Tanto que trocou a engenharia em Portugal pelo surf e pela organização de viagens pelas paradisíacas ilhas da Sumatra. Agora, não há português que conheça melhor os caminhos até às melhores ondas e ao mais profundo da Indonésia, incluindo até à tribo dos Mentawai, única no mundo.
Gonçalo Ruivo já costumava organizar viagens entre amigos para fazer surf na Indonésia. Mas depois começou também a ser contactado por amigos de amigos… Por fim, em 2009, aos 45 anos, decidiu-se a fazer das férias um negócio. Pós fim a um trabalho de quase duas décadas como engenheiro em Portugal e mudou-se para Padang, porta para as ilhas a sul da Sumatra, na Indonésia, dedicando-se a organizar viagens.
Agora, trabalha cerca de oito meses por ano, porque de Novembro a Março não há boas ondas na zona e as viagens que organiza são sobretudo para surfistas, ainda que muitas vezes receba outros turistas para itinerários que dependem sempre de cada grupo.
O sul da Sumatra, que abrange arquipélagos com centenas de ilhas – na maioria desabitadas -, é a região indonésia com “maior concentração de ondas muito famosas”. E é uma zona sem vento, algo “muito importante para a qualidade do surf”, explica. No entanto, um surfista precisa de cerca de dois anos de prática da actividade para poder sentir-se realmente “à vontade” nestas majestosas ondas, refere.
Desde os 11 anos que Gonçalo faz surf e foi muito cedo que começou a ler sobre a prática deste desporto na Indonésia, um destino “de sonho para todos os surfistas portugueses que durante 25 anos estiveram impedidos” de entrar no país devido ao corte de relações diplomáticas após a invasão de Timor-Leste. Gonçalo foi um dos primeiros surfistas portugueses a viajar para o país, em 2000, porque, como advoga, “é o melhor país do mundo para fazer surf”.
Descontente com o “Carnaval” em que Bali se tornou, com milhares de surfistas, cedo tomou outro rumo, procurando as “ondas remotas” e só acessíveis a partir de barco. E assim chegaria às ondas da tribo Mentawai.
Os índios que querem ter dentes de tubarões
Nos primeiros anos na Indonésia, depois de uma viagem “engraçada” com “pescadores que nunca tinham visto surf”, organizou, em 2002, um percurso de canoa com outros amigos que acabou por durar um mês. “Uma das viagens da minha vida, foi fabuloso”, recorda.
Durante essa viagem, tiveram contacto com a “comunidade dos índios Mentawai, que é única no mundo” e que vive no meio da selva, num sítio sem estradas e de difícil acesso. Estima-se que este povo seja constituído por cerca de 64 mil indivíduos.
“Eles vivem totalmente isolados da civilização, como viviam há mil anos. Caçam com arcos e flechas, pescam com camaroeiros no rio, andam praticamente nus, só com uma casca de árvore amaciada no rio à volta da cintura, tatuam o corpo de alto a baixo e são super amistosos e pacíficos”, descreve. As mulheres costumam afiar os dentes por questões estéticas, procurando a forma dos dentes dos tubarões.
São conhecidos por uma forte religiosidade: acreditam que humanos, animais, plantas, nuvens têm alma; e que tudo o que é retirado da Natureza, a ela deve ser devolvido. Além disso, é comum terem porcos, cães, macacos e galinhas como animais de estimação.
E, afiança, “gostam de receber turistas”. Até porque, normalmente, isso significa “cigarros, alguma comida e dinheiro”. Ainda assim, não recebem muitos visitantes. Gonçalo acrescenta que são comparáveis aos indígenas da Nova Guiné e da Amazónia e também “estarão condenados a desaparecer”...
Por aqui, “há praias paradisíacas com areia branca, água azul-turquesa quente, recifes de coral cheios de peixinhos às cores, coqueiros até à beira-mar. É um cenário idílico. E não há ninguém. Não há carros, estradas, barulho ou poluição”, descreve. As ilhas são muito ricas em flora e fauna, com espécies únicas, caso de alguns primatas.
Nas ilhas do sul da Sumatra, para além dos Mentawai, existem várias vilas que, apesar da pobeza em que vivem, são um sinal, isso sim, de riqueza social. "As pessoas são de uma afinidade sem palavras. Sais do barco e vêm todas ter contigo e dizem: 'Hello mister, hello mister'. As crianças dão-te a mão, pedem-te para tirar fotografias e toda a gente sorri para ti e vem perguntar de onde és. É uma festa", relembra, vincando que nunca foi “tão bem recebido”.
Muitas destas comunidades, embora mais rendidas à ocidentalização do que o povo Mentawai, vivem “em casas construídas em estacas sobre a água”, com as traseiras viradas para o mar, sendo que as casas-de-banho são apenas uma pequena cabana com um buraco no chão.
Quanto o percurso passa pelas Mentawai, Gonçalo propõe ainda mostrar o trabalho de “A Liquid Future”, uma organização sem fins lucrativos que auxilia crianças desfavorecidas na zona. Em Novembro, o surfista entregou a esta entidade um cheque de 1270 euros, resultado de donativos de portugueses após o tsumani que, em Outubro de 2010, atingiu aquela zona do globo.
A região é também aconselhado para o mergulho e para a pesca. Nas viagens que organiza, Gonçalo chega a apanhar peixes de 20 quilos. “Está tudo na conversa e de repente sentes o barco a parar e vai tudo a correr porque há peixe”, conta.
E quanto a custos? Este tipo de viagens, que costumam demorar dez dias, orçam em cerca de 1700 euros – a que acresce o preço do transporte aéreo até Padang (a partir de Portugal ronda os 800 a 1000 euros).
Há sempre mais Indonésia
Detentor de um longo currículo de viajante, Gonçalo mantém, ainda assim, todo o seu deslumbramento pela Indonésia, como se aqui tivesse acabado de chegar. Não são poucas as vezes que, após terminada a entrevista, pede para ligar novamente o gravador, porque ainda há tanto a dizer sobre este país.
É o próprio surfista-viajante que destaca que, entre as 17.000 ilhas que compõem o país, não faltam pequenos e grandes paraísos por descobrir: florestas de uma riqueza equiparável à Amazónia, os “mais ricos” recifes de coral de todo o mundo, um mundo de elefantes, rinocerontes, tigres, panteras, ursos, orangotangos e muitos outros símios.
É também aqui que fica o maior lago vulcânico do mundo, o Toba, ou o maior templo budista alguma vez construído, o Borobudur.
Mas, como o turismo ainda é incipiente por estes lados, muito do que existe para visitar requer um verdadeiro espírito de aventura. Ainda assim, para os que estiverem decididos a aventurar-se, o saldo final da viagem pode ser muito lucrativo. E em vários sentidos. É que com “30 euros, uma pessoa mete-se num avião para qualquer lado”, diz Gonçalo. Por enquanto, afiança, resumindo a sua experiência, "é baratíssimo fazer turismo na Indonésia".
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Gonçalo Ruivo, Sumatra Surf Trip: Site | Facebook