
Club Med La Caravelle
Construído em 1973, o Med de Guadalupe fica em Grande-Terre, à beira de uma belíssima praia, a cerca de 20 quilómetros da capital. Feito a pensar em famílias com crianças pequenas, exibe inesperadas ousadias na arquitectura, nomeadamente na sinuosa pala em betão à vista que cobre as áreas comuns, a lembrar as famosas curvas de Oscar Niemeyer. As estadias de sete dias (sem transporte) para adulto começam nos 930€ na época baixa e nos 1290€ na época alta. As crianças até aos quatro anos não pagam, excepto as de 2 a 4 na época alta, que pagam 323€. Mais informações em www.clubmed.com. Reservas: Agência Club Med, Rua Andrade Corvo, 38, Lisboa. Tel.: 213309696.
A Fugas viajou a convite da Air France e do Club Med