Fugas - Viagens

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Cheira bem, cheira a baleia

Por Joana Amaral Cardoso

João Quaresma é uma espécie de monsieur nez. Tem o olfacto treinado para pressentir baleias ao largo da ilha do Pico, nos Açores. A cada saída do barco do Espaço Talassa, lembra que "nada é garantido". Quando elas aparecem, nem que seja de fugida, é uma festa pegada.

Quando o barco pára ao largo da ilha do Pico porque cheirou a baleia a João Quaresma, ele não está a falar em sentido figurado. Cheirou-lhe mesmo a um tipo de baleia em particular. “O respiradouro destas baleias tem um cheiro distintivo”, explica, enquanto se espera que do mar emerja mais um desses gigantes, criaturas reluzentes que, não tendo o potencial de gerar (más) tatuagens como os golfinhos, são a principal atracção do turismo marítimo dos Açores.

“Nada é garantido” é uma espécie de mote das viagens que, duas vezes por dia, levam grupos de dez ou doze pessoas por semi-rígido do Espaço Talassa, nas Lajes do Pico, até ao mar. De tal forma que nenhuma imagem à la Zoomarine será projectada — a conservação e o estudo da vida selvagem, a par do turismo, são o principal foco, com parcerias com universidades de todo o mundo na observação da fauna, e não vamos ver baleias aos pulos nem golfinhos sempre a rodopiar bolas na ponta do seu bico. A palestra inicial do Talassa inclui mesmo a imagem de uma vaca a saltar no mar ao lado de um golfinho, um par de projecções irrealistas saídas da água que são cautionary tales — no fundo cautionary whales (com a devida vénia à inventora da expressão, a argumentista Diablo Cody).

Por isso, quando se vai ao mar e se traz na bagagem um avistamento de uma tímida mas efectiva baleia barbada azul (balaenoptera physalis) de cerca de 18 metros e de três grupos de golfinhos de duas espécies diferentes — golfinho comum de bico curto (delphinus delphis) e golfinho de Risso (grumpus griseus) —, fora doses regulares dos balões de pastilha elástica mais perigosos do mundo aquático — as temíveis caravelas portuguesas, caso haja dúvidas — e uma tartaruga marinha, pode dizer-se que esta viagem foi uma barrigada.

Há quem veja mais, assinale-se, mas também menos. Nesta penúltima semana de Maio em que a Fugas esteve no Pico, havia muitos clientes satisfeitos — as três semanas anteriores, em plena migração das baleias barbadas para norte, onde vão procurar alimento, foram fartas em avistamentos. Da torre da Vigia, antigamente usada para avisar os baleeiros em terra da melhor altura para caçar, agora chegam as informações, trianguladas com os dados da base, na sede da empresa nas Lajes, sobre onde andam estes cetáceos. Além dos meios electrónicos, nada como ver uma nuvem de água espirrada no meio do mar para saber que ali se respira baleia. O que não quer dizer que cheire a baleia. Isso só os mais experimentados sabem fazer, narinas ao alto para identificar um cheiro que, diz João Quaresma, o nosso comandante e fotógrafo descendente de armadores do Pico, “uma vez que se sinta, nunca mais se esquece”. E não no bom sentido. A baleia cheirosa não apareceu — e a sua colega do reino dos mamíferos aquáticos também só mostrou o dorso e a barbatana ao sol durante uns segundos. Mas já é bom, porque há quem faça esta viagem sem conseguir travar conhecimento com as baleias.

Para quem não quiser deixar nada ao acaso, mas mais uma vez sem garantias porque os animais selvagens não aceitam marcações, o Talassa mantém desde 1993 uma base de dados de estatísticas com todos os animais avistados diariamente em www.espacotalassa.com/satistiques.

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