Fugas - Viagens

  • Maria do Céu da Conceição
    Maria do Céu da Conceição DR
  • À conquista do Evereste
    À conquista do Evereste David Gray/Reuters
  • A Fundação Maria Cristina apoia projectos no Bangladesh
    A Fundação Maria Cristina apoia projectos no Bangladesh DR

Maria do Céu é a primeira portuguesa a tentar escalar o Evereste. Tudo por uma causa

Por Mariana Dias, Rita da Nova

Nasceu em Portugal, vive no Dubai e ajuda crianças do Bangladesh. Agora quer subir ao topo do Everest para chamar a atenção para uma causa que defende desde 2005: a de "quebrar o ciclo de pobreza" em Daca.

Maria do Céu da Conceição é, desde ontem, a primeira portuguesa a tentar subir ao monte Everest, a montanha mais alta do mundo, com 8848 metros de altitude. A expedição deverá durar até meados de Maio e tem um objectivo: conseguir mais apoios para a Fundação Maria Cristina , que ajuda famílias carenciadas no Bangladesh.

"Escalar montanhas pareceu-lhe uma escolha natural para conseguir chamar a atenção das pessoas para a fundação e para esta causa, e também para as motivar a doar fundos para crianças desfavorecidas", disse ao PÚBLICO o responsável de comunicação da campanha, Joshua Mathias. Maria da Conceição chamou ao desafio Million Dollar Baby Everest - quer angariar desta maneira um milhão de dólares (cerca de 800 mil euros).

Sediada no Dubai, a Fundação Maria Cristina funciona desde 2010 e pretende atenuar a situação de pobreza que existe no Bangladesh. As iniciativas da instituição de assistência social estão sobretudo ligadas à educação e uma das formas de facilitar o acesso de crianças ao ensino consiste em levá-las para o Dubai, onde completam a escola primária ou secundária, ao mesmo tempo que são inseridas numa família de acolhimento.

"A Maria planeia juntar donativos de empresas patrocinadoras e de quem queira ajudar individualmente. O casaco dela, as bandeiras e tendas foram desenhados de maneira a evidenciar os logótipos dos patrocinadores", adianta o responsável pela comunicação da campanha. O dinheiro que conseguir juntar será usado para manter em funcionamento a escola que abriu no Bangladesh. "Esta expedição é diferente das outras iniciativas devido ao número de riscos envolvidos. A Maria vai enfrentar imensos perigos durante a subida", acrescenta Joshua Mathias.

"Neste caso, o risco é real - há risco de cair se não colocarmos bem os pés, há risco de levarmos com objectos que caem das montanhas", disse ao PÚBLICO João Garcia, o primeiro alpinista português a alcançar o topo do Everest. Frisa que não só as quedas de neve são perigosas, como também os objectos que as pessoas que estão a escalar podem deixar cair. Mas estes não são os únicos riscos: há problemas fisiológicos, como edemas, que têm tendência a surgir a partir dos 3500 metros. Por este motivo, João Garcia - que conquistou o Everest em 1999 sem ajuda de garrafas de oxigénio - sublinha a importância do período de adaptação à altitude, que é feito numa base na montanha, entre os 4500 e os 5000 metros de altitude, e pode variar entre uma ou duas semanas.

"Por mais lenta que seja a adaptação à altitude, há um tempo limite de permanência em altitudes extremas", alerta o alpinista. Só é possível estar entre três a quatro dias em altitudes superiores a 7 mil metros, mas João Garcia ressalva que a limitação de tempo é relativa, depende dos organismos de cada um. "Quanto mais bem treinados estivermos a nível cardiovascular, do ponto de vista da resistência, melhor", garante Garcia, que aconselha um treino que inclua uma mochila pesada, andar muito tempo a pé ou arranjar uma modalidade desportiva que ofereça um treino de resistência.

Foi isto que Maria da Conceição fez para se preparar para subir a esta montanha. O treino exigiu um ano de preparação física. "Tinha de ir à praia, duas vezes por semana, andar com a mochila às costas, com 29 quilos, e a arrastar um pneu", explicou em declarações à rádio TSF, antes de partir em expedição. A portuguesa contou também com a ajuda de um treinador pessoal para as sessões diárias de natação e spinning (ciclismoindoor que permite simular pedaladas em vários níveis de terreno). Carregará às costas uma mochila com 15 quilos que se vai tornar mais pesada à medida que o ar ficar mais rarefeito.

Satyabrata Dam, o seu treinador durante os últimos meses, juntou-se à campanha e irá escalar com Maria. Também Denitsa Boyadjieva, hospedeira de bordo da companhia aérea Ethiad Airways, decidiu aderir à iniciativa.

"Se calhar estou a viver os meus últimos dois meses de vida, mas para mim é o meu sonho, é a minha missão", disse Maria da Conceição à TSF, antes de partir. Percebe-se o seu receio - só em Abril e Maio de 2012 morreram 11 montanhistas no Everest. O ano passado foi mesmo o pior desde 1996, ano em que se registaram 12 acidentes mortais.


Um vínculo ao Bangladesh

A subida ao topo do Everest é a segunda de três expedições que Maria da Conceição quer empreender com o propósito de angariar fundos para a Fundação Maria Cristina. Há dois anos, a portuguesa foi ao Pólo Norte com o mesmo objectivo: ajudar as crianças do Bangladesh.

Maria da Conceição visitou este país asiático pela primeira vez em 2005, quando esteve durante algumas horas na capital, Daca, para uma escala de voo. Na altura já morava no Dubai, onde era hospedeira de bordo da Emirates Airlines. Numa entrevista ao Diário de Alverca, em Dezembro de 2009, explicou que este foi um primeiro contacto decisivo para a criação da primeira instituição. "Foi o horror que vi em Daca que me fez voltar. Só consegui ganhar paz de espírito quando decidi que tinha de fazer qualquer coisa para ajudar aquela gente."

O Bangladesh, que tem uma contagem elevada de pobreza, está entre os países com menores índices de desenvolvimento humano, uma estatística desenvolvida pelo Plano das Nações Unidas para o Desenvolvimento. Em 2012, este Estado asiático era o 146.º numa lista de 186 países.

The Dakha Project (Projecto Daca) surgia alguns meses depois, quando Maria da Conceição decidiu ajudar 39 crianças que viviam em favelas nos arredores da cidade. Numa primeira fase conseguiu que tivessem lugar numa escola privada, mas depois acabou por abrir ela própria um estabelecimento de ensino. Só com duas salas, ficava em Gawair, um bairro de lata na periferia de Daca.

"As pessoas não confiavam nas minhas intenções. Foi muito difícil tranquilizá-las e convencê-las de que eu queria ajudar sem estar à espera de receber algo em troca", explicou na mesma entrevista, a propósito das dificuldades que encontrou ao longo deste projecto.

Alguns anos depois, a instituição já contava com mais salas. Quando a gestão do projecto foi entregue a uma organização local, em 2008, havia uma creche, um centro de costura ou um centro de primeiros socorros, e a escola tinha capacidade para 400 crianças. O projecto tinha também garantias de financiamento pela Emirates Foundation até 2013.

Até 2010, a antiga hospedeira de bordo fundou outras pequenas instituições, uma delas dedicada a apoiar adultos através da formação profissional. Um dos fundamentos deste projecto era o de que só é possível "quebrar o ciclo de pobreza" se os adultos das famílias desfavorecidas tiverem condições para sustentar os filhos.

Estas iniciativas valeram-lhe, em 2009, o Prémio de Mulher do Ano nos Emirados Árabes Unidos. Ao Diário de Alverca, contou que não estava à espera de vencer a votação. "Fiquei de tal modo atónita que nem sei como fui da cadeira até ao palco. Senti-me a tremer e quase que destruí o prémio, tal era a força com que o segurava", disse.

O nome de Maria da Conceição foi, em 2008, sugerido para condecoração pela Ordem de Mérito Civil, atribuída pelo Presidente da República, Cavaco Silva. O Conselho da Ordem não aprovaria a proposta.

Desta vez, Maria vai tentar obter o título da primeira portuguesa a pisar o ponto mais alto do mundo em nome da sua causa.

 

 

maria conceicao @ Vimeo.

--%>