Nos finais de 2011, Mateus Brandão, 31 anos, já com muito mundo conquistado, confessava-nos que, apesar de ser arquitecto, o que queria mesmo era fazer das viagens profissão. “É a viajar que me sinto completamente realizado”, dizia-nos. Agora, com mais duas grandes viagens no currículo, está cada vez mais perto de realizar o sonho: este ano, tornou-se guia especialista da agência de viagens Papa-Léguas (será um marcante périplo, já em Maio e Agosto: Berlim-Moscovo de comboio) e em Junho lançará o primeiro livro, “Destino: Sul”, onde relata a odisseia De Cabo a Cabo, a descida por três continentes, desde o ponto norte da Europa ao ponto mais sul de África.
"A estrada não é senão um caminho esburacado de terra batida, que nos faz saltar no banco improvisado, e por onde o condutor acelera – qual piloto de ralis – deixando atrás de nós um enorme rasto de poeira. Meia hora depois paramos no meio do nada. Um dos meus companheiros de viagem salta fora da carrinha, regressando de espingarda carregada, que faz repousar entre as pernas. Diz-me pertencer aos serviços secretos e que tenho muita sorte por estar a viajar com eles… Apenas um pensamento me ocorre: 'onde foi que me vim meter!?'”
Atravessar o norte do Quénia, entre lutas tribais e a possibilidade de um ataque de rebeldes somali, foi “sem dúvida a parte mais difícil” da primeira grande viagem que Mateus Brandão fez sozinho, do Cabo Norte, na Noruega, até [quase] ao Cabo Agulhas, na África do Sul. Ao longo de sete meses, o arquitecto de Santa Maria da Feira foi “descendo” por mais de vinte países em três continentes, no encalce daquilo que procura em cada viagem: “o encontro com as pessoas, a descoberta de outras culturas e o aprender” que daí advém.
Para Mateus Brandão, viajar não “é tanto a ideia de visitar determinado local ou ir à procura do museu ou do palácio, é ir à procura das pessoas”. “A essência da viagem está no encontro”, escreveria mais tarde no blogue. É assim que vai desenhando uma “geografia de amizades” a cada partida. E é assim que mede o que de melhor lhe aconteceu, a cada chegada.
Por isso, da primeira grande viagem destaca precisamente experiências marcadas pelo contacto com as pessoas. A estadia no Cairo, onde passou o primeiro Natal fora de casa, entre amigos de estrada. A travessia do Sudão, “um país lindíssimo”, onde andou “o tempo todo à boleia, com pessoas super simpáticas”. Ou a família que o acolheu na Jordânia, “muito humilde”, mas que “pôs tudo à disposição, deu-me de comer, alojou-me, nunca me deixou sozinho” e que no fim se despediu “em lágrimas”. “Foi talvez a história mais marcante, porque resume tudo aquilo que são para mim as viagens e o porquê de viajar e viajar desta forma”, conta.
A primeira grande travessia acabaria, no entanto, com um travo amargo: não chegou ao destino, o Cabo Agulhas. Tinha deixado a chegada simbólica ao ponto mais sul de África para o último dia, “porque coincidia precisamente com os setes meses da partida”, mas “umas peripécias no rent-a-car” impediram-no de percorrer os 200 quilómetros que separam o cabo da capital do país. Ficou com “alguma pena”, mas, mais uma vez, para Mateus “aquilo que realmente importava acabou por acontecer na Cidade do Cabo”: “uma série de amigos que tinha feito pelo caminho” juntou-se na capital sul-africana para a despedida do português.