Fugas - Viagens

  • Miguel Madeira
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Cheira bem, cheira a baleia

Ao fundo, enquanto o nosso barco saltava de onda em onda e nos baptizava com sal sempre que lhe apetecia, o Pico estava impassível. Ora coberto ora ao léu, já assistiu aos 150 anos de tradição baleeira da ilha, que há anos se transformou no início de uma tradição de whale watching. E o pioneiro no Pico foi o dono do Talassa, do hotel e do restaurante bar seu homónimo Whale’come to Pico, o francês Serge Viallelle, que um dia navegava por ali e ficou. O turismo dos Açores é sobretudo vocacionado para a natureza e o mar e os seus mais ilustres habitantes, autores de cantorias subaquáticas que fazem inveja a Roberto Carlos, são as estrelas da festa.

Viajantes migratórios

O Talassa nasce em 1989. O último cachalote foi apanhado nas Lajes do Pico em 1987 e a caça à baleia foi proibida em 1995. No Pico, arrumaram-se os longos botes e os arpões, fizeram-se dois museus — o dos Baleeiros, nas Lajes, e o da Indústria Baleeira, em São Roque — e as freguesias costeiras da ilha têm agora os barcos encasulados em clubes navais, enquanto os cabelos grisalhos e as mãos engrossadas pelo trabalho de décadas revivem histórias de naufrágios, de lutas com os animais e de sobrevivência. A ilha, os voos para a ilha, os restaurantes da ilha, as festas da ilha, tudo é palco de conversas sobre a pesca — da baleia e do atum.

Agora, com a viragem da história, são os amantes das baleias vivas que migram para o Atlântico açoriano, e não os pescadores que saem para o mar em busca de presa. São também os continentais, como João Quaresma, ou os estrangeiros, como a investigadora holandesa Hella Martens, que se fixam no Pico entre a Primavera e o Outono em torno das baleias e de ideias de dar e receber que tentam transmitir aos seus clientes. De que a pegada ecológica que os barcos deixam seja diluída por um trabalho com a Quercus de doação de 50 cêntimos por passageiro para a plantação de árvores na serra do Caramulo, de que não se deita lixo do barco para o mar, de que não nos aproximaremos nunca mais do que 50 metros das baleias salvo se elas — ou os golfinhos mais divertidos — se aproximarem de nós. E que respeitam as regras internacionais da forma como abordar os animais (pelos três quartos posteriores), nunca mais de três barcos por animal e menos de 15 minutos de roda deles.

E depois é o entusiasmo de seguir num semi-rígido batido pelas ondas, vento a dar a dar e mar a salpicar, profundo azul omnipresente — e é mesmo profundo, quase um quilómetro até lá abaixo, onde os cachalotes mergulham (são capazes de seguir a pique 1500m). Há gritinhos de quem vê uma tartaruga marinha pela primeira vez e avisos frenéticos de turistas, versão peritos instantâneos, quando avistam um peixe de cerca de dois metros e que ficou por identificar. Podia ser um tubarão, diz-se.

Deixa previsível para alguém trautear a famosa cadência da banda-sonora de Tubarão, riso fácil, e tentativas de combater o enjoo (evitável) nas paragens de cerca de dez minutos à espera que uma baleia venha ter connosco para respirar. Lá em baixo há mais coisas. Os que compram pacotes de várias viagens para garantir que o vício das baleias (e das aves), vindos da Holanda, do Reino Unido ou de França de propósito para isto, não ficam a conhecer pelo nome as raias, os peixe-lua, os tubarões e as várias outras espécies que só em certas alturas do ano e muitas vezes com equipamento de mergulho se deixam conhecer.

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