Para tal, tiveram de percorrer 40 mil quilómetros (o equivalente ao perímetro do equador), 29 mil dos quais a pedalar, sempre no mesmo sentido e cruzar dois antípodas (escolheram Madrid e Auckland na Nova Zelândia) antes de regressarem à meta em Berlim. O objetivo inicial era fazê-lo em 100 dias. Acabaram em 105. Pelo caminho, a mesma bicicleta amarela, muitos veículos de apoio alugados, dormidas onde perdiam as forças, em tendas junto ao carro, hostels ou na polícia local.
“Foi um recorde muito amador”, confessa-nos Pedro uns dias depois de regressar da odisseia. “Não tínhamos muita preparação, fomos aprendendo à medida que íamos andando” e “tivemos de improvisar muito em cima do acontecimento”. “Acho que é o que torna esta viagem ainda mais incrível, tivemos sempre a sorte do nosso lado”. Mas não se livraram de alguns sustos.
Para ganharem tempo ao relógio e sempre que as pernas deixavam, seguiam até às 22h/23h. O México não foi excepção. No entanto, numa dessas noites – “escuridão total e só nós na estrada” – apareceram dois homens com lanternas, armas e caras tapadas com lenços, a fazer sinal para pararem. “O Thomas percebeu logo que não podia ser coisa boa, vira-se para trás e começa a gritar: «Vão, Vão! Não parem!»”. Mas Robert, que ia a conduzir o carro de apoio, começou a abrandar, “sem reacção”.
“Como entretanto o carro ia já muito devagarinho, eles acharam que nós íamos realmente parar e tivemos sorte, porque ele entretanto desperta e carrega no acelerador e os tipos ficaram espantados, um deles estava já com a arma junto ao vidro do condutor”, conta Pedro, lembrando-se que nem os pais ainda sabem da história. “Ainda gritei para nos baixarmos, mas não dispararam. Correu bem, mas nessa noite fomos para um hotel em frente a uma estação da polícia. Pensei sinceramente no que é que eu andava ali a fazer, a arriscar a minha vida por causa de um recorde do Guinness, que vale o que vale comparado com a vida de três pessoas”.
No entanto, afiança, “o México é um país espectacular”, onde conheceram muitas pessoas. E até, ironia das viagens, uma mexicana que pedalava pela Austrália com o objetivo de mudar a imagem que o povo tem do seu país. Sempre em contra-relógio, não fizeram muitas amizades além de encontros à beira da estrada, sobretudo com ciclistas. Também não viram as principais atracções de cada país (as praias tailandesas, por exemplo, passaram-lhes a cinco minutos de distância), mas deixaram-se encantar pela exuberância das paisagens na Nova Zelândia, pelos quilómetros de deserto remoto na Austrália, pela simpatia da maioria dos povos, pela aridez de Atacama. Como regressaria à maioria dos países, para Pedro a viagem serviu sobretudo para “identificar os sítios onde não ir” [como a zona “muito monótona” junto à costa no norte do Perú] e “redescobrir países” [como a Argentina e o Chile], onde andaram por lugares a que os turistas normalmente não vão.
Depois de dias a deslizar com o vento na Argentina – a mais de 200km por dia – o regresso à Europa foi “muito mais difícil”. Cãibras em Lisboa atrasaram a partida para a última etapa, feita de mais cidades e declives, mas bom tempo. O Natal no País Basco foi passado num hotel, com a família no Skype, regado a vinho tinto e queijo português. Já a última etapa alongou-se e teve umas 32 horas de bicicleta e mais algumas de ano novo. “Fizemos esse dia de seguida. Saímos da fronteira da Holanda com a Alemanha, passámos pela aldeia natal do Thomas [onde foram recebidos “que nem heróis”] e depois seguimos directos para Berlim, [onde] chegámos por volta das 9h”. Um misto de “felicidade” e “vazio”, um recorde do Guinness (provavelmente) conquistado.