Quem o diz é Michel Mélin, dramaturgo nascido há meio século na mesma cidade de Rimbaud, que hoje ainda declama regularmente os seus poemas em palco. Estamos frente ao Meuse, no número 5 do Cais da Madalena, onde a mãe Rimbaud e os quatro filhos (o pai militar só ia a casa para procriar) viveram entre 1869 e 1875. Mélin e a sua companhia chegaram a animar a antiga casa de família, nos anos 1990, mas esta acabou por ser adquirida pela edilidade e reaberta ao público em 2004, por ocasião das celebrações dos 150 anos de nascimento do poeta.
Chama-se agora La Maison des Ailleurs e é o sítio que provavelmente oferece uma experiência de maior proximidade ao espírito de Rimbaud. Talvez porque se encontra vazia, essa casa onde ele escreveu os primeiros poemas e da qual ensaiou as suas primeiras fugas para Paris. Quer dizer que não há mobília, nem nenhuma espécie de reconstituição de época, nada mais que paredes, escadas e um ou outro fragmento de papel de parede, livres para receberem obras audiovisuais de autores actuais, chamados a improvisarem sobre a vida e a obra do antigo locatário.
As instalações que ocupam La Maison des Ailleurs colocam o acento nas viagens e nos lugares marcados pela presença do poeta, tema também explorado pelos "buracos no espaço", ou "placas comemorativas nova geração", disseminadas pelos sítios Rimbaud de Charleville. São, mais prosaicamente, ecrãs planos munidos de colunas, captores de som e de imagem, encaixados em molduras de bronze com a silhueta do poeta, destinados a fomentar a comunicação entre estranhos que se encontrem à sua frente em Charleville e em várias cidades do mundo Rimbaud, onde foram disseminados os seus duplos. Uma ideia brilhante, sem dúvida; infelizmente só um desses "buracos do espaço" está a funcionar, ligando o pátio da Maison des Ailleurs com o do museu da cidade, a meia dúzia de quarteirões dali.
A antiga casa da família Rimbaud fica por sua vez a dois passos de um antigo moinho sobre o Meuse, edifício monumental edificado por ocasião da fundação da cidade, em 1627. Acolhe desde 1969 o Museu Rimbaud, uma colecção de memorabilia de objectos pessoais do poeta à mistura com manuscritos e sobretudo facsimiles dos seus originais, expostos em vitrinas antiquadas e arranjos pouco atraentes - o que justiça plenamente as já anunciadas obras de remodelação. A articulação entre o museu e a casa de família é, entretanto, assegurada por uma colecção de dezoito cadeiras-poema com versos de Rimbaud gravados no inox, uma obra singela mas efectiva da autoria do escultor canadiano Michel Goulet (2011).
Há depois um "Percurso Rimbaud" em Charleville que vai da casa em que nasceu ao cemitério em que foi sepultado, passando pelo liceu que frequentou, o café e a praça da gare. São lugares iguais aos de qualquer outra cidade de província francesa, onde, porém, a memória de Rimbaud ganha inesperadas conotações: a caixa do correio em que os fãs depositam correspondência para o poeta, à entrada do cemitério, dir-se-ia saída de um manual de propaganda maoista, as pinturas murais ali ao lado têm mais a ver com Bowie na fase Ziggy Stardust, o seu busto no jardim da gare é quase uma réplica de Tintim.