Se a memória de Rimbaud remete assim para uma mão cheia de destinos à volta do globo, já quando se fala de Charleville todas as conversas convergem para ele. A cidade, e na verdade todo o departamento já encostado à Bélgica, entrou no mapa do turismo de França exclusivamente ou quase pelo magnetismo do seu filho mais célebre. Uma atracção que deriva de uma curta carreira poética - menos de 250 páginas escritas entre os 15 e os 19 anos de idade, consagradas como invenção de "uma nova linguagem". Tanto ou mais que a escrita, no entanto, ou o culto, se alimenta dos seus 37 anos de "existência poética", com especial realce para o romance tumultuoso com Verlaine entre Paris, Londres e Bruxelas, e a posterior vida de errância, em particular o episódio de tráfico de armas na Etiópia.
A (única) imagem de Rimbaud que ficou para a posteridade é de um jovem fotogénico, sonhador e principalmente rebelde - cem anos antes de a rebeldia se converter num fenómeno juvenil à escala planetária. Hoje, provavelmente, seria cantor numa banda rock alternativa, artista de rua ou pirata informático. Na época, no entanto, a poesia representava a forma suprema de ser do contra. Sobretudo uma poesia como a de Rimbaud, abismática e visceral, feita de imagens contorcidas e febris, feitas para minar o conformismo e até produzir vertigens. Por isso se tornou numa figura de culto na França do Maio de 1968 e um ícone da contracultura universal - Patti Smith chamou-lhe "o primeiro punk rocker".
Coube ao député-maire André Lebon - o mesmo que fundiu administrativamente Charleville com a vizinha medieval de Mézieres - perceber o potencial turístico da lenda rebelde. Desde a abertura do museu dedicado ao poeta, em 1969, a capital das Ardenas viu nascer uma associação cultural, uma livraria, um restaurante, um centro de terapia, um Lion's Club, uma trufa de chocolate e até uma corrida pedestre em memória do "Homem de Solas de Vento". Todas as efemérides são desde então aproveitadas pela edilidade para multiplicar os lugares da memória e fazer crescer o circuito Rimbaud, mais recentemente ampliado até às cercanias, incluindo a aldeia de Roche, da qual era originária a sua família materna.
O instinto da fuga
"Charleville para Rimbaud era um porto do qual partia ciclicamente. O mais importante para ele era o Meuse - o rio impassível do qual fala no famoso Bateau Ivre. Era o sítio mais vivo da cidade, porque era aí que estava o comércio, os tintureiros, as lavadeiras, as primeiras indústrias (uma fábrica de armas mesmo ao lado), e em simultâneo o cinzento, que está em todo o lado. Este cinzento que acentua todas as outras cores - porque todas as cores que Rimbaud tinha na cabeça, todas as suas invenções de desconhecidos, são ampliadas pelo cinzento reinante em Charleville. Ele sente-se sufocar e escreve mesmo numa carta: ‘Sinto-me decompor no cinzento'".